Olá, pessoal!
Sou o professor Thiago Leite, procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia Carreiras Jurídicas e trouxe abaixo alguns pontos sobre o tema: O Rio Grande do Sul vive sua maior tragédia natural e entra em estado de emergência climática.
O Rio Grande do Sul está passando, nos últimos dias, pela sua maior tragédia climática da história, em decorrência das fortes chuvas que atingiram o estado e que, até agora, já causaram dezenas de mortes, milhares de desabrigados, destruição de boa parte da infraestrutura local (estradas, pontes, diques de contenção), ameaçando, ainda, a economia local.
O estado estima que perto de meio milhão de pessoas já foram diretamente atingidas pelo apagão climático que gerou essas enchentes, e esse número deve continuar subindo.
O governo federal, através do Ministério da Justiça, enviou ao estado gaúcho 100 homens da força nacional, e vários estados brasileiros se solidarizaram com a tragédia e enviaram bombeiros, agentes de defesa civil, aviões, cães farejadores, botes, caminhonetes, mantimentos e itens de primeira necessidade.
Os meteorologistas afirmam que os temporais que ocorrem no Rio Grande do Sul são reflexo de, ao menos, três fenômenos que ocorrem na região, agravados pelas mudanças climáticas.
A tragédia no estado está associada a correntes intensas de vento, a um corredor de umidade vindo da Amazônia, aumentando a força da chuva, e a um bloqueio atmosférico, devido às ondas de calor.
A previsão é de que a enchente despeje no estado aproximadamente 700 milímetros de chuva, o que é considerado um volume absurdamente alta para um período tão curto de tempo.
Enfim, o Rio Grande do Sul passa por um verdadeiro caos climático. A questão é saber: ele poderia ser evitado ou, pelo menos, abrandado? O que é apagão climático? E estado de emergência climática? Fique ligado, pois iremos responder a todas essas questões.
O aquecimento global é recorrente em toda a história da Terra, e pode ter origem natural ou antrópica (humana). Atualmente essas mudanças têm ocorrido de forma mais intensa em razão da ação predatória do homem. Grande parte da emissão de gases de efeito estufa decorre da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo), dos desmatamentos e da atividade industrial.
Mas como ocorre esse processo de aquecimento? Simples: o acúmulo excessivo de gases do efeito estufa na atmosfera forma uma espécie de cobertor, que impede que os raios solares que incidem sobre a terra sejam emitidos de volta ao espaço, transformando o planeta em uma verdadeira estufa, ocasionando um acúmulo de calor e uma consequente elevação na temperatura da superfície.
Os principais gases de efeito estufa – GEE são: monóxido de Carbono (CO), dióxido de Carbono (CO2), metano (CH4), clorofluorcarbonos (CFC), óxido de Nitrogênio (NxOx) e dióxido de Enxofre (SO2).
O Brasil possui a lei federal nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. Referida política tem por objetivo, dentre outros, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático, a redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa em relação às suas diferentes fontes e a implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima pelas 3 (três) esferas da Federação, com a participação e a colaboração dos agentes econômicos e sociais interessados ou beneficiários, em particular aqueles especialmente vulneráveis aos seus efeitos adversos.
Não há como negar a relação entre os eventos climáticos extremos, como a enchente que castiga o RS, e o aquecimento global causado pela atividade humana. Os principais impactos decorrentes do aquecimento global são: enchentes, secas, incêndios florestais, aumento do início dos oceanos, decorrente do derretimento das calotas polares, morte de animais, devastação de florestas e plantações, desertificação, morte de pessoas e destruição do patrimônio, perda de patrimônio genético e migração forçada (refugiados climáticos).
Portanto, o combate ao aquecimento global passa, necessariamente, pela redução da emissão desses gases de efeito estufa, o que pode ser feito através de medidas que vão das mais simples, como a troca de lâmpadas de vapor de sódio por lâmpadas de LED e o correto descarte do lixo, até as mais complexas, como a criação de fontes de energia limpa, o desenvolvimento de motores mais eficientes, a cooperação internacional e o fomento estatal do pagamento por serviços ambientais.
E esse combate ao efeito estufa requer, antes de qualquer coisa, a criação de uma conscientização pública da população e de todos os agentes envolvidos (poder público, mercado, comunidade acadêmica, sociedade civil organizada) da necessidade urgente de frear o ritmo de emissão de gases de efeito estufa.
É nesse contexto de aquecimento global e de suas nefastas consequências que surge a ideia do estado de emergência climática, que é o reconhecimento feito por autoridades (poder público) ou cientistas da calamidade pública decorrente de eventos climáticos, tais como inundações ou secas, com o objetivo de alertar a comunidade que as medidas até então adotadas não estão sendo suficientes para a correção do problema e para agilizar a resposta aos afetados, através da adoção de procedimentos mais céleres, liberação de verbas, contratação de profissionais, construção emergencial de obras de infraestrutura etc.
Portanto, a decretação de emergência climática possui uma dupla natureza: declaratória (reconhecendo o problema e a ineficiência em resolvê-lo) e executória (execução do conjunto de medidas efetivas visando o socorro dos atingidos), e pode ser uma importante ferramenta para reparar os danos.
A ministra do meio ambiente, Marina Silva, defende a decretação do estado de emergência climática em 1.942 municípios do país, o que permitiria a adoção de ações continuadas de combate a esses episódios críticos:
“Ao decretar emergência climática, você pode ter ações que sejam continuadas, às vezes de remoção de população, de drenagem, de encosta, de uma infraestrutura que seja adequada, sistemas de alerta que sejam rápidos, combinando tecnologia com relação e em integração com a comunidade” (em entrevista à CNN).
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL nº 3961/2020) que visa decretar o estado de emergência climática, estabelecer a meta de neutralização das emissões de gases de efeito estufa no Brasil até 2050 e prevê a criação de políticas para a transição sustentável.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo também há um projeto de lei (PL nº 759/2021), visando declarar o Estado de São Paulo em situação de emergência climática em decorrência dos efeitos causados pelas alterações no clima, além de estabelecer medidas para o enfrentamento da questão.
Na medida em que se agrava o estado de calamidade climática chega-se mais perto do chamado ponto climático de não retorno, que está relacionado ao momento em que um ecossistema perde a sua capacidade de se regenerar em virtude dos danos sofridos. A partir deste ponto inicia-se um processo em que o equilíbrio do sistema fica instável e imprevisível, causando eventos climáticos críticos. Esse ponto de não retorno deriva também das mudanças climáticas, e deve ser evitado a todo custo pela sociedade e pelo poder público.
Temos, portanto, que o aquecimento global causado ou acelerado pelo homem é o maior responsável por eventos climáticos severos, como a enchente que assola o Rio Grande do Sul, demandando das autoridades e da comunidade o reconhecimento do estado de emergência climática como ferramenta útil não só para a constatação do problema, mas principalmente para a adoção de ações concretas voltadas a recuperação de danos e ao socorro dos atingidos, que são, em sua grande maioria, a parcela mais vulnerável da população (marginalizados, pobres, excluídos).