*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
Em 2017, houve a promulgação da Lei nº 13.467/2017 que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo era adequar a legislação trabalhista às novas relações de trabalho. Tratou-se da chamada “reforma trabalhista” que modificou diversas regras relevantes do Direito do Trabalho e impactou as relações laborais em curso.
Vamos imaginar a seguinte situação:
Uma trabalhadora ajuíza uma demanda perante a Justiça do Trabalho reivindicando o pagamento das horas gastas no trajeto realizado em ônibus fornecido pela empresa, entre 2013 e 2018 (horas in itinere).
O contrato de trabalho previa tal remuneração. Porém, com base nas alterações da Reforma Trabalhista, a empresa declarou que teria excluído o tempo de deslocamento como componente de jornada de trabalho remunerada.
O argumento central da empresa requerida foi que, após a reforma trabalhista, deixou-se de considerar o tempo de deslocamento como período à disposição do empregador.
No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Terceira Turma julgou o caso, e decidiu que o direito à parcela era parte do patrimônio jurídico da trabalhadora e não se poderia suprimi-lo. Assim, condenou-se a empresa a pagar o benefício por todo o período contratual, de dezembro de 2013 a janeiro de 2018.
A empresa requerida recorreu à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que encaminhou o caso ao Tribunal Pleno em razão da relevância do tema. O objetivo era estabelecer um precedente vinculante para casos semelhantes em todas as instâncias trabalhistas.
A maioria do colegiado concluiu que a Reforma Trabalhista deve ser aplicada imediatamente aos contratos em curso, mas apenas para situações ocorridas após sua vigência. A decisão afastou a aplicação de princípios como a vedação ao retrocesso social, norma mais favorável e condição mais benéfica.
Ao final, o Tribunal Superior do Trabalho fixou a seguinte tese vinculante:
“A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”
Análise Jurídica
A Lei nº 13.467/2017 promoveu o que se chamou de Reforma Trabalhista, alterando diversas regras importantes do Direito do Trabalho e também do Processo do Trabalho.
Horas in itinere
Para o caso concreto analisado pelo Tribunal Superior do Trabalho, é importante conhecimento acerca das “horas in itinere” ou o pagamento, pelo empregador, do período de deslocamento do trabalhador em transporte fornecido pela empresa. Entendia-se que este tempo que o trabalhador passava no transporte oferecido pelo empregador era tempo à disposição deste.
As “horas in itinere” estavam previstas no artigo 58 da CLT e o seu conceito está na Súmula nº 90 do Tribunal Superior do Trabalho:
HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere". III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere". IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.
E o que são “horas in itinere”? Trata-se do tempo despendido pelo empregado, no deslocamento de sua residência até o efetivo local de trabalho e seu retorno e que, diante de alguns requisitos (local de difícil acesso e não servido por transporte público regular e condução fornecida pelo empregador), computava na jornada de trabalho. De acordo com a súmula acima transcrita era necessário que o transporte ocorresse em condução fornecida pelo empregador.
Extinção
A partir da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, houve a extinção das “horas in itinere”. Dessa forma, a CLT passou a prever, expressamente, que
o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador (art. 58, §2º).
Assim, vejamos as redações do artigo 58, §2º da CLT:
CLT (anterior à Lei 13.467/2017) | CLT (posterior à Lei 13.467/2017) |
Art. 58.(…)§ 2º. O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. | Art. 58.(…)§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. |
Aplicação da Reforma Trabalhista
E qual regra deve prevalecer para regular os contratos de trabalho celebrados anteriormente à Reforma Trabalhista, mas que continuaram produzindo efeitos após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017?
A maioria do colegiado do TST concluiu que a Reforma Trabalhista deve ser aplicada imediatamente aos contratos em curso, mas apenas para situações ocorridas após sua vigência. Ou seja, quando os termos de um contrato decorrem de lei, a lei nova se aplica imediatamente aos fatos pendentes ou futuros.
No caso concreto narrado acima, a lei nova não afeta um verdadeiro ajuste entre as partes, mas apenas o regime jurídico aplicável à situação, que independe da vontade daquelas e, por isso, se sujeita a eventuais alterações normativas subsequentes.
Importante destacar que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho afastou a aplicação de princípios como a vedação ao retrocesso social, norma mais favorável e condição mais benéfica. Tais princípios não regulam a relação entre leis que se sucedem, e são aplicáveis apenas para compatibilizar normas vigentes simultaneamente ou preservar cláusulas contratuais contra alterações desfavoráveis promovidas por um dos contratantes, mas não pelo legislador.
E qual o impacto da alteração legislativa em relação a irredutibilidade salarial? O ministro relator asseverou na decisão que o princípio da irredutibilidade salarial, garantido pela Constituição, protege o valor nominal das parcelas permanentes, mas não a forma de cálculo ou os benefícios variáveis dependentes de fatos futuros. Dessa maneira, as alterações legais que tenham impacto em parcelas não permanentes, condicionadas a situações específicas, podem ser aplicadas aos contratos em curso.
Ao final do julgamento, fixou-se a seguinte tese vinculante:
“A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”
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