A recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) trouxe à tona uma questão relevante sobre a desclassificação de candidatos em concursos públicos devido à apresentação fora do prazo de documentos exigidos pelo edital.
Este caso específico e outros semelhantes destacam a necessidade de um equilíbrio entre o cumprimento das normas do edital e a observância dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
Contexto do caso
Um candidato ao cargo de auditor de controle interno do Distrito Federal foi desclassificado do concurso público. Ele não teria apresentado, dentro do prazo estipulado, a certidão unificada de protestos de títulos.
O candidato, no entanto, apresentou o documento correto durante o prazo recursal, o que gerou uma disputa judicial sobre a validade de sua desclassificação.
Decisão de Primeiro Grau
A 2ª Vara Cível de Brasília negou o mandado de segurança ao candidato. Sustentou-se que a eliminação estava de acordo com as normas do edital do concurso.
O juiz Carlos Eduardo Batista dos Santos enfatizou que o edital é a “lei” dos concursos públicos. Ademais, os critérios definidos pela administração são inexoráveis.
Decisão do TJDFT
A 5ª Turma Cível do TJDFT, no entanto, reformou a sentença de primeiro grau.
A relatora, desembargadora Lucimeire Maria da Silva, considerou a desclassificação desarrazoada e desproporcional, visto que o candidato apresentou o documento correto dentro do prazo recursal e não possuía registros que desabonassem sua vida pregressa.
Princípios jurídicos envolvidos
Razoabilidade e Proporcionalidade
A decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ressaltou a importância de aplicar as normas do edital de concursos públicos de maneira a evitar um formalismo exacerbado e a respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Esses princípios são fundamentais para assegurar que as decisões administrativas sejam justas e proporcionais ao objetivo que se busca atingir.
No caso específico, considerou-se desarrazoada e desproporcional a eliminação do candidato por não apresentar um documento dentro do prazo, pois ele apresentou o documento correto dentro do prazo recursal.
A corte destacou que a eliminação por um erro sanável, especialmente quando corrigido tempestivamente, constitui um excesso de formalismo que não atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em outras palavras, é preciso aplicar as regras de modo a promover justiça e equidade, e não para penalizar indevidamente os candidatos por questões que não comprometem sua capacidade ou integridade.
Vinculação ao Edital: Embora o edital seja a norma que regulamenta os concursos públicos e vincule tanto a administração quanto os candidatos ao cumprimento de suas regras, deve-se equilibrar sua aplicação com os princípios de justiça e equidade.
A decisão judicial do TJDFT não afastou a obrigatoriedade do cumprimento do edital. Porém, corrigiu uma interpretação excessivamente rígida que impedia uma avaliação justa do candidato.
Ao permitir a reintegração do candidato que apresentou o documento fora do prazo, a decisão demonstrou que as normas do edital devem ser interpretadas de maneira flexível e justa, levando em consideração circunstâncias excepcionais e o impacto real das exigências formais sobre o candidato.
Assim, o edital continua a ser a “lei” do concurso, mas deve-se temperar sua aplicação pelo bom senso e pela busca de uma avaliação justa e equitativa dos candidatos.
Princípio da Isonomia
A decisão também reflete o princípio da isonomia, que assegura o tratamento justo e igualitário aos candidatos. Este princípio é fundamental para garantir que ninguém se prejudique por exigências formais que não impactam diretamente sua capacidade de desempenhar a função pública.
No caso em questão, a corte considerou que a desclassificação do candidato por não apresentar um documento dentro do prazo, quando o documento foi apresentado tempestivamente no recurso, violava o princípio da isonomia.
Assim, todos os candidatos devem ter as mesmas oportunidades e ser avaliados de maneira equitativa, sem discriminação baseada em detalhes formais que não afetam a substância de sua capacidade ou mérito.
A aplicação justa e igualitária das regras do concurso assegura a seleção dos melhores candidatos, respeitando a integridade e o espírito das normas do edital.
Casos semelhantes
Turma anula ato que elimina candidato de concurso por entrega de documento fora do prazo – A 1ª Turma Cível do TJDFT julgou nulo um ato administrativo que eliminou um candidato por não apresentar todos os exames médicos no prazo estipulado pelo edital.
O candidato não conseguiu entregar os exames de uréia e VDRL por uma intercorrência alheia à sua vontade. A Turma considerou tal eliminação desarrazoada e desproporcional, uma vez que a entrega dos exames faltantes ocorreu durante a interposição do recurso administrativo.
Candidata que apresentou documentação fora do prazo poderá tomar posse – O juiz William Fabian, da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos de Goiânia/GO, garantiu a posse de uma candidata que apresentou documentação pessoal fora do prazo de entrega previsto no edital.
O sistema de agendamento fornecido pelo concurso apresentava datas que não atendiam ao prazo estipulado. A decisão judicial destacou a razoabilidade, proporcionalidade e isonomia ao conceder a liminar para garantir a posse da candidata.
Caso de Samuel, PGM-SP, aluno do Estratégia, deficiente visual – Um caso similar envolve Samuel, um aluno deficiente visual do Estratégia Carreira Jurídica. Sua desclassificação na prova da Procuradoria Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) aconteceu por esquecer de juntar um documento.
Samuel, um exemplo de superação e dedicação, não teve sua capacidade e mérito questionados, mas sim foi penalizado por uma falha formal.
Casos como o de Samuel reforçam a necessidade de interpretar normas de concurso com humanidade e justiça. Dessa forma, garante-se que candidatos competentes não sejam desclassificados por motivos desproporcionais.
Fundamentação jurídica correlata
Constituição Federal
- Artigo 5º, Inciso XXXIV: assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
- Artigo 37: estabelece que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal)
- Artigo 2º, Parágrafo Único, Inciso VI: determina que a administração pública deve atuar conforme a lei e o direito, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Conclusão
Portanto, a decisão do TJDFT de reintegrar o candidato que apresentou o documento fora do prazo ressalta a importância de equilibrar o cumprimento das normas do edital com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
O caso de Samuel, aluno deficiente visual, é um exemplo que sublinha a necessidade de justiça e equidade na interpretação das regras dos concursos públicos. Esses princípios garantem que os candidatos sejam avaliados por seu mérito e capacidade, não sendo penalizados indevidamente por formalismos excessivos.
E você, o que acha sobre essas decisões? Acredita que a interpretação das normas dos concursos públicos deve ser mais flexível para garantir justiça e equidade? Deixe sua opinião nos comentários.
Referências
- Decisão do TJDFT;
- https://www.migalhas.com.br/quentes/395389/candidata-que-apresentou-documentacao-fora-do-prazo-podera-tomar-posse;
- https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2014/junho/turma-anula-ato-que-elimina-candidato-de-concurso-por-entrega-de-documento-fora-do-prazo;
- https://www.youtube.com/watch?v=GmtlLDDxboA.
Felipe Duque – Mestre em Direito Político e Econômico na Mackenzie-SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, com conclusão pelo regime de Aproveitamento Extraordinário nos Estudos (art. 47, § 2º, da Lei nº 9.394/96). Ex-Assessor de Desembargador no TJPE. Procurador da Fazenda Nacional. Integra voluntariamente a Coordenação de Assuntos Estratégicos Judiciais da PGFN. Professor do Estratégia Carreira Jurídica e Estratégia OAB. Autor do livro “Reforma Tributária Comentada e Esquematizada”.
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