STF: entidades de classe não podem gerir honorários de procuradores
Foto: Eugenio Novaes

STF: entidades de classe não podem gerir honorários de procuradores

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a inconstitucionalidade do trecho de uma lei de Rondônia que atribuía à entidade de classe a gestão e pagamento dos honorários advocatícios e de sucumbência pertencentes aos procuradores do estado. O julgamento se deu no ARE 1.476.224.

O acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia decidiu ser inconstitucional a parte final do caput do art. 9º da Lei Complementar n. 1.000/2018, do Estado de Rondônia, que delegava à entidade de classe privada a gestão e o rateio dos valores atinentes a verba honorária sucumbencial a que os procuradores estaduais iriam perceber.

Honorários dos procuradores

Referido artigo aduz que o total do produto dos honorários advocatícios e de sucumbência percebidos nas ações e acordos judiciais em que for parte o Estado de Rondônia e suas entidades pertence, originariamente, aos Procuradores do Estado, conforme o art. 85, § 19 do Código de Processo Civil, e será recolhido em conta própria vinculada à entidade de classe.

CPC

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

...

§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.

Nesse sentido, o TJ-RO afirmou ser incabível a gestão dos valores por uma entidade privada. Argumentou ainda que a medida dificultaria o controle e a fiscalização do dinheiro.

O Procurador-Geral do Estado, não satisfeito com a decisão do Tribunal local, interpôs recurso extraordinário, que teve seguimento negado. Isso acarretou a interposição do agravo em recurso extraordinário, julgado pelo Supremo.

O PGE de Rondônia sustentou que os honorários advocatícios e de sucumbência têm origem e destino “alheios à administração pública”, a qual só cabe a gestão de recursos públicos.

O relator do ARE, ministro Nunes Marques, ressaltou que o entendimento prevalente no Supremo é o da inconstitucionalidade de norma que preveja a gestão ou pagamento dos honorários advocatícios e de sucumbência pertencentes ao procuradores dos estados pela respectiva entidade de classe.

E assim foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 6.170, que considerou inconstitucional norma similar no âmbito do Estado do Ceará.

Liberdade de associação

Tais normas não se compatibilizam com o direito fundamental de liberdade de associação previsto no inc. XVII do art. 5º da Constituição da República.

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

Profissionais, membros de poder e servidores públicos não estão obrigados a se associarem a entidades de classe, nem como instrumentalidade para o exercício de direito previsto em lei.

Além disso, esses dispositivos acabam por instalar uma indevida confusão entre público e privado, não sendo juridicamente razoável atribuir-se a entidade representativa de classe a responsabilidade pela regulamentação do rateio de honorários de advogados públicos.

Inclusive, importante pontuar que o art. 23 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994) define que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

A Advocacia-Geral da União foi precisa em chamar a atenção para o fato de que, “ao legitimar a universalização do pagamento dessa verba a todos os advogados, mediante a extensão do seu acesso, nos termos de lei especial, também a advogados públicos, o Código de Processo Civil de 2015 optou por um modelo de administração da justiça em que as verbas de sucumbência cumprem importantes papéis regulatórios, funcionando como fator de desincentivo à litigância inconsequente, de exortação a métodos alternativos de resolução de controvérsias e, também, como elemento maximizador da eficiência dos causídicos públicos na atuação contenciosa”.

Teto constitucional

A jurisprudência pacífica do STF também é no sentido enquadrar os honorários sucumbenciais dos procuradores ao teto constitucional. Foi o decidido na ADI 6.181.

Entidades de classe

Os honorários constituem vantagem de natureza remuneratória e alimentar, que retribui a atividade pública desempenhada e é recebida em razão do exercício do cargo. Assim, o montante recebido, somado às demais verbas remuneratórias, não deve exceder o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (teto constitucional).

No caso do ARE 1.476.224, o ministro Nunes Marques ainda afastou a alegação do PGE de Rondônia de que, na ADI 6.182, o Supremo teria reconhecido a constitucionalidade do artigo 9º da Lei Complementar estadual 1.000/2018, justificando que o tribunal só analisou a questão da percepção dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos do estado de Rondônia, ou seja, não teria avaliado a gestão dos honorários por entidade de classe.

Em resumo, podemos extrair, quanto aos honorários advocatícios e de sucumbência dos advogados públicos, os seguintes entendimentos:

  1. O pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos é constitucional;
  2. O recebimento da verba é compatível com o regime de subsídios, nos termos do art. 39, § 4º, da Constituição;
  3. Os honorários sucumbenciais, somados às demais verbas remuneratórias, devem estar limitados ao teto constitucional disposto no art. 37, XI, da Constituição;
  4. Entidades privadas (de classe) não podem gerir ou pagar os honorários devidos aos advogados públicos; e
  5. Os honorários sucumbenciais dos procuradores possuem natureza remuneratória e alimentar;

Ótimo tema para provas de procuradorias. Portanto, muito atenção!


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