STF valida decretos de Lula que restringem acesso a armas
Foto: AP Photo/Eraldo Peres

STF valida decretos de Lula que restringem acesso a armas

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O Supremo Tribunal Federal formou maioria para reconhecer a constitucionalidade de decretos de Lula que tratam da regulamentação do Estatuto do Desarmamento.

Decretos

O julgamento se deu no bojo da Ação Direta de Constitucionalidade 85. Tal ADC foi proposta pelo próprio Presidente da República para confirmar a validade jurídica dos decretos 11.366/23 e 11.615/23, que impuseram restrições ao acesso da população a armas de fogo e munições no Brasil.

  • Decreto nº 11.366/2023: Suspendeu a emissão de novos registros de armas de uso restrito e limitou a atuação de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Instituiu também um grupo de trabalho para revisar a política armamentista vigente.
  • Decreto nº 11.615/2023: De caráter mais amplo, consolidou a regulamentação definitiva, com a redução dos quantitativos permitidos e reforço dos critérios para aquisição de armamento.

Ademais, os decretos também centralizaram na Polícia Federal a competência para gerir o cadastro de armas no país.

Em 2023, o plenário da Suprema Corte já havia mantido liminar do relator, Gilmar Mendes, que suspendeu todos os processos na Justiça que discutiam a constitucionalidade dos decretos.

Na verdade, os decretos acabaram por regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), que concede fundamento para a política de controle da circulação de armas fogo no Brasil.

O objetivo do Estatuto do Desarmamento é aprimorar os mecanismos de controle da circulação de armas de fogo no país a fim de combater a violência social.

Segurança pública e o acesso às armas

Muitos defendem que uma das principais causas da onda de violência que assola o país é a facilidade de obtenção e uso de armas de fogo. Argumenta-se também que é dever do Estado manter a segurança pública, reduzindo este perigo a um grau controlável.

Contudo, o Estatuto do Desarmamento, ainda que não seja a solução final e integral para todos os problemas de violência letal, interrompeu a corrida armamentista no país que estava impulsionando as mortes violentas.

Estudos comprovam que, se não fosse o Estatuto do Desarmamento, que impôs um controle responsável das armas de fogo, a taxa de homicídios seria ainda maior que a observada atualmente.

Na ADI 3112, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, ressaltou:

“O dever estatal concernente à segurança pública não é exercido de forma aleatória, mas através de instituições permanentes e, idealmente, segundo uma política criminal, com objetivos de curto, médio e longo prazo, suficientemente flexível para responder às circunstâncias cambiantes de cada momento histórico.

Nesse sentido, observo que a edição do Estatuto do Desarmamento, que resultou da conjugação da vontade política do Executivo com a do Legislativo, representou uma resposta do Estado e da sociedade civil à situação de extrema gravidade pela qual passava – e ainda passa – o País, no tocante ao assustador aumento da violência e da criminalidade, notadamente em relação ao dramático incremento do número de mortes por armas de fogo entre os jovens”.

O Estatuto do Desarmamento é o diploma legislativo que consubstancia os valores constitucionais concernentes à proteção da vida humana (CF, art. 5º, caput) e à promoção da segurança pública (CF, art. 144, caput) contra o terror e a mortalidade provocada pelo uso indevido das armas de fogo

Em 2019, se observou um efetivo esvaziamento da política de controle de armas no Brasil. Isso teria acontecido com a revogação do Decreto nº 5.123/2004, que regulamentava o Estatuto do Desarmamento.

Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes assentou, em seu voto na ADC 85, que “a gestão do Governo Federal que permaneceu no poder entre 2019 e 2022 promoveu a flexibilização das normas de controle de armas de fogo no Brasil, com o objetivo deliberado de permitir a proliferação da aquisição, posse e circulação de armas de fogo no país”.

Dados do Exército noticiados pela imprensa dão conta que o número de armas nas mãos de CACs quase triplicou entre dezembro de 2018 e julho de 2022, saltando de 350.683 (trezentos e cinquenta mil, seiscentas e oitenta e três) para 1.006.725 (um milhão, seis mil, setecentas e vinte cinco).

Direitos constitucionais

A competência do Poder Executivo para regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) encontra limites nos direitos constitucionais à vida e à segurança, bem como no dever estatal de construção de uma política pública de segurança e controle da violência armada.

Armas:

Não existe, na ordem constitucional brasileira, um direito fundamental ao acesso a armas de fogo pelos cidadãos. Além disso, a aquisição e o porte de armas de fogo no Brasil devem estar sempre marcados pelo caráter excepcional e pela exigência de demonstração de necessidade concreta.

A Suprema Corte considerou, na ADC 85, que os Decretos 11.366/2023 e11.615/2023 têm por objetivo reconstruir a política de controle de armas no Brasil.

O Decreto 11.366/2023 previu, basicamente, 5 medidas, a saber:

1ª) Suspensão dos registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares;

2ª) Restrição dos quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido, assim como a fixação dos requisitos para a compra de arma e para a obtenção do Certificado de Registro de Arma de Fogo;

3ª) Suspendeu-se a concessão de novos registros de clubes e escolas de tiro; e

4ª)Suspendeu a concessão de novos registros de colecionadores, atiradores e caçadores.

5ª) A instituição de grupo de trabalho, com vistas à regulamentação da Lei n. 10.826/2003.

Já o Decreto 11.615/2023 consiste efetivamente na nova regulamentação “ampla, definitiva e prospectiva” do Estatuto do Desarmamento, almejada pelo Decreto 11.366/2023 e construída pelo grupo de trabalho por ele instituído.

O STF decidiu que os decretos são formal e materialmente constitucionais, já que voltados à reconstrução da política de controle de armas no Brasil.

Portanto, os decretos que limitam o acesso às armas e munições no Brasil não importam em violação à segurança jurídica ou ao direito adquirido (Constituição, art. 5º, XXXVI), não havendo inconstitucionalidade no particular. Pelo contrário, visam aumentar a fiscalização e o controle sobre a circulação de armas de fogo no Brasil.

Ótimo tema para provas de direito constitucional.


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