Reserva de plenário e interpretação conforme à Constituição

Reserva de plenário e interpretação conforme à Constituição

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O Supremo Tribunal Federal anulou um acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que autorizou pagamento a trabalhador acima do máximo estipulado na petição inicial. A decisão se deu no AgReg na Rcl 77.179.

A decisão anulada, proferida pela 5ª Turma do TST, havia afastado a aplicação do art. 840, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho — dispositivo alterado pela reforma trabalhista que exige pedidos certos, determinados e com indicação de valor.

CLT

Art. 840 - A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

...

§ 1º Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

Com a atual redação do art. 840, §1º, da CLT, o pedido formulado em qualquer ação trabalhista deve ser certo, determinado e com indicação do seu valor, o qual deverá servir de parâmetro para as referências objetivas da ação, entre elas o valor da causa e o limite da condenação, isto é, o limite de atuação do estado-juiz.

O grande objetivo da alteração legislativa (art. 840, §1º, da CLT) foi trazer uma referência segura e objetiva à demanda trabalhista, prestigiando os princípios do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica.

Os ministros da Corte Trabalhista afastaram a regra celetista sem declarar expressamente sua inconstitucionalidade, ofendendo o enunciado da súmula vinculante nº 10, do Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, a decisão reclamada afastou a incidência do atual art. 840, §1º, da CLT e, com isso, anulou a importante alteração legislativa, que não abre espaço a nenhum tipo de interpretação, por se tratar de regra objetiva.

Reserva de plenário

Súmula vinculante nº 10 – STF: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
CF/88

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

A reserva de plenário (full bench) é uma norma constitucional que determina que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo só pode ocorrer pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou do seu órgão especial. Essa cláusula serve para garantir a segurança jurídica ao evitar que decisões de inconstitucionalidade sejam proferidas por órgãos fracionários menores (como turmas ou câmaras) e busca centralizar o julgamento em uma decisão colegiada maior.

Importante pontuar que não há necessidade de submeter a questão ao plenário, ou seja, não ofende a reserva de plenário, decisão de órgão fracionado que declara a inconstitucionalidade, explícita ou implicitamente, quando o Supremo Tribunal Federal ou o próprio tribunal já tiverem uma decisão firmada sobre o tema (precedente). Vejamos:

Não se vislumbra contrariedade à Súmula Vinculante 10 deste Supremo Tribunal por inobservância do princípio da reserva de plenário, pois “os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão” (parágrafo único do art. 481 do CPC/1973). A Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal não retirou, como não o poderia, a higidez da exceção ao princípio da reserva de plenário (art. 97 da Constituição da República), conforme se extrai dos precedentes mencionados na elaboração do verbete citado. Não se exige a reserva estabelecida no art. 97 da CF/1988 quando o plenário, ou órgão equivalente de tribunal, já tiver decidido sobre a questão.

[RE 876.067 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T, j. 12-5-2015, DJE 96 de 22-5-2015.]

Juizados especiais

Outra exceção: o princípio da reserva de plenário não se aplica no âmbito dos juizados especiais, que, pela configuração atribuída pelo legislador, não funcionam, na esfera recursal, sob o regime de plenário ou de órgão especial.

O relator na reclamação, o ministro Gilmar Mendes, entendeu que houve o esvaziamento do conteúdo da norma, sem a devida submissão ao Órgão Especial do Tribunal de origem (TST), em clara violação à cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal, uma vez que a decisão reclamada afastou a validade da norma prevista no art. 840, § 1º, da CLT e autorizou a execução sem qualquer limite.

A técnica de interpretação conforme à Constituição, que limita ou restringe conteúdo normativo, deve ser aplicada mediante o correto método de controle de constitucionalidade que, na via difusa, dar-se-á pelo respeito à cláusula de reserva de plenário, podendo tal solução tão somente advir do órgão especial ou pleno da Corte.

Não podemos confundir o exercício da interpretação legislativa pelo Tribunal, que é permitido, inclusive por órgãos fracionários, com o afastamento ou esvaziamento da norma. Neste último caso, a Corte deverá observar a reserva de plenário.

Cumpre assinalar, no ponto, que não transgride a autoridade da Súmula Vinculante 10/STF o acórdão proferido por órgão fracionário que, sem invocar nas razões conflito entre ato do poder público e critérios resultantes do texto constitucional, limita-se a interpretar normas de direito local. Cabe ter presente, por relevante, que o Plenário desta Corte, defrontando-se com idêntica situação jurídica, enfatizou que a discussão da matéria ora em exame envolve típica hipótese de interpretação de normas locais, circunstância esta que descaracteriza o alegado desrespeito ao enunciado da Súmula Vinculante 10/STF.

[Rcl 13.514 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 10-6-2014, DJE 148 de 1º-8-2014.]

Como cai em prova

Olha só como esse tema foi cobrado em prova:

(Cetro – TJRJ – Notário – 2017)

Acerca da chamada cláusula de reserva de plenário aplicada em julgamentos de controle de constitucionalidade, marque V para verdadeiro ou F para falso e, em seguida, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

(   ) Exige-se a cláusula da reserva de plenário apenas para as hipóteses de declaração da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

(   ) A chamada regra do tribunal completo (full bench) deve ser observada pelos tribunais em geral, inclusive órgãos fracionários e turmas recursais de juizados especiais, aplicando-se tanto ao controle difuso quanto ao concentrado de constitucionalidade.

(   ) A inconstitucionalidade pode ser decretada por órgão fracionário do tribunal, sem a necessidade de remessa dos autos ao plenário, naqueles casos em que houver apreciação anterior da mesma lei ou ato do próprio tribunal.

Gabarito: V – F - V

Podemos concluir dizendo que a cláusula de reserva de plenário atua como uma verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os tribunais, via difusa, e, para o Supremo Tribunal Federal, também no controle concentrado.

Dessa forma, embora não tenha declarado expressamente a inconstitucionalidade incidental, o órgão fracionário, ao afastar a aplicação de norma sem observação do art. 97 da CF/88, viola o enunciado da Súmula Vinculante 10 por desrespeito à Cláusula de Reserva de Plenário.

Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito processual civil.


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