De início, vamos tratar do seguinte julgado do STF:

A organização dos serviços notariais e de registro no ordenamento jurídico brasileiro apresenta-se como matéria de notável complexidade, porquanto envolve a conjugação de dispositivos constitucionais, legislação federal de regência e normativas estaduais de implementação.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.352/PB, enfrentou questão de relevante interesse público: a possibilidade de reestruturação dos serviços cartorários mediante especialização das serventias extrajudiciais, ainda que tal medida implique redução numérica de determinadas categorias de tabelionatos.
O caso em análise teve origem na impugnação, pelo Partido Verde, do artigo 5º, inciso V, parágrafo 1º, da Lei estadual paraibana nº 12.511/2022, diploma legal que estabeleceu critérios objetivos para criação, extinção, desativação, anexação e modificação de serventias extrajudiciais.
A controvérsia nuclear consistia em determinar se a referida norma, ao fixar o parâmetro de um tabelionato de notas para cada 150.000 habitantes (ou fração superior a 100.000), violaria princípios constitucionais fundamentais, notadamente os da eficiência administrativa, da livre iniciativa, da cidadania, do desenvolvimento nacional e da razoabilidade.
Nesse sentido, vamos aprofundar o voto do Relator.
O fundamento constitucional dos serviços notariais e registrais
Conforme consagrado no artigo 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, mediante delegação do Poder Público.
Tal previsão constitucional reserva à lei a regulação dessas atividades, bem como a disciplina da responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, além da definição da fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
Em cumprimento ao comando constitucional, o legislador federal disciplinou a matéria através de três diplomas fundamentais: a Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos; a Lei nº 8.935/1994, que regulamenta o artigo 236 da Constituição Federal; e a Lei nº 10.169/2000, que estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Merece especial destaque, para os fins da presente análise, o disposto no artigo 26 da Lei nº 8.935/1994, segundo o qual não são acumuláveis os serviços enumerados no artigo 5º do mesmo diploma. Todavia, o parágrafo único do referido dispositivo estabelece exceção relevante, admitindo a acumulação nos municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços.
A especialização dos serviços cartorários no Estado da Paraíba
A edição da Lei estadual nº 12.511/2022 decorreu de amplo estudo técnico empreendido pela Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Paraíba, iniciado em 2021. Conforme demonstrado nos autos, a comissão constituída para tal finalidade realizou mais de dez reuniões e desenvolveu ferramenta tecnológica de business intelligence, com banco de dados voltado à identificação das serventias nos municípios e distritos, considerando a população da localidade, o volume de atos praticados e os rendimentos correspondentes.
O diagnóstico realizado revelou situação que merecia intervenção legislativa: a existência de diversas serventias extrajudiciais acumulando serviços em todo o Estado da Paraíba, detendo atribuições de notas, protesto de títulos, registro de imóveis, registro de títulos e documentos e registro civil das pessoas naturais, enquanto os ofícios de registro civil das pessoas naturais permaneciam isolados.
Tal configuração caracterizava aparente contradição com a regra enunciada no artigo 26 da Lei nº 8.935/1994, que veda a acumulação dos serviços, salvo nas hipóteses expressamente previstas.
Ademais, constatou-se a existência de serventias extrajudiciais pequenas e com baixo rendimento, verificando-se discrepâncias quanto às receitas e número de atos praticados.
Nesse cenário, impunha-se a necessidade de fixação de parâmetros objetivos para a desacumulação, bem como a definição de regras gerais a serem utilizadas no Estado para a criação, extinção, desativação, anexação e modificação das serventias extrajudiciais, por ocasião da vacância.
A ratio decidendi do julgamento
O Ministro Relator Cristiano Zanin, cujo voto conduziu o julgamento unânime pela improcedência da ação, estruturou sua fundamentação em pilares sólidos, demonstrando que a reestruturação implementada pela lei paraibana observou rigorosamente a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a Corte já havia apreciado controvérsia análoga no julgamento da ADI 4.745/DF, ocasião em que reconheceu a constitucionalidade de lei estadual de iniciativa do Tribunal de Justiça que reestruturou os serviços notariais e de registro no Estado de Pernambuco.
