No último informativo, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime proferida no dia 1º de abril de 2025, no AgInt no RMS 74.847/RJ, sob a relatoria do Ministro Teodoro Silva Santos, reafirmou entendimento consolidado acerca dos limites subjetivos da coisa julgada material em sede de concursos públicos.
Nessa linha, o julgado, que versou sobre tentativa de extensão de efeitos de anulação judicial de questões a candidatos estranhos à lide originária, oferece substancial contribuição para a sedimentação da jurisprudência superior sobre a matéria.
Como começou?
O litígio teve origem em mandado de segurança impetrado por Taylor Ricardo dos Santos Caetano contra ato administrativo do Secretário de Estado de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Conforme consignado no relatório do acórdão, o impetrante postulava "pedido administrativo de aplicação do item 17.8 do edital do concurso, o qual estabelece a atribuição, a todos os candidatos, da pontuação correspondente à anulação de questão da prova objetiva".
Ora, a controvérsia emergiu do fato de que outros candidatos do mesmo certame haviam logrado êxito em ações individuais que resultaram na anulação de três questões da disciplina de História.
O candidato ora agravante, não tendo participado daquelas demandas, dirigiu-se à Administração requerendo a aplicação do benefício decorrente das anulações judiciais, com fundamento na cláusula editalícia mencionada.
Decadência?
De início, cumpre destacar que o Tribunal de origem havia reconhecido a decadência da impetração mandamental.
Todavia, o STJ reformou tal entendimento, assentando tese de suma relevância prática.
Como observou o Ministro Relator, "é firme o entendimento, no âmbito deste STJ, segundo o qual o prazo para impetração de mandado de segurança deve ser contado a partir da ocorrência do ato lesivo".
No caso específico, o STJ consignou que "em 7/11/2022, o impetrante requereu administrativamente o cumprimento do disposto no item 17.8 do Edital do Concurso, que foi indeferido pela Administração em 13/11/2023. Assim, impetrado o presente mandamus em 27/2/2024, deve ser afastada a decadência reconhecida pela Corte a quo".
Lembremos que o prazo para ingressar com Mandado de Segurança é de 120 dias.
Perceba, esta orientação jurisprudencial consolida entendimento segundo o qual o termo inicial do prazo decadencial não coincide necessariamente com a publicação do resultado do concurso, mas sim com o ato administrativo específico que lesiona direito do interessado.
Tal interpretação harmoniza-se com o princípio da ampla defesa, na medida em que preserva o direito de ação daqueles que primeiro buscam a via administrativa.
Fundamentação do mérito
No mérito, o Ministro Teodoro Silva Santos invocou o art. 506 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada”, para fundamentar a impossibilidade de extensão dos efeitos da decisão judicial a terceiros estranhos ao processo.
Ora, o julgado evidencia que "a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que a anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não sendo possível reabrir o certame para distribuição de pontos e a reclassificação de todos os candidatos".
Assim, longe de constituir mero formalismo processual, reflete compreensão sistêmica dos institutos da coisa julgada e dos limites subjetivos da eficácia