De início, vamos abordar o seguinte tema:

A Ação Direta de Inconstitucionalidade número 3.465, proposta pelo Partido Democratas perante o Supremo Tribunal Federal, trouxe à baila questão de fundamental relevância para a compreensão dos limites constitucionais impostos ao Poder Executivo na seara tributária.
Tratava-se de impugnação dirigida contra dispositivos da Lei Federal número 11.116, de 18 de maio de 2005, que dispõe sobre o Registro Especial de produtor ou importador de biodiesel, além de regular a incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS sobre as receitas decorrentes da venda desse produto.
Nesse contexto, merece especial destaque o artigo 5º do referido diploma legal, segundo o qual fica o Poder Executivo autorizado a fixar coeficiente para redução das alíquotas previstas, o qual poderá ser alterado, a qualquer tempo, para mais ou para menos.
Com efeito, a norma questionada suscitou acalorado debate acerca da possibilidade de o legislador ordinário delegar ao Poder Executivo a competência para modificar, mediante decreto, elementos quantitativos da hipótese de incidência tributária.
Nessa esteira, o partido requerente sustentou que tal delegação representaria violação aos princípios da legalidade tributária e da anterioridade nonagesimal, consagrados nos artigos 150, inciso I, e 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Outrossim, alegou-se que o artigo 2º, inciso III, da mesma lei, ao permitir o cancelamento do registro especial em caso de inadimplência fiscal, configuraria sanção política vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Os fundamentos expendidos no voto condutor do julgamento
O Ministro Luís Roberto Barroso, na qualidade de relator do feito, estruturou seu voto em pilares sólidos, demonstrando inicialmente que a matéria disciplinada na Lei 11.116/2005 não padece de vício quanto ao instrumento normativo utilizado.
Isso porque, consoante salientado no voto, o biodiesel constitui combustível biodegradável derivado de fontes renováveis que pode ser produzido a partir de gorduras animais e espécies vegetais, como soja, palma, girassol, babaçu, amendoim, mamona e pinhão-manso.
Destarte, esse combustível não deriva do petróleo, gás natural, hidrocarboneto fluido ou derivado, não estando incluído no monopólio da União previsto nos termos do artigo 177 da Constituição Federal.
Por conseguinte, afastou-se a alegação de violação ao artigo 3º da Emenda Constitucional número 9/1995, que veda a adoção de medida provisória para regulamentação da matéria prevista nos incisos I a IV e nos parágrafos 1º e 2º do artigo 177 do texto constitucional.
Adentrando ao mérito propriamente dito, o ilustre relator destacou que a organização dos serviços relacionados ao biodiesel apresenta-se como matéria de notável complexidade, porquanto envolve a conjugação de dispositivos constitucionais, legislação federal de regência e normativas estaduais de implementação.
Nesse diapasão, cumpre ressaltar que a exposição de motivos da Medida Provisória número 227/2004, posteriormente convertida na Lei 11.116/2005, deixou explícito que a possibilidade da criação de alíquotas diferenciadas para o biodiesel tem por objetivo direcionar a produção desse combustível para a utilização de determinadas matérias-primas, incentivar a aquisição de matéria-prima advinda da agricultura familiar e incentivar a produção desse combustível em regiões carentes.
Mormente no que concerne à delegação de competência para fixação de alíquotas, o voto condutor perfilhou o entendimento de que a jurisprudência desta Corte já havia relativizado a legalidade tributária quando presentes determinadas condições objetivas.
De fato, conforme consignado no julgamento conjunto da ADI 5.277 e do RE 1.043.313, acresceu-se às exceções descritas anteriormente a validade da delegação para o Poder Executivo da competência para a fixação, por meio de decreto, das alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, em razão da concessão de benefício fiscal.
Esse entendimento fundou-se, essencialmente, na natureza extrafiscal da aludida benesse, bem como na existência de limites de cunho quantitativo e qualitativo.
A exigência de observância à anterioridade nonagesimal
Nada obstante tenha reconhecido a constitucionalidade da delegação, o Supremo Tribunal Federal impôs condicionantes de fundamental importância para a preservação das garantias constitucionais dos contribuintes.
Com efeito, o ilustre relator salientou que a delegação do artigo 5º da Lei número 11.116/2005 historicamente não vem sendo utilizada para majorar a carga tributária, mas para reduzi-la no campo de políticas extrafiscais, pelo que a anterioridade nonagesimal, até o momento, revelar-se-ia inaplicável.
Todavia, registrou-se expressamente que eventual elevação da carga tributária mediante alteração dos coeficientes deverá respeitar a anterioridade nonagesimal prevista no artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Nessa toada, a decisão esclareceu que o prazo constitucional de noventa dias constitui garantia que não se pode afastar sob o pretexto de que houve delegação legislativa.
Destarte, caso o Poder Executivo pretenda reduzir os coeficientes de redução anteriormente concedidos, o que implicaria restabelecimento de alíquotas e consequente aumento da carga tributária, deverá aguardar o transcurso do prazo nonagesimal antes de que a nova regulamentação possa produzir efeitos.
