Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu importante precedente sobre a responsabilidade dos lojistas em casos de chargeback nas operações de comércio eletrônico.
A decisão, proferida pela 3ª Turma no REsp 2.180.780/SP, delimitou critérios para determinar em quais situações a responsabilidade pelo prejuízo recai exclusivamente sobre o estabelecimento comercial.
O caso concreto

De início, o litígio originou-se de uma operação de comércio eletrônico na qual uma madeireira realizou vendas no valor total de R$ 14.287,68 mediante pagamento por cartão de crédito.
Nessa linha, a transação foi processada através de link de pagamento disponibilizado pela credenciadora PagSeguro.
Entretanto, após a aprovação do pagamento e a consequente entrega da mercadoria, o verdadeiro titular do cartão contestou a compra, alegando não ter realizado a transação.
Dessa forma, isso desencadeou o procedimento de chargeback, com o estorno do valor ao emissor do cartão, deixando o estabelecimento comercial com o prejuízo da mercadoria entregue.
A madeireira impugnou uma cláusula no contrato com a PagSeguro alegando que a responsabilidade não poderia ser exclusivamente dela, e os custos deveriam ser divididos com a PagSeguro.
Assim, o aspecto central da controvérsia residiu na validade da cláusula contratual que atribuía exclusivamente ao lojista a responsabilidade por eventuais chargebacks, independentemente do motivo da contestação.
O que o STJ decidiu?
De início, o Ministro do STJ destrinchou a estrutura jurídica das operações com cartão de crédito.
Isto é, para compreender adequadamente a questão, é fundamental conhecer o intrincado sistema que sustenta as operações com cartão de crédito, especialmente no ambiente virtual.
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, dedicou parte significativa de seu voto para explicar como isso funciona.
É importante saber as operações de pagamento com cartão envolvem diversos agentes:
- Bandeira: instituidora do arranjo de pagamento, responsável pela organização, estrutura, fiscalização e estabelecimento de normas operacionais e de segurança (Visa, Mastercard etc.);
- Emissor: instituição financeira que emite o cartão, analisa e concede crédito ao portador;
- Credenciadora: empresa que habilita lojistas para aceitação dos meios eletrônicos de pagamento, fornecendo a tecnologia necessária para capturar, processar e liquidar transações;
- Portador: cliente que utiliza o cartão como meio de pagamento;
- Lojista: estabelecimento que aceita cartões como forma de pagamento.
Assim, essa estrutura forma o que a doutrina denomina “rede contratual”, com múltiplas relações jurídicas interconectadas que convergem para um objetivo comum: viabilizar transações comerciais mediante instrumento de pagamento eletrônico.
O instituto do chargeback: definição e hipóteses de ocorrência
Por outro lado, o chargeback consiste na contestação de uma compra realizada com cartão, geralmente feita pelo titular perante o emissor, resultando no cancelamento da transação e no reembolso do valor pago.
Conforme destacado no acórdão, o chargeback pode ocorrer por diferentes motivos:
- Não recebimento da mercadoria (comum em transações de e-commerce);
- Fraude – quando o portador não reconhece a transação;
- Erro de processamento pelo emissor;
- Erro no valor cobrado.
A delimitação da responsabilidade no arranjo de pagamento
Nessa linha, ao analisar a distribuição de responsabilidades nesse sistema, o STJ considerou que seria abusiva a cláusula que, “em toda e qualquer circunstância“, imputasse ao lojista a responsabilidade exclusiva por contestações ou cancelamentos.
O Tribunal reconheceu que, sendo uma relação interempresarial (e não consumerista), é possível a alocação desigual de riscos entre os contratantes, mas desde que respeitados os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.
Ou seja, em REGRA, a responsabilidade deveria, em situação normal ser dividida.
Entretanto, a exceção da solução estabelecida pelo STJ foi admitir a responsabilização INTEGRAL do lojista por chargebacks somente quando:
- Não forem observados os deveres a ele impostos contratualmente; e
- Sua conduta for decisiva para o sucesso do ato fraudulento.
Como assim? O dever de cautela do lojista e sua aplicação no caso concreto
No caso analisado, o STJ entendeu que a madeireira não adotou as cautelas necessárias na verificação da identidade do comprador.
Isto porque, ficou demonstrado que a empresa:
- Manteve negociações com pessoa diferente daquela informada no cadastro;
- Emitiu nota fiscal para nome diverso;
- Entregou o produto a pessoa que não era o titular do cartão utilizado na operação.
Em resumo, o Tribunal destacou que o lojista tinha o dever contratual de verificar “a veracidade e correspondência dos dados entre comprador e titular do cartão”, inclusive antes da efetiva entrega do produto.
Ora, a inobservância desse dever de cautela, concluiu o STJ, foi “decisiva para a perpetração da fraude”.
Em síntese, foi como se a pessoa que comprou era diferente da pessoa que estava com o cartão de crédito (titular) e a entrega foi em domicílios diferentes.
Bom, eu acho que esse caso é cara de prova.
Não aplicou o CDC (Código de Defesa do Consumidor), e sim a boa-fé nas relações empresariais.
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