STF derruba Marco Temporal e garante direito dos indígenas

STF derruba Marco Temporal e garante direito dos indígenas

Sou o professor Thiago Leite, formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em Direito Público, atualmente ocupo o cargo de Procurador do Estado de São Paulo e leciono Direito Ambiental e Agrário do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: STF derruba Marco Temporal e garante direito dos indígenas.

O Supremo Tribunal Federal acaba de sepultar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Mas o que isso significa? Quais os reais impactos dessa decisão? É isso que veremos a partir de agora.

            A CF/88, em seu artigo 231, prescreve que:

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.”

            A grande questão é saber quais terras são consideradas tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Nesse contexto, ganha destaque o marco temporal, tese jurídica que ganhou repercussão em 2009, no julgamento da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, segundo a qual as populações indígenas têm o direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou que já disputavam no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, em 05/10/1988. Portanto, se em 05/10/1988 uma área não estava ocupada ou disputada por povos indígenas essa área não deveria ser considerada terra indígena (segundo a tese do marco temporal).

O critério do marco temporal é criticado fortemente pelos ambientalistas e pelos indígenas, pois, segundo eles, validaria invasões e abusos cometidos contra indígenas antes da Constituição. Do outro lado temos os ruralistas e o agronegócio, que defendem a tese do marco temporal como fator determinante da garantia do direito de propriedade, além de contribuir para a segurança jurídica e econômica.

O embate está formado: ambientalistas e indígenas defendendo o fim do marco temporal, enquanto os ruralistas e o agronegócio defendendo a manutenção desse critério.

A disputa chegou ao STF no julgamento do RE 1.017.365 (tema 1.031). Entenda o caso.

O julgamento começou em agosto de 2021 e é um dos mais emblemáticos da história do STF, se estendendo por 11 sessões. Representantes dos povos indígenas acompanharam a sessão de julgamento do Plenário e em uma tenda montada no estacionamento ao lado do Tribunal.

A magnitude da decisão decorre não só da importância do tema em si, mas também devido ao fato do processo ser o representativo da controvérsia, ou seja, está sendo julgado em sede de repercussão geral, o que vinculará os demais tribunais e magistrados do país.

Foi criada, no ano de 2003, a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. Acontece que o Estado de Santa Catarina está pleiteando, no STF, uma parte dessa área, que é disputada, também, pelos indígenas Xokleng e por agricultores locais. E o governo de Santa Catarina justifica seu pedido exatamente no fato de que a área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada pelos índios em 5 de outubro de 1988. Portanto, segundo a tese do marco temporal essa terra não seria indígena. Já os Xokleng contestam o interesse catarinense argumentando que a terra estava desocupada na ocasião pelo fato deles terem sido expulsos de lá. É esse o impasse que acaba de ser julgado.

O STF, por ampla maioria (9 x 2), decidiu afastar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, fixando o entendimento de que a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades.

Segundo o ministro Luiz Fux, primeiro a votar, a Constituição, quando fala em terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, se refere às áreas ocupadas e às que ainda têm vinculação com a ancestralidade e a tradição desse povos. E mais: ainda que não estejam demarcadas, elas devem ser objeto da proteção constitucional.

Já a ministra Cármen Lúcia ressaltou que a Constituição Federal, ao traçar o estatuto dos povos indígenas, assegurou-lhes expressamente a manutenção de sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas, e a posse da terra não pode ser desmembrada dos outros direitos fundamentais garantidos a eles. O afastamento do marco temporal está relacionado à dignidade étnica de um povo que foi oprimido e dizimado por cinco séculos, arremata a ministra.

Na mesma toada foi o voto de Gilmar Mendes, que afastou a tese do marco temporal, mas desde que assegurada a indenização aos ocupantes de boa-fé, inclusive quanto à terra nua.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, afirmou que a posse de terras pelos povos indígenas está relacionada com a tradição, e não com a posse imemorial. Ela explicou que os direitos desses povos sobre as terras por eles ocupadas são direitos fundamentais que não podem ser mitigados. Destacou, ainda, que a posse tradicional não se esgota na posse atual ou na posse física das terras. Lembrou, ainda, que a legislação brasileira tradicionalmente trata de posse indígena sob a ótica do indigenato, ou seja, de que esse direito é anterior à criação do Estado brasileiro.

O relator, ministro Edson Fachin, votou contra o marco temporal, salientando que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório, mas entendeu não ser possível a indenização pelo valor da terra em si.

Apenas dois ministros votaram a favor da tese do marco temporal: André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Segundo eles, com o afastamento do marco temporal haveria uma expansão ilimitada para áreas já incorporadas ao mercado imobiliário no País, e que a soberania e independência nacional estariam em risco. Segundo Marques, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, citando que a Constituição deu prazo de cinco anos para que a União efetuasse a demarcação das terras. Para ele, essa norma demonstra a intenção de estabelecer um marco temporal preciso para definir as áreas indígenas.

Apesar do afastamento do marco temporal, outras questões estão pendentes de análise, como eventual modulação da decisão e a questão da possibilidade ou não de indenização do proprietário pelo valor da terra nua, isso sem falar na reação da bancada ruralista no Congresso Nacional, que se articula para aprovar o projeto do marco temporal no legislativo, em sentido contrário ao decidido pela Suprema Corte.

É acompanhar o desenrolar dessa novela.

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