Uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro revelou uma realidade assustadora: uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, localizada em Magé, na Baixada Fluminense, funcionava como um centro de tortura e abuso. Mulheres eram dopadas, mantidas em cárcere privado e submetidas a violências física, psicológica e sexual1.
O caso gerou grande repercussão e levanta uma série de questionamentos jurídicos sobre a responsabilidade criminal dos envolvidos e a regulamentação dessas comunidades terapêuticas.
Explicação do caso
A operação policial ocorreu após uma denúncia feita por uma das vítimas que conseguiu fugir e alertar moradores da região.
Ao chegar ao local, as autoridades encontraram 13 mulheres em estado visível de dopagem. As vítimas relataram que eram mantidas à força na clínica, onde sofriam agressões físicas, abusos psicológicos e até violência sexual. Enquanto isso, seus familiares, sem conhecimento da situação, pagavam até R$ 2 mil pela internação.
A falsa clínica operava clandestinamente, sem qualquer autorização da Vigilância Sanitária ou dos órgãos de fiscalização competentes. Diante da gravidade dos fatos, houve a interdição do local e o encaminhamento das vítimas para atendimento médico e psicológico.
Aspectos jurídicos relevantes
A conduta dos responsáveis pela clínica envolve uma série de crimes previstos no Código Penal Brasileiro. Entre eles, destacam-se:
Cárcere Privado (Art. 148 do Código Penal)
O crime de cárcere privado ocorre quando alguém é privado de sua liberdade de locomoção, sem justa causa. No caso em questão, as vítimas eram mantidas na clínica contra sua vontade, impossibilitadas de sair e sem contato externo.
- Pena: Reclusão de 2 a 5 anos.
- Agravo: Se a privação de liberdade resultar à vítima grave sofrimento físico ou moral, pode haver aumento da pena, passando ao patamar de 2 a 8 anos.
Estupro e Violência Sexual (Art. 217-A, do Código Penal)
As denúncias indicam que as mulheres internadas sofreram abuso sexual.
Estando as vítimas dopadas, e, portanto, sem condições de oferecer resistência, muito menos aptas a consentir validamente com a prática do ato libidinoso, temos o crime previsto no artigo 217-A, §1º, do CP.
- Pena: Reclusão de 8 a 15 anos.
Estelionato (Art. 171, do Código Penal)
Além disso, se houver indícios de que os responsáveis obtinham lucro ilícito enganando as famílias dos internos, podem responder também por estelionato.
- Pena: Reclusão de 1 a 5 anos.
Aliás, é bom lembrar que para cada vítima teremos crimes autônomos, sendo o caso de concurso material, devendo haver um somatório das penas, na forma do artigo 69, do Código Penal.
Além disso, temos ainda as seguintes infrações:
Prática Ilegal da Medicina (Art. 282, do Código Penal)
Como a falsa clínica oferecia tratamentos sem a devida autorização ou supervisão de profissionais capacitados, os responsáveis podem responder por exercício ilegal da medicina.
- Pena: Detenção de 6 meses a 2 anos.
Associação Criminosa (Art. 288 do Código Penal)
Caso se verifique que quatro ou mais indivíduos participaram da operação ilegal da clínica e dos abusos cometidos, poderá ficar configurado o crime de organização criminosa.
- Pena: Reclusão de 3 a 8 anos.
O caso reforça a necessidade de um controle rigoroso por parte dos órgãos de vigilância sanitária e das secretarias de saúde estaduais e municipais. Por isso, é fundamental que o Ministério Público e as Defensorias Públicas fiscalizem regularmente esses locais para evitar novas tragédias.
Assim, os responsáveis pela falsa clínica devem ser processados e julgados, podendo enfrentar penas significativas devido à gravidade dos crimes cometidos.
Além das implicações criminais, o caso da falsa clínica de reabilitação em Magé (RJ) também gera uma discussão fundamental sobre responsabilidade civil. Dessa forma, as vítimas e seus familiares podem buscar indenizações pelos danos sofridos.
A responsabilidade civil se baseia no dever de reparar danos causados a terceiros. O artigo 186 do Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Já o artigo 927 reforça: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
No caso da clínica, os responsáveis devem indenizar as vítimas pelos danos sofridos, uma vez que mantiveram mulheres em cárcere privado, sob efeito de substâncias químicas e sujeitas a agressões físicas, psicológicas e sexuais. Parece cabível tanto a fixação de danos materiais, quanto de danos morais.
Ademais, caso se comprove omissão do poder público na fiscalização da clínica, é possível mover uma ação contra o Estado com base na responsabilidade civil do Estado (art. 37, § 6º da Constituição Federal).
Por exemplo: se houver registros de denúncias ignoradas pela Vigilância Sanitária ou Secretaria de Saúde.
- CARONE, Carlos. Deixadas nuas, mulheres eram dopadas e abusadas em “clínica do terror”. Metrópoles. Disponível em: <https://www.metropoles.com/distrito-federal/na-mira/deixadas-nuas-mulheres-eram-dopadas-e-abusadas-em-clinica-do-terror>. ↩︎
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