Estava “agitado”: bater o carro sugere embriaguez e o seguro pode negar cobertura?

Estava “agitado”: bater o carro sugere embriaguez e o seguro pode negar cobertura?

Suponha que João emprestou seu veículo para seu primo Pedro em uma noite de forte temporal.

Durante o trajeto, Pedro perde o controle do carro em uma curva e colide com uma árvore.

Seguradora de veículos

Há o acionamento do SAMU e, no relatório de atendimento, os socorristas descrevem Pedro como “agitado e confuso”, sem realizar qualquer teste de alcoolemia.

A seguradora do veículo, baseando-se apenas neste relatório, nega a cobertura do sinistro alegando que Pedro estava embriagado no momento do acidente.

Esta situação hipotética, muito similar ao caso julgado pelo TJRO, nos leva a uma reflexão fundamental:

-É possível que a seguradora negue cobertura securitária com base em meras suposições de embriaguez, sem comprovação técnica e sem demonstrar o nexo causal entre o suposto estado etílico e o acidente?

A resposta do TJ-RO foi não.

Vamos aprofundar a análise jurídica do caso em concreto

Do contrato

De início, é importante fazer a análise deve a partir da compreensão do contrato de seguro, regido pelos artigos 757 a 802 do Código Civil.

Especificamente, o artigo 757 estabelece:

"Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados."

Nessa linha, a melhor doutrina ensina que o contrato de seguro fundamenta-se no princípio do mutualismo, onde há uma distribuição dos riscos entre os segurados, formando um fundo comum administrado pela seguradora. Nesse sentido, a boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil, assume papel central nesta modalidade contratual.

No caso, uma pessoa contrata um seguro do carro, porque imagina que pode bater e quer dividir os riscos caso isso aconteça.

Do ônus probatório

O cerne da controvérsia dada decisão do TJRO reside na análise do ônus probatório. O artigo 373 do CPC estabelece:

"O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

Ora, no caso em análise, embora coubesse ao segurado demonstrar a ocorrência do sinistro e a vigência do contrato, competia à seguradora provar que a embriaguez foi a causa determinante do acidente.

Dessa maneira, o tribunal entendeu que a produção dessa prova não ocorreu de forma satisfatória.

Ora, tinha-se em prova que o condutor estava “agitado e consumo”, conforme descreveu o SAMU, entretanto, não houve perícia médica realizada, nem detecção através de sangue.

Dessa forma, não poderia ser possível que o seguro do carro negasse assistência sob o fundamento que “o contratado estava embriagado” o que aumentariam os riscos, e consequentemente, conforme cláusula contratual, afastaria a cobertura.

Do nexo causal

A relatoria do TJ-RO aplicou, ainda que implicitamente, a teoria da causa adequada. Assim, citando Sergio Cavalieri Filho, não basta a existência de uma condição (no caso, a suposta embriaguez) para estabelecer o nexo causal – é necessário que esta condição seja adequada a produzir o resultado.

No caso concreto, as condições climáticas adversas apresentavam-se como causa adequada para o acidente, independentemente da suposta embriaguez, que sequer foi tecnicamente comprovada.

Por outro lado, a decisão alinha-se com a Súmula 620 do STJ:

"A embriaguez do segurado, por si só, não exime o segurador do pagamento de indenização prevista em contrato de seguro de vida."

Isto é, embora a súmula trate especificamente de seguro de vida, seu fundamento – a necessidade de demonstração do nexo causal entre a embriaguez e o sinistro – aplica-se por analogia aos seguros de dano.

Ademais, quanto aos seguros de vida vale salientar que nos de pessoas, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas.
STJ. 2ª Seção. REsp 1999624-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 28/09/2022 (Informativo 751).

Isto é, veda-se a exclusão de cobertura do seguro de vida na hipótese de sinistro ou acidente decorrente de atos praticados pelo segurado em estado de embriaguez. Tal cláusula é abusiva, com base nos arts. 3º, § 2º, e 51, IV, do CDC. STJ. 2ª Seção. EREsp 973.725-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado Do TRF 5ª Região), julgado em 25/04/2018 (Informativo 625).

Esse entendimento baseia-se na orientação da Superintendência de Seguros Privados na Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007:

1) Nos Seguros de Pessoas e nos de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de “sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas”;
2) Excepcionalmente, nos Seguros de Danos cujo bem segurado seja um VEÍCULO, é ADMITIDA A EXCLUSÃO DE COBERTURA para “danos ocorridos quando verificado que o VEÍCULO SEGURADO foi conduzido por pessoa embriagada ou drogada, desde que a seguradora comprove que o sinistro ocorreu devido ao estado de embriaguez do condutor”.

Em outras palavras, se por exemplo, o condutor do veículo tivesse falecido, ainda que embriagado, ele teria direito ao seguro de vida, por exemplo.

Compare

No SEGURO DE VIDA (seguro de pessoas) é devida a indenização securitária mesmo que o acidente que vitimou o segurado tenha decorrido de seu estado de embriaguez?No SEGURO DE AUTOMÓVEL (seguro de bens) celebrado por uma empresa com a seguradora, é devida a indenização securitária se o condutor do veículo estava embriagado?
SIM. É vedada a exclusão de cobertura do seguro de vida na hipótese de sinistro ou acidente decorrente de atos praticados pelo segurado em estado de embriaguez. STJ. 3ª Turma. REsp 1.665.701-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/5/2017 (Informativo 604). STJ. 2ª Seção. EREsp 973.725-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado Do TRF 5ª Região), julgado em 25/04/2018 (Informativo 625).• Em regra: NÃO.
• Exceção: será devido o pagamento da indenização se o segurado conseguir provar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado. Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro de automóvel quando o causador do sinistro (condutor do veículo segurado) estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª Turma. REsp 1.485.717-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Informativo 594).  

Como o tema já caiu em concurso

(TJSP – Vunesp – 2023 – Juiz) Sobre o contrato de seguro, segundo a jurisprudência dominante e atual do Superior Tribunal de Justiça, é CORRETO afirmar:

(A) a cobertura, no seguro de vida, deve abranger os casos de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas, salvo em se tratando de suicídio ocorrido dentro dos 2 (dois) primeiros anos do contrato. (Certo)

Isso cairá em provas.

Fique ligado!


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