Naquela oportunidade, o Plenário fixou tese vinculante, segundo a qual é constitucional lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça, que reorganiza as delegações notariais e de registro, desde que haja interesse público nas modificações e se observe a regra do concurso público.
No caso paraibano, restou demonstrado nos autos que a edição da lei impugnada foi precedida de estudos prévios de viabilidade, nos quais se baseou a exposição de motivos da norma, satisfazendo, dessa forma, o princípio da eficiência, o dever de motivação e o princípio da razoabilidade.
Outrossim, a legislação estadual não promoveu mera redução do número de tabelionatos, mas verdadeira especialização dos serviços cartorários, com atribuições específicas e exclusivas para cada categoria de serventia.
Merece destaque o fato de que a implementação da lei respeitará eventual direito adquirido dos atuais titulares, porquanto as extinções, anexações e desanexações ocorrerão no momento da vacância, conforme expressamente previsto no parágrafo 1º do artigo 5º da Lei nº 12.511/2022.
Tal previsão harmoniza-se com o disposto no artigo 49 da Lei nº 8.935/1994, que determina a desacumulação quando da primeira vacância da titularidade de serviço notarial ou de registro.
A especialização como mecanismo de eficiência administrativa
Contrariamente à argumentação do requerente, a especialização dos serviços notariais e registrais não configura violação ao princípio da eficiência administrativa. Ao revés, trata-se de medida que confere maior eficiência operacional na prestação de tais serviços, em harmonia com o artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Conforme salientado pelo Advogado-Geral da União em sua manifestação nos autos, a especialização dos serviços públicos, das unidades e rotinas coaduna-se com o modelo de administração pública gerencial, tendente à racionalização da máquina administrativa.
Com efeito, a concentração de atividades específicas em determinadas serventias permite o aprimoramento técnico dos profissionais envolvidos, a otimização de recursos e a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.
Ademais, importa registrar que a norma estadual estabeleceu critérios populacionais para a distribuição dos serviços cartorários.
Segundo o artigo 5º da Lei nº 12.511/2022, nos municípios com população superior a 200.000 habitantes, haverá um serviço de registro de imóveis a cada 200.000 habitantes ou fração superior a 150.000 habitantes, e um tabelionato de notas a cada 150.000 habitantes ou fração superior a 100.000 habitantes. Tais parâmetros, longe de representarem arbitrariedade legislativa, resultam de análise técnica que considerou o quantitativo populacional da circunscrição territorial, a distância entre as sedes de municípios, o quantitativo de atos praticados, o recolhimento de emolumentos e outras peculiaridades locais.
A observância do direito adquirido e do concurso público
Dois aspectos fundamentais da reestruturação merecem ênfase especial. Primeiramente, a lei estadual observa escrupulosamente o direito adquirido dos atuais titulares das serventias, na medida em que as modificações operadas somente produzirão efeitos quando ocorrer a vacância das respectivas delegações.
Tal previsão afasta qualquer alegação de violação à segurança jurídica ou ao direito adquirido, porquanto, tratando-se de serviços públicos, a titularidade das serventias notariais e de registro em suas exatas divisões territoriais e competências não gera direito adquirido absoluto, conforme reconhecido na ADI 4.745/DF.
Em segundo lugar, a reestruturação respeita integralmente a regra do concurso público preconizada no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.
O parágrafo 3º do artigo 236 do Texto Constitucional é categórico ao estabelecer que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Ademais, o artigo 29 da Lei nº 8.935/1994 assegura aos notários e registradores o direito de exercer opção nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia.
Como o tema já caiu em provas
Prova: IESES - 2019 - TJ-SC - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento II. São direitos do notário e do registrador exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia e organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar. (Certo)
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