Análise Jurídica – STJ – Info 820 – HC 817.270-RJ – Reconhecimento fotográfico e nulidade de provas

Análise Jurídica – STJ – Info 820 – HC 817.270-RJ – Reconhecimento fotográfico e nulidade de provas

Introdução

Reconhecimento

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgado divulgado no HC 817.270-RJ, trouxe uma nova interpretação sobre a validade do reconhecimento fotográfico informal no processo penal.

Esta decisão, proferida pela Sexta Turma, representa uma significativa mudança na aplicação da lei processual penal em casos específicos, levando em consideração as circunstâncias fáticas e o contexto probatório envolvido.

O artigo 226 do Código de Processo Penal estabelece o procedimento para o reconhecimento de pessoas:

"Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais."

O entendimento tradicional

Tradicionalmente, o reconhecimento fotográfico era frequentemente utilizado como meio de prova na fase policial, muitas vezes sem seguir rigorosamente os procedimentos estabelecidos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).

Era comum que tais reconhecimentos fossem considerados válidos, especialmente quando corroborados por outras provas ou confirmados posteriormente em juízo.

A nova interpretação do STJ

O julgado em análise, entretanto, traz uma nova perspectiva sobre o tema. A Sexta Turma do STJ, por unanimidade, decidiu pela nulidade do reconhecimento fotográfico realizado de forma irregular.

Assim, os principais pontos desta decisão são:

  • Nulidade do reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens.
  • Obrigatoriedade da observância do regramento previsto no art. 226 do CPP.
  • Necessidade de corroboração por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial.
  • Reconhecimento da contaminação da memória da vítima pelo prévio reconhecimento fotográfico irregular.
  • Aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, invalidando provas subsequentes derivadas do reconhecimento irregular.

Análise do caso concreto

Ademais, no caso julgado, foram consideradas as seguintes circunstâncias:

Reconhecimento fotográfico realizado de forma irregular, através de aplicativo de mensagens.

Negativa posterior do acusado em juízo.

Absolvição do acusado das imputações de tráfico de drogas.

Inversão indevida do ônus da prova quanto à origem dos valores apreendidos.

O STJ entendeu que, neste contexto específico, o reconhecimento fotográfico era imprestável como prova, contaminando todas as provas dele derivadas.

Nesse sentido, a Corte ressaltou que “o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior reconhecimento pessoal em juízo.”

A decisão do STJ baseou-se na interpretação do artigo 226 do CPP, considerando sua observância como obrigatória. Além disso, a Corte aplicou a teoria dos frutos da árvore envenenada, derivada do artigo 157, §1º do CPP:

"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras."

Assim, esta interpretação alinha-se com recentes decisões do STJ que buscam garantir maior segurança jurídica no processo penal.

Por exemplo, no HC 598.886/SC, julgado em 2020, a Sexta Turma já havia estabelecido que “o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime.”

Implicações e outros julgados

Portanto, esta nova interpretação do STJ tem importantes implicações:

  • Reforça a necessidade de observância estrita dos procedimentos legais no reconhecimento de suspeitos.
  • Mitiga o risco de erros judiciários baseados em acervo probatório frágil.
  • Reconhece o impacto psicológico do reconhecimento fotográfico irregular na memória das vítimas.
  • Amplia a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada no processo penal brasileiro.
  • Exige maior rigor na produção de provas pela acusação, evitando a inversão indevida do ônus da prova.

Caso correlato: AREsp 2.408.401-PA

O procedimento de reconhecimento de pessoas, para sua validade, deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados, conforme estabelece o art. 226, II, do CPP, evitando-se sugestões que possam influenciar a decisão da testemunha e comprometer o reconhecimento.

STJ. 5ª Turma. AREsp 2.408.401-PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 2/4/2024 (Info 806).

Dessa forma, o recente julgamento do AREsp 2.408.401-PA pela 5ª Turma do STJ, em 2/4/2024, traz elementos adicionais importantes para a compreensão da posição do tribunal sobre o reconhecimento de pessoas:

  1. Retratação da vítima como nova prova: o STJ reconheceu que a retratação da vítima em uma audiência de justificação pode ser considerada como “nova prova” nos termos do art. 621, III, do CPP, permitindo a revisão criminal.
  2. Importância da semelhança física no reconhecimento: o tribunal reafirmou que o procedimento de reconhecimento de pessoas deve assegurar a semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos apresentados, conforme estabelece o art. 226, II, do CPP.
  3. Nulidade por violação do procedimento: foi considerado ilegal o reconhecimento em que os indivíduos apresentados tinham características físicas notadamente diferentes do acusado, especialmente em relação à cor da pele.
  4. Palavra da vítima vs. Falsas memórias: o STJ reconheceu o dilema entre a importância da palavra da vítima em crimes sexuais e a problemática das falsas memórias, especialmente em casos envolvendo crianças.

Como o tema já caiu em provas

MPF -PGR - 2022 - PGR - Procurador da República

Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida

II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. (Certo)

Conclusão

Enfim, a decisão do STJ no HC 817.270-RJ representa uma evolução significativa na interpretação das normas processuais penais, buscando garantir maior segurança jurídica e reduzir o risco de condenações injustas.

Esta abordagem mais rigorosa quanto aos procedimentos de reconhecimento fotográfico demonstra uma preocupação com a qualidade e confiabilidade das provas no processo penal.

É importante ressaltar que esta decisão fortalece o princípio do contraditório e da ampla defesa, ao exigir que as provas sejam produzidas de acordo com os procedimentos legais e submetidas ao crivo do contraditório judicial:

É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens.

HC 817.270-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.

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