STF pode conciliar sempre ou seria uma “não decisão”?

STF pode conciliar sempre ou seria uma “não decisão”?

Recentemente, foi divulgado um artigo no site da Folha destacando que o “STF tem investido em conciliação”. Entretanto, sob uma ótica “silenciosa”, isso seria um “não decidir”, na visão do professor de Direito do Insper Luiz Fernando Esteves:

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STF pode conciliar

A ideia desse artigo é entender melhor o artigo da Folha, bem como, demonstrar como vem agindo e o que mudou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a conciliação.

Onde há a previsão de conciliação na legislação?

De início, pode-se afirmar que a diretriz que o STF tem seguido está consagrada no art. 3º, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil de 2015. O dispositivo estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, devendo a conciliação e a mediação serem estimuladas por todos os atores do processo judicial:

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Vale frisar que além do CPC, diversas legislações especiais reforçam esta orientação, como a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) e a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).

O que não pode conciliar?

De maneira tradicional, há limites claros para a aplicação dos mecanismos consensuais, especialmente em matéria de direitos indisponíveis e no controle de constitucionalidade, que sempre foi vedado pela doutrina majoritária.

Isto é, o nosso sistema jurídico estabelece determinadas vedações à conciliação. Isso ocorre especialmente quando se trata de direitos indisponíveis ou quando há interesse público primário envolvido (interesse público inegociável – na visão dos processualistas da UERJ).

Por exemplo, questões envolvendo o estado das pessoas, como filiação e capacidade civil, não podem ser objeto de transação. Da mesma forma, historicamente, entendia-se que o controle de constitucionalidade, por sua natureza objetiva e pela indisponibilidade do interesse público, estaria fora do alcance dos mecanismos consensuais.

A inovação do STF na ADPF 165

Como narra a Folha, o Supremo Tribunal Federal tem protagonizado uma silenciosa revolução em seus métodos decisórios ao adotar, de forma crescente, mecanismos alternativos de resolução de conflitos.

De acordo com o painel mantido pela própria Corte, houve a homologação de 46 acordos em 106 processos desde 2015, com outros 39 ainda em análise. Estes números revelam mais que uma tendência: representam uma nova filosofia jurisdicional.

Vamos ao caso inicial julgado pelo STF em 2018:

As pessoas que tinham dinheiro em conta poupança nos anos de 1986 a 1991 foram prejudicadas pelos planos econômicos editados neste período (Planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor II). Isso porque esses planos fizeram a conversão dos valores depositados de forma errada (os chamados “expurgos inflacionários”).

Em razão disso, tais poupadores ingressaram com ações judiciais pedindo a correção disso e o pagamento das diferenças. Além das ações individuais, também houve propostas de ações coletivas ajuizadas por associações de defesa do consumidor e por associações de poupadores.

Os juízes e Tribunais estavam todos decidindo em favor dos poupadores.

A fim de tentar reverter a situação, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) ajuizou, no STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165, pedindo, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a suspensão de qualquer decisão judicial que tivesse por objeto a reposição das perdas decorrentes dos planos econômicos.

Na ação, a CONSIF alegava a plena constitucionalidade dos referidos planos, de forma que os poupadores não teriam nada a receber.

Ao longo da tramitação da ADPF, as várias associações de defesa do consumidor e dos poupadores, que haviam ajuizado ações coletivas tratando do tema, pediram para intervir no processo na qualidade de amicus curiae (ex: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Associação Brasileira do Consumidor, entre outras), o que foi aceito pelo STF.

Depois de quase 9 anos tramitando no STF, houve um acordo entre a CONSIF (autora da ADPF) e as associações de defesa do consumidor/poupadores.

Os termos do acordo previram o pagamento de mais de 12 bilhões de reais aos poupadores.

Mas, é possível acordo em ADPF?

Na visão do STF, sim:

É possível a celebração de acordo num processo de índole objetiva, como a ADPF, desde que fique demonstrado que há no feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de autocomposição.

Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo.

O STF irá apenas homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do âmbito da disponibilidade das partes.

A homologação estará apenas resolvendo um incidente processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional.

STF. Plenário ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018 (Informativo 892).

Assim, o STF afirmou que, mesmo sem previsão normativa expressa, as associações privadas também podem fazer acordos nas ações coletivas.

Logo, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados permite-se fazer tudo que a lei não proíbe.

E qual é a crítica que se faz?

Na visão da professora, Eloisa Machado, da FGV Direito SP, questiona-se sobre os riscos de submeter direitos fundamentais de minorias a processos de negociação.

Entenda o raciocínio: caso você privilegie soluções consensuais mesmo em questões constitucionais (que, em tese, não admitem transação), o STF acaba redefinindo seu papel institucional e ganha uma nova função que não era sua característica principal.

Ou seja, é como se o “Supremo conciliador” fosse uma inovação institucional mas que teria um risco grave. Isso porque para contribuir para a pacificação social, nem sempre você pode agradar todo mundo, uma vez que apresenta justamente função contramajoritária – como característica tradicional – o Poder Judiciário.

Como o tema já caiu em concursos

(MPF - PROCURADOR DA REPUBLICA - 2022) Conquanto se trate de ação do controle concentrado de constitucionalidade, tem-se admitido a extinção de ADPF, com resolução do mérito, mediante homologação de transação entabulada entre proponente da ação e “amici curiae”. Nesse caso, é possível transigir quanto a aspectos patrimoniais subjacentes à questão constitucional.

Gabarito: Certo.

Quer saber quais serão os próximos concursos?

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