“Vou ficar em silêncio”: requisitos e poderes da CPI.

“Vou ficar em silêncio”: requisitos e poderes da CPI.

Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: “Vou ficar em silêncio”: requisitos e poderes da CPI.

Muitas pessoas costumam dizer que determinada CPI “acabou em pizza” pois ninguém teria sido condenado. O trabalho exercido em uma CPI refere-se à função típica de fiscalizar do Poder Legislativo. O Poder Legislativo realiza investigação política/administrativa por meio da denominada Comissão Parlamentar de Inquérito. Portanto, CPI apenas investiga. Ela não irá não julgar e muito menos aplicar penalidades. Vejamos:

Constituição Federal: Art. 58, § 3º – As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

O tema está em evidência no cenário nacional, notadamente diante da CPI do 08 de janeiro, CPI do MST, CPI da manipulação dos resultados e da CPI das pirâmides financeiras. É justamente sobre essas comissões que iremos abordar importantes pontos para os concursos de carreiras jurídicas.

Um dos requisitos para instalação da CPI refere-se ao requerimento de 1/3 de deputados e/ou senadores. Estamos diante de um  direito público subjetivo das minorias parlamentares. Trata-se de ato sem discricionariedade (ato vinculado) e independe de aprovação do plenário.  Portanto,  elaborado o requerimento e cumpridos os requisitos, a CPI deverá ser instaurada, sendo possível a impetração de mandado de segurança para a garantia desse direito (STF – MS 37760 MC-Ref).

Sobre esse requisito, especificamente sobre a CPI do 08 de janeiro, destaca-se parecer do Senado Federal no sentido de que “conclui-se não ser possível conferir ultratividade automática ao requerimento de criação de CPI protocolado ao final de uma legislatura, a fim de impor ao Presidente do Senado o seu recebimento para produzir efeitos jurídicos na legislatura subsequente”. Trata-se, portanto, da aplicação do princípio da unidade da legislatura, por meio do qual uma legislatura anterior não poderia impor limites ou condições para uma legislatura subsequente.

Outro requisito para a instauração de uma CPI refere-se à apuração de fato determinado. Nossa Suprema Corte já decidiu pela possibilidade de investigação de mais de um fato, desde que conexos. Tal requisito foi debatido antes da instauração da CPI do MST. Diversos parlamentares argumentaram que a referida CPI não iria prosperar, pois ela não teria fato determinado que justificasse a instalação. Entrementes, conforme verificado, em que pese a argumentação apresentada por parte da comunidade política, a CPI foi devidamente instalada, sob o fundamento de que é possível investigar mais de um fato, desde que conexos.

Além do requisito da temporariedade, a doutrina aponta como requisito a relevância pública. A CPI não investiga questões com interesses exclusivamente privados. Porém, existindo interesse público, será possível a instalação de uma CPI. Assim, o que não poderemos ter é a instalação de uma CPI para investigar fatos praticados no âmbito privado, sem eventual potencial interesse público. A CPI da Manipulação de Resultados, que possui o escopo de investigar manipulações em atos e resultados de jogos de futebol diante de apostas esportivas, possui em seu requerimento robusta fundamentação acerca do interesse público para sua instauração.

Apenas de forma exemplificativa, de maneira a fundamentar o requisito da relevância pública, o requerimento de abertura destaca que:

a) O futebol é uma das maiores paixões do brasileiro;
b) A seleção brasileira de futebol é uma das mais bem-sucedidas e reconhecidas mundialmente;
c) O futebol brasileiro ainda produziu Pelé, o maior atleta do século XX, que tornou o nome do País reconhecido internacionalmente;
d) O futebol tem um papel significativo na formação da identidade nacional brasileira;
e) Em resumo, o futebol é uma parte importante da identidade do povo brasileiro e reflete a diversidade e paixão que caracterizam a cultura do país.

Analisados os requisitos para a instauração de uma CPI, quais seriam os poderes conferidos à essas comissões? A Constituição fala em “poderes de investigação próprios de atividade judiciária”. Porém, a leitura correta refere-se à poderes instrutórios próprios de atividade judiciária, uma vez que o Judiciário, diante do sistema acusatório, não investiga. O que se busca, efetivamente, é conferir à CPI a capacidade de deliberar e ter decisões com eficácia imperativa e vinculante.

A CPI pode ouvir indiciados e testemunhas (art. 2º, Lei n. 1.579/52). O indiciado, para fins de CPI, seria aquela pessoa que sofreu medida de constrição pessoal ou patrimonial. A testemunha, por seu turno, seria aquela pessoa que não sofreu qualquer medida de constrição.

O direito ao silêncio, para fins de CPI, se aplica tanto aos indiciados como também às testemunhas. Isso porque, conforme o STF, a posição das testemunhas é muito frágil perante a comissão. Importante dizer que o direito ao silêncio decorre da Constituição, não sendo necessária – no nosso ponto de vista – a impetração de HC preventivo. Porém, é extremamente conveniente ao investigado ou à testemunha a impetração do HC preventivo para a instrumentalização desses direitos, notadamente diante dos desrespeitos e atropelos verificados em depoimentos tomados nas últimas CPIs. Importante ressaltar que somente podemos falar em direito ao silêncio após a realização da pergunta. Se a pergunta sequer foi realizada, eventualmente, poderá existir crime de desobediência e a consequente prisão em flagrante – a qual pode ser realizada por qualquer pessoa.

No Habeas corpus n. 230.624, o General G. Dias, que seria ouvido como testemunha, teve sua obrigatoriedade de comparecimento confirmada, porém garantido o direito ao silêncio. Assim, foi reafirmada a garantia constitucional contra a autoincriminação e, consequentemente, do direito ao silêncio quanto a perguntas cujas respostas possam resultar em prejuízo ao depoente ou na própria incriminação, “o que não significa, por essa razão, estar chancelado o silêncio absoluto perante a Comissão Parlamentar de Inquérito quanto a matérias em que há o dever de se manifestar na qualidade de testemunha”.

Por seu turno, no Habeas Corpus n. 231.520, foi garantido ao paciente Ronaldo de Assis Moreira na CPI das pirâmides financeiras (i) o direito ao silêncio; (ii) o direito à assistência por advogado durante o ato; e (iii) o direito de não sofrer constrangimentos físicos ou morais decorrentes do exercício dos direitos anteriores. Porém, o voto foi cristalino no sentido de que “o paciente não está albergado pelo direito ao silêncio em relação a todo e qualquer questionamento senão na medida necessária para se elidir a autoincriminação”. Assim, busca-se evitar que a testemunha drible toda e qualquer pergunta simplesmente invocando o direito ao silêncio.

Importante consignar que a CPI não pode o determinar prisão preventiva ou temporária, realizar interceptação telefônica, determinar busca e apreensão domiciliar e nem mesmo reter passaporte. Ao final das investigações, eventual relatório deverá ser  encaminhado ao Ministério Público, mas também poderá ser enviado para outros órgãos e instituições, a exemplo da Polícia Federal, Banco Central e Defensoria Pública.

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