Tal interpretação harmoniza-se com a finalidade da delegação, que é permitir maior agilidade na concessão de benefícios fiscais, não na majoração de tributos.
O imperativo de elaboração de estudo de impacto orçamentário e financeiro
De outra banda, o julgado estabeleceu que qualquer ato do Poder Executivo que resulte em aumento da renúncia de receitas deverá estar acompanhado de estudo de impacto orçamentário e financeiro, em atenção ao disposto no artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Nesse sentido, o voto condutor consignou que a opção do constituinte de disciplinar essa temática explicita a prudência na gestão fiscal, nomeadamente na concessão de benefícios tributários.
A elaboração do estudo em questão permite ao Poder Legislativo tanto o controle dos objetivos constitucionais que se pretendem atingir por meio dessa benesse fiscal, como também o controle financeiro dessa escolha política.
Outrossim, interpretando o artigo 113 do ADCT, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o referido dispositivo é aplicável a todos os entes da federação, pelo que uma eventual proposição legislativa federal, estadual, distrital ou municipal que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deve estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade formal.
Por conseguinte, quando o legislador delega a sua competência normativa ao Poder Executivo, não se exime este último de atender aos requisitos formais atinentes à elaboração de tal estudo, na medida em que o Poder Legislativo não goza das informações para a sua confecção quando da aprovação da lei.
O cancelamento do registro especial e a vedação às sanções políticas
No que tange ao artigo 2º, inciso III, da Lei número 11.116/2005, que faculta à Secretaria da Receita Federal cancelar o Registro Especial em caso de não cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição para afastar a configuração de sanção política desproporcional.
Com efeito, rememorando o precedente firmado no julgamento do Recurso Extraordinário número 550.769, a Corte estabeleceu que o cancelamento de registro para o funcionamento de atividade econômica não constitui sanção política quando presentes três requisitos cumulativos.
🟢 O primeiro requisito visa a restringir a penalidade exclusivamente às hipóteses em que o não pagamento dos tributos configura uma vantagem concorrencial efetiva do sujeito passivo em relação aos demais agentes econômicos, prejudicando a livre concorrência e a igualdade tributária.
🟢 Acerca do segundo e do terceiro requisitos, sobressai a necessidade de garantia de um meio processual eficaz para que o contribuinte, por via administrativa ou judicial, possa se insurgir contra o cancelamento do registro, em razão da sua ilegalidade ou da invalidade dos créditos tributários subjacentes.
Nesse diapasão, o Tribunal determinou que do ato que cancelar o Registro Especial deverá caber recurso especial, com efeito suspensivo, direcionado ao Ministro de Estado da Fazenda. Ademais, estabeleceu-se que o ato de cancelamento deve ser motivado de modo a demonstrar, inequivocamente, que o devedor emprega o não pagamento de tributos como um instrumento para o aumento do seu poder de mercado.
Os limites constitucionais para fixação de multas tributárias isoladas
Por derradeiro, o julgamento enfrentou questão de extrema relevância concernente aos limites para fixação de multas tributárias isoladas, assim entendidas aquelas aplicadas em razão do descumprimento de obrigações acessórias e que independem da existência de tributo efetivamente devido pelo infrator.
O artigo 12, parágrafo 2º, inciso I, da Lei número 11.116/2005 estabelece multa correspondente a cem por cento do valor comercial da mercadoria produzida no período de inoperância do medidor de vazão, não inferior a cinco mil reais, sem prejuízo da aplicação das demais sanções fiscais e penais cabíveis.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal considerou essa multa manifestamente desproporcional e de efeito confiscatório, ofendendo o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal.
Amparando-se na jurisprudência consolidada da Corte, o voto condutor destacou que as multas moratórias não devem ultrapassar o limite de vinte por cento do débito tributário.
Transportando esse parâmetro para as multas isoladas por descumprimento de obrigação acessória, estabeleceu-se que o patamar máximo não poderia exceder vinte por cento do valor do tributo ou crédito tributário efetivo ou potencial que pudesse ser cobrado do sujeito passivo na operação.
Destarte, a Corte determinou que a multa prevista no artigo 12, parágrafo 2º, inciso I, da Lei número 11.116/2005 não pode ultrapassar trinta por cento do valor comercial da mercadoria produzida no período de inoperância do medidor de vazão. Tal limite se impõe ainda que se adote como base de cálculo o valor comercial da mercadoria, facultando-se ao legislador a introdução de causas agravantes ou atenuantes a serem aplicadas pela autoridade tributária, de forma a manter a proporcionalidade da penalidade.
Como o tema pode cair em provas
Prova: FUNDATEC - 2024 - Prefeitura de Londrina - PR - Procurador do Município - Serviço de Procuradora Jurídica Sobre os princípios tributários, analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa correta. I. Aplica-se o princípio da anterioridade tributária, geral e nonagesimal, nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais (Certo) II. As condições para a concessão de parcelamento tributário devem estrita observância ao princípio da legalidade e não há autorização para que atos infralegais tratem de condições não previstas na lei de regência do benefício. (Certo) III. A redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não se equipara à majoração do tributo. (Certo)
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