Explicação do caso
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5043, decidiu afastar a interpretação segundo a qual apenas delegados de polícia poderiam conduzir investigações criminais. A decisão foi tomada em sessão virtual encerrada no dia 28 de março e teve como relator o ministro Dias Toffoli.

A controvérsia surgiu a partir da interpretação de dispositivos da Lei 12.830/2013, que trata da investigação criminal conduzida por delegados. A Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou que a norma estava sendo usada para justificar uma exclusividade inconstitucional. Isso porque o texto da lei poderia levar à conclusão equivocada de que só delegados teriam legitimidade para apurar infrações penais1.
No julgamento, o STF deixou claro que a Constituição Federal não confere essa exclusividade à polícia judiciária. Assim, outras instituições com poderes investigativos reconhecidos constitucionalmente, como o Ministério Público e comissões parlamentares de inquérito (CPIs), também têm legitimidade para realizar investigações criminais. A decisão reafirma a interpretação de que o sistema jurídico brasileiro permite uma pluralidade de sujeitos ativos na investigação de crimes.
Aspectos jurídicos relevantes
O núcleo da discussão envolveu o artigo 2º da Lei nº 12.830/2013, que estabelece que a investigação criminal é função exclusiva do delegado de polícia:
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Contudo, o STF entendeu que essa interpretação afronta os princípios constitucionais da separação de poderes e da máxima efetividade da norma constitucional. Assim, julgou procedente o pedido deduzido na inicial para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, de interpretação do § 1º do art. 2º da Lei nº 12.830/13 que atribua privativamente ou exclusivamente ao delegado de polícia a condução de investigação criminal.
O relator, ministro Dias Toffoli, sustentou que a Constituição Federal de 1988 não prevê exclusividade da polícia civil na condução de investigações. De fato, o artigo 129, inciso VIII da CF/88, atribui ao Ministério Público a possibilidade de “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”. Além disso, jurisprudência consolidada do próprio STF e do STJ reconhece que o Ministério Público pode realizar investigações diretamente, sem a intermediação da polícia.
Toffoli também destacou que comissões parlamentares de inquérito (CPIs), previstas no artigo 58, §3º da Constituição Federal, têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, o que reforça a multiplicidade de legitimados para apuração de fatos com repercussão penal.
A decisão se alinha a precedentes importantes do STF, como o RE 593.727, que reconheceu a legitimidade do Ministério Público para conduzir investigações criminais, e reafirma a tese de que a Constituição não restringe essa atribuição exclusivamente à polícia.
A interpretação conferida pelo STF respeita ainda o princípio da máxima efetividade constitucional, promovendo uma leitura que amplia a aplicação prática dos direitos fundamentais e da própria estrutura investigativa do Estado, especialmente diante de textos legais potencialmente contraditórios.
Consequências
A decisão do STF reafirma a existência de um sistema plural de investigações, pelo qual o poder de investigar é pulverizado nas mãos de instituições diversas, dentro e fora do Poder Executivo, contrariando a ideia de que a investigação constitui monopólio da Polícia Judiciária.
Ela faz referência a temas debatidos com certa recorrência no âmbito do STF, como os poderes investigatórios do Ministério Público, que são objeto de controvérsia desde o início do século, afirmada com base na teoria dos poderes implícitos; no tema 184, do STF; e nas ADI’s 2.943, 3.309 e 3.3182.
Em resumo: nada de novo!
Segue o entendimento de que as investigações não são atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, ao contrário, são compartilhadas entre órgãos diversos: no Executivo temos, por exemplo, Receita Federal, COAF, Banco Central, CVM, no âmbito do Legislativo, temos o TCU e as CPI’s, podendo até mesmo o Poder Judiciário desenvolver investigações, na forma da Lei Complementar 35/93 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional); e fora do âmbito dos Poderes da República, também o Ministério Público, conforme farta jurisprudência do STF.
Um alerta, no entanto: o inquérito policial é expediente exclusivo da Polícia Judiciária. Portanto, a afirmação “investigar não é ato exclusivo do delegado, mas investigar por inquérito policial sim” (é ato exclusivo da autoridade policial) é absolutamente verdadeira!
- STF reafirma competência concorrente do MP em investigações criminais. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/426827/stf-reafirma-competencia-concorrente-do-mp-em-investigacoes-criminais>. ↩︎
- Tese fixada: 1. O Ministério Público dispõe de competência concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais da advocacia., sem prejuízo da possibilidade, do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (súmula vinculante 14) praticados pelos membros dessa instituição (tema 184).
2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem por exigência:
2.1 Comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório com o devido registro e distribuição;
2.2 Observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para a conclusão de inquéritos policiais;
2.3 Necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas;
2.4 Distribuição por dependência ao juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial, a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações;
2.5. Aplicação do art. 18 do CPP ao PIC, procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público.
3. Deve ser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 da sentença no caso Honorato e outros x Brasil, de 27 de novembro de 2023, da Corte Interamericana de Direitos humanos, no sentido de reconhecer que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares.
3.1 A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser de forma motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública, na prática de infrações penais, ou sempre que mortes, ou ferimentos graves, ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauração do procedimento investigatória deverá ser sempre motivada.
3.2 Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos.
Não se esqueçam que a autoridade policial pode se valer de outros expedientes para investigar, como por exemplo, o TCO (termo circunstanciado de ocorrência), previsto na Lei 9.099/95, e a VPI (verificação de procedência de informação), prevista no artigo 5º, §3º, do CPP. ↩︎
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