Tema 1.122 do STJ – Responsabilidade de concessionárias por acidentes com animais nas rodovias (REsp 1.908.738) – Análise Jurídica
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Tema 1.122 do STJ – Responsabilidade de concessionárias por acidentes com animais nas rodovias (REsp 1.908.738) – Análise Jurídica

Introdução

Primeiramente, imagine a seguinte situação:

João, um motorista experiente, está viajando pela rodovia BR-101, administrada pela concessionária Rota do Sol S.A., quando se depara subitamente com uma vaca na pista. Apesar de seus esforços para desviar, João não consegue evitar a colisão. 

O acidente resulta em danos significativos ao seu veículo e ferimentos leves em João. Ao buscar reparação, João se vê diante de uma questão jurídica complexa: quem deve ser responsabilizado pelo acidente? A concessionária da rodovia ou o proprietário do animal? 

Assim, este cenário hipotético ilustra perfeitamente o tipo de situação abordada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em seu recente julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.122).

Nesse sentido, a decisão, proferida pela Corte Especial em 21/08/2024, estabelece critérios claros para a responsabilização das concessionárias de rodovias em casos de acidentes causados pela presença de animais nas pistas de rolamento.

Antes de analisarmos a decisão, é importante relembrar o contexto legal relevante:

Constituição Federal

Art. 1º, III: Dignidade da pessoa humana como fundamento da República.

Art. 5º, III: Proibição de tratamento desumano ou degradante.

Art. 5º, XLIX: Respeito à integridade física e moral dos presos (por analogia, aplicável à integridade dos usuários de serviços públicos).

Art. 37, § 6º: Responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços públicos.

Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)

Art. 6º, VI: Direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação de danos.

Art. 14: Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.

Art. 22: Obrigação dos órgãos públicos e suas concessionárias de fornecer serviços adequados, eficientes e seguros.

Lei de Concessões (Lei 8.987/1995)

Art. 6º, § 1º: Definição de serviço adequado.

Art. 25: Responsabilidade da concessionária por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros.

A tese fixada pelo STJ

Desse modo, o STJ fixou a seguinte tese no julgamento do Tema 1.122:

“As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões”.

Análise da decisão

Responsabilidade objetiva

O STJ reafirmou a aplicação da teoria do risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal, às concessionárias de serviços públicos.

Ou seja, a responsabilidade das concessionárias independe da comprovação de culpa, bastando a demonstração do dano e do nexo causal.

Esta responsabilidade objetiva se justifica pela natureza da atividade exercida pelas concessionárias, que assumem os riscos inerentes à exploração do serviço público. Então, no caso das rodovias, isso inclui o risco de acidentes causados por animais na pista.

Exemplo: se um motorista colide com uma vaca na pista, a concessionária será responsabilizada pelos danos, mesmo que comprove ter realizado rondas regulares e manutenção adequada das cercas.

Aplicação do CDC

A decisão enfatiza a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre concessionárias e usuários de rodovias. Isso decorre diretamente do art. 22 do CDC, que submete as concessionárias às regras de proteção ao consumidor.

Além disso, a aplicação do CDC traz importantes consequências, como a inversão do ônus da prova em favor do consumidor e a responsabilidade solidária entre os fornecedores de serviços.

Exemplo: em caso de acidente com animal na pista, o usuário da rodovia (consumidor) não precisa provar a falha da concessionária. Cabe à empresa demonstrar que o acidente ocorreu por caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Dever de segurança

O STJ ressaltou o dever das concessionárias de garantir a segurança dos usuários, o que inclui a prevenção de acidentes causados por animais nas pistas. Este entendimento baseia-se no conceito de serviço adequado previsto no art. 6º, § 1º da Lei de Concessões.

O dever de segurança impõe às concessionárias a obrigação de adotar medidas preventivas eficazes, como:

  • Instalação e manutenção de cercas ao longo da rodovia;
  • Realização de rondas periódicas para identificar e remover animais;
  • Instalação de sinalização adequada em áreas de maior risco;
  • Manutenção de equipes de resgate e remoção de animais.

Exemplo: a concessionária deve manter equipes prontas para atender rapidamente chamados sobre animais na pista, removendo-os antes que causem acidentes.

Princípio da prevenção

A decisão aplica o princípio da prevenção, fundamental no direito ambiental e do consumidor.

Dessa forma, as concessionárias devem adotar medidas preventivas para evitar acidentes, como rondas periódicas, instalação de cercas e manutenção de bases operacionais equipadas para a apreensão de animais.

Este princípio exige uma postura proativa das concessionárias, não bastando reagir aos acidentes após sua ocorrência.

