* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O deputado federal André Janones acaba de fechar um acordo com a Procuradoria-Geral da República para devolver R$ 157,8 mil, após investigação sobre prática de rachadinha em seu gabinete.
Caso a Suprema Corte aceite o pedido, o deputado não poderá sofrer sanções criminais relacionados ao caso.
Ressarcimento e multa
O acordo, que o Supremo Tribunal Federal deverá homologar, chama-se Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), e prevê o ressarcimento do valor à Câmara dos Deputados, além do pagamento de uma multa correspondente a 20% do dano ao erário.

Janones terá que devolver R$ 131.511,00 em reparação do dano causado, valor que se destinará à Câmara dos Deputados, além de uma multa de R$ 26.302,00, correspondente a 20% do dano ao erário. Assim, o pagamento será da seguinte forma:
- R$ 80 mil em parcela única, até 30 dias após a homologação do acordo.
- R$ 77,8 mil em 12 parcelas mensais de R$ 6.484,48.
O deputado deverá, ademais, cumprir as seguintes condições:
- Encerrar qualquer prática ligada ao esquema investigado.
- Não cometer novos crimes ou contravenções até o fim do cumprimento do acordo.
- Declarar que não firmou acordos similares nos últimos cinco anos e que não responde a outros processos criminais.
De acordo com a Procuradoria-Geral, ao assinar o acordo, Janones “admitiu expressamente que, no início de 2019, devido ao fato de estar com o nome negativado no SPC e Serasa, recorreu a um de seus assessores parlamentares, a quem solicitou que lhe providenciasse um cartão de crédito adicional”.
O deputado, em nota, afirmou que “em hipótese alguma admite ou admitiu a existência da prática conhecida como ‘rachadinha’ durante seu mandato. Portanto, a informação que circula é inverídica. O que existe é a celebração de um acordo de não persecução penal, que ainda não foi homologado. Por respeito ao trâmite jurídico, não haverá, por ora, comentários por parte do parlamentar acerca deste acordo”.
Rachadinhas: entenda o que aconteceu
Em 2024, a Polícia Federal indiciou Janones por um suposto esquema de “rachadinha” em seu gabinete. O indiciamento do deputado foi pelos crimes de associação criminosa, peculato e corrupção passiva.
A investigação teve início com relatos de ex-assessores, que denunciaram à Polícia Federal a prática da devolução de parte dos salários (rachadinha) no gabinete de Janones. Os ex-funcionários afirmam que eram pressionados a repassar parte dos seus vencimentos ao deputado.
De fato, as suspeitas ganharam força após a divulgação de um áudio de 2019. Nele, Janones afirma a servidores que alguns receberiam salários mais altos para ajudá-lo a pagar dívidas pessoais de R$ 675 mil acumuladas durante sua campanha à prefeitura de Ituiutaba (MG), em 2016.
Rachadinha é a prática na qual há desvio de dinheiro público, através da cooptação do servidor público, que é coagido a repassar uma parte de seu salário para o político responsável por sua nomeação.
Em relação à prática da rachadinha, a doutrina e a jurisprudência se dividem. Parte considera apenas um ato de improbidade administrativa (conduta que causa danos a administração), e parte considera crime de corrupção (haja vista que, para estes, o agente obtém vantagens econômicas particulares através de um cargo público), concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida) ou peculato-desvio.
O STJ, julgando a APn n. 825/DF (DJe 26/4/2019), condenou um Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará por exigir a devolução de metade do salário de servidores comissionados durante um período de quatro anos.
A Corte entendeu, nesse julgamento, que, para a caracterização do crime de concussão, não é necessário que haja constrangimento físico contra as vítimas. Ou seja, a simples condição de repasse de parte dos vencimentos como uma imposição velada, acompanhada da ameaça de exoneração, é suficiente para configurar o delito.
No julgamento do REsp nº 1.244.377/PR, o STJ reconheceu a prática da rachadinha como peculato-desvio.
Tudo indica que o Superior Tribunal de Justiça tem caminhado para considerar a rachadinha como crime de concussão, como pode ser verificado em julgamento recente (AgRg no AREsp n. 2.497.045/PR, DJe de 21/6/2024).
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCUSSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 316 DO CÓDIGO PENAL - CP. EXIGÊNCIA NARRADA NA DENÚNCIA. "RACHADINHA". FATO TÍPICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A denúncia contém a descrição de fato típico da concussão, qual seja, o fato da agravante em concurso de pessoas ter ao menos para a contratação da vítima exigido para outrem vantagem indevida a ser paga mensalmente quando do recebimento do vencimento.
2. Por seu turno, a condenação encontra-se congruente com a denúncia, pois as instâncias ordinárias constataram que a agravante foi responsável por apresentar para a vítima a condição essencial referente aos repasses salariais para contratação e manutenção do cargo.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.497.045/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.)
Análise jurídica
Acordo de não persecução penal (ANPP)
O Acordo de Não Persecução Penal foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime), que acrescentou, no Códex, o art. 28-A, estabelecendo os seguintes requisitos e condições:
1ª) Não ser caso de arquivamento;
2ª) Ter o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal;
3ª) Infração penal sem violência ou grave ameaça;
4ª) Infração penal com pena MÍNIMA INFERIOR a 4 (quatro) anos;
5ª) O ANPP deve ser necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime;
6ª) Cumprimento das seguintes condições, ajustadas cumulativa e alternativamente:
a) Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
b) Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
c) Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Código Penal;
d) Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
e) Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
O ANPP não constitui direito subjetivo do acusado. Por isso, o Ministério Público (MP) pode recusar o oferecimento de proposta do benefício, seja pela ausência dos requisitos legais ou por entender que o Acordo não é necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
De acordo com o artigo 28-A, §14º, do CPP, “no caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”.
O Superior Tribunal de Justiça entende que caberá ao juiz, diante da solicitação de revisão feita pelo investigado, analisar se a recusa do MP foi motivada pela ausência dos requisitos objetivos legais ou se é referente ao mérito da proposta.
Temos, portanto, o seguinte:
1º) Ausência dos requisitos objetivos legais (não demandam juízo de valor para sua constatação): o juiz poderá negar a remessa dos autos ao órgão superior;
2º) Análise de mérito (há juízo de valor feito pelo MP): o juiz deverá remeter os autos ao órgão ministerial superior. Isso porque somente o órgão do MP pode fazer juízo de valor, pois são os titulares da ação penal e os legitimados para propor o acordo. É o que se verifica no caso de análise do requisito da necessidade e suficiência do ajuste para reprovação e prevenção do crime.
Segundo o STJ, o mero requerimento do investigado não impõe a remessa automática dos autos ao órgão ministerial superior, mas o controle judicial limita-se a questões relacionadas aos requisitos objetivos, não podendo ingressar no mérito da proposta de acordo.
O Supremo Tribunal Federal vai neste mesmo sentido, assim vejamos (HC 194.677):
“...2. Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não cabe ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público obrigação de ofertar acordo em âmbito penal.
3. Se o investigado assim o requerer, o Juízo deverá remeter o caso ao órgão superior do Ministério Público, quando houver recusa por parte do representante no primeiro grau em propor o acordo de não persecução penal, salvo manifesta inadmissibilidade. Interpretação do art. 28-A, § 14, CPP a partir do sistema acusatório e da lógica negocial no processo penal...”
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