A recente votação na Câmara dos Deputados, que rejeitou por 262 votos a 236 a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), marca mais um capítulo significativo na história deste tributo constitucional.
A proposta, que previa a tributação sobre patrimônios superiores a R$ 10 milhões, foi apresentada como destaque na análise do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária, especificamente durante a discussão do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Antes, vamos fazer uma explicação completa sobre o Imposto de Grandes Fortunas.
Entre as peculiaridades de nosso sistema tributário, talvez nenhuma seja tão emblemática quanto o Imposto sobre Grandes Fortunas.
Como pode um tributo previsto na Constituição Federal há mais de três décadas permanecer sem regulamentação? A resposta não é simples e envolve aspectos jurídicos, políticos e econômicos que merecem nossa atenção.
Quando os constituintes de 1988 incluíram o IGF no rol de impostos da União, beberam diretamente da fonte francesa. O impôt sur grandes fortunes, criado em 1982 durante o governo Mitterrand, serviu como inspiração para nosso modelo. No entanto, enquanto a França evoluiu seu sistema, transformando o tributo até chegar ao atual impôt sur la fortune immobilière, que incide apenas sobre ativos imobiliários não empresariais, o Brasil permaneceu estagnado na previsão constitucional.
Tentativas de regulamentação ao longo dos anos
Vale destacar que não faltaram tentativas de regulamentação:
O primeiro projeto significativo veio do então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1989, propondo alíquotas moderadas entre 0,3% e 1%, com uma abordagem cautelosa que incluía a exclusão do imóvel residencial da base de cálculo. Anos depois, uma proposta mais ousada do PSOL elevaria essas alíquotas para até 5%, mirando patrimônios a partir de R$ 2 milhões.
Obviamente, são visões distintas sobre o mesmo instituto, refletindo diferentes concepções sobre justiça fiscal e desenvolvimento econômico.
Riscos de Evasão Fiscal e Expatriação de Capital
Um ponto crucial neste debate é o risco de expatriação de capital. O caso do ator Gérard Depardieu, que trocou a França pela Bélgica em 2012 para escapar da tributação, é frequentemente citado como exemplo dos desafios enfrentados por países que adotam esse tipo de imposto. Afinal, num mundo globalizado, o capital tem asas, e políticas tributárias podem influenciar decisivamente seu destino.
O IGF e a Vinculação Constitucional ao Combate à Pobreza
Em 2000, uma mudança importante ocorreu com a Emenda Constitucional 31, que vinculou o IGF ao Fundo de Erradicação e Combate à Pobreza. Esta alteração deu novo sentido ao tributo, reforçando seu papel redistributivo e sua conexão com os objetivos fundamentais da República. Não se tratava mais apenas de tributar a riqueza, mas de usar essa arrecadação como instrumento de transformação social.
A frustração com a não regulamentação chegou ao Supremo Tribunal Federal através da ADO 31, proposta pelo então governador do Maranhão, Flávio Dino. O argumento era contundente: a omissão legislativa estaria impedindo a concretização de princípios constitucionais fundamentais, como a construção de uma sociedade mais justa e a redução das desigualdades. No entanto, a ação esbarrou em questões processuais, sendo extinta por falta de legitimidade ativa do proponente.
O que torna o caso do IGF particularmente interessante é que ele se soma a um conjunto já existente de impostos sobre o patrimônio – IPTU, ITR, IPVA, ITCMD e ITBI. Cada um desses tributos tem sua função específica, seja tributando a propriedade em si ou sua transferência. O IGF viria complementar esse sistema, alcançando especificamente as grandes fortunas, conceito que, por si só, já gera intensos debates.
A experiência internacional mostra diferentes caminhos possíveis. Países como Espanha, Holanda, Argentina e Uruguai desenvolveram seus próprios modelos de tributação sobre grandes fortunas, cada um adaptado à sua realidade econômica e social.
Enquanto o Brasil mantém uma tributação relativamente baixa sobre o patrimônio em comparação com outros países, a não regulamentação do IGF permanece como um enigma jurídico e político.
Será que chegou a hora de enfrentar esse desafio?
Bom, não foi com a regulamentação da Reforma Tributária.
O debate continua aberto, e as questões fundamentais permanecem:
- Como definir “grande fortuna”?
- Quais alíquotas seriam adequadas?
- Como prevenir a evasão fiscal?
São perguntas que aguardam resposta há mais de três décadas, enquanto o único imposto constitucional não regulamentado segue como testemunha silenciosa de nossa incapacidade de encontrar consensos em temas tributários fundamentais.
A proposta rejeitada estabelecia uma estrutura progressiva de alíquotas:
- 0,5% para patrimônios entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões
- 1% para valores entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões
- 1,5% para fortunas acima de R$ 80 milhões
Esta estruturação não foi aleatória, mas baseada em estudos técnicos e na experiência internacional.
Como apontado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), relator do grupo de trabalho da reforma na Câmara, os 38 países mais ricos da OCDE tributam o dobro do que o Brasil em termos de renda e patrimônio, evidenciando uma opção histórica brasileira pela tributação regressiva.
Argumentos contrários e favoráveis sobre o Imposto sobre Grandes Fortunas
O debate parlamentar trouxe à tona argumentos significativos de ambos os lados. Os opositores, como a deputada Eliza Virgínia (PP-PB), argumentaram que o imposto desestimularia investimentos e poderia provocar fuga de capitais. O deputado Gilson Marques (Novo-SC) destacou a complexidade da fiscalização e o risco de evasão fiscal através de planejamentos tributários sofisticados.
Do lado favorável, destaca-se o argumento da justiça fiscal e a necessidade de reequilibrar a matriz tributária brasileira. A vinculação constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas ao Fundo de Erradicação e Combate à Pobreza, estabelecida pela EC 31/2000, reforçaria seu papel redistributivo.
Perspectivas futuras e alternativas jurídicas
A rejeição pela Câmara não encerra definitivamente a questão. Três caminhos principais se apresentam:
- Via Legislativa: Possibilidade de apresentação de novos projetos, possivelmente com estruturas diferentes ou alíquotas mais moderadas. O PLP 162/1989, de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, previa alíquotas mais brandas, entre 0,3% e 1%.
- Via Executiva: O governo federal pode apresentar nova proposta, especialmente considerando que o tema é uma das bandeiras brasileiras no G20. A articulação internacional em torno da tributação dos “super-ricos” pode influenciar futuros debates internos.
- Via Judicial: Permanece a possibilidade de questionamento da omissão legislativa por legitimados universais junto ao STF. Diferentemente da ADO 31, proposta pelo Governador do Maranhão e rejeitada por questões formais, uma nova ação por legitimado universal poderia forçar a análise do mérito da questão.
Assim, com a rejeição da proposta e o encaminhamento do projeto ao Senado, o debate sobre o IGF entra em nova fase. O desafio continua sendo encontrar um modelo que concilie eficiência arrecadatória, justiça fiscal e viabilidade administrativa, sem comprometer o desenvolvimento econômico do país.
Por outro lado, há quem entenda que há uma omissão inconstitucional, sendo possível que o Poder Judiciário enfrente o tema em ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
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