Exemplo: a concessionária deve realizar estudos para identificar os trechos da rodovia com maior incidência de animais e implementar medidas específicas nesses locais, como passagens de fauna ou cercas reforçadas.

Primazia do interesse da vítima

O STJ enfatizou o princípio da primazia do interesse da vítima, derivado do princípio constitucional da solidariedade.

Isso implica que a reparação dos danos deve ocorrer independentemente da identificação do proprietário do animal, priorizando a proteção efetiva do consumidor.

Ademais, este princípio visa garantir que a vítima não fique desamparada em razão de dificuldades práticas na identificação do responsável direto pelo dano.

Nexo causal

Acidentes

A decisão esclarece que o nexo causal entre a omissão da concessionária e o dano sofrido pelo usuário é presumido nos casos de acidentes com animais na pista. Cabe à concessionária, se for o caso, comprovar alguma excludente de responsabilidade.

Assim, esta presunção facilita a busca por reparação por parte das vítimas, transferindo para a concessionária o ônus de provar que não houve falha na prestação do serviço.

Exemplo: em um acidente envolvendo um boi na pista, presume-se que houve falha da concessionária em manter a segurança da via. A empresa precisaria provar, por exemplo, que o animal foi colocado na pista por ação criminosa de terceiros para se eximir da responsabilidade.

Distinção entre animais domésticos e silvestres: não há responsabilização objetiva com animais silvestres

Um ponto crucial da decisão do STJ é a distinção feita entre acidentes causados por animais domésticos e silvestres.

A responsabilização objetiva das concessionárias aplica-se apenas aos casos envolvendo animais domésticos.

Animais domésticos são aqueles criados e mantidos em cativeiro pelo ser humano, para fins econômicos, de companhia ou outros. Exemplos incluem:

  • Bovinos (vacas, bois);
  • Equinos (cavalos, burros);
  • Ovinos (ovelhas);
  • Caprinos (cabras);
  • Caninos (cães).

Por outro lado, animais silvestres são aqueles que vivem naturalmente em liberdade, sem depender diretamente do ser humano. Exemplos incluem:

  • Capivaras;
  • Onças;
  • Antas;
  • Tamanduás;
  • Veados.

A justificativa para esta distinção reside no fato de que é mais factível para as concessionárias prevenir e controlar o acesso de animais domésticos às rodovias, através de cercas e fiscalização das propriedades lindeiras.

Já o controle de animais silvestres, todavia, é mais complexo e envolve questões ambientais mais amplas.

Exemplo de aplicação da distinção:

Se um motorista colide com uma vaca na pista, a concessionária será responsabilizada objetivamente pelos danos.

Se o mesmo motorista colide com uma capivara, a responsabilização da concessionária não será automática, dependendo da análise de outros fatores, como a previsibilidade do evento e as medidas preventivas adotadas em áreas conhecidas pela presença desses animais.

Nesse sentido, tal distinção busca equilibrar a proteção dos usuários das rodovias com as limitações práticas enfrentadas pelas concessionárias no controle da fauna silvestre.

Implicações práticas

  • Aumento da responsabilidade das concessionárias, que deverão intensificar medidas preventivas.
  • Provável incremento nos custos operacionais das concessionárias para adequação às exigências de segurança.
  • Maior facilidade para os usuários obterem reparação de danos em casos de acidentes com animais.
  • Possível aumento no número de ações judiciais contra concessionárias.

Como o tema já caiu em concursos

TJ-PR - 2019 - TJ-PR - Região Metropolitana de Curitiba - Juiz Leigo

A responsabilidade das concessionárias de pedágio é objetiva, mesmo quando fundada em ato omissivo, razão pela qual os acidentes provocados por obstáculos ou animais na pista de rolagem acarretam o dever de indenizar os danos (morais e materiais) por parte da concessionária. (Certo)

Conclusão

Por fim, a decisão do STJ no Tema 1.122 representa um marco significativo na proteção dos direitos dos usuários de rodovias concedidas.

Ao estabelecer a responsabilidade objetiva das concessionárias e reafirmar a aplicabilidade do CDC, o STJ fortalece a posição dos consumidores e impõe um alto padrão de diligência às empresas concessionárias.

Por outro lado, é importante fazer a distinção de animais domésticos e animais silvestres. Ademais, um detalhe importante: cabe à concessionária indenizar o usuário pelos danos sofridos e, se lhe aprouver, exercer eventual direito de regresso, oportunamente, contra o dono do animal envolvido no acidente.

Esta interpretação alinha-se com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor, bem como com a moderna teoria da responsabilidade civil, que prioriza a reparação efetiva dos danos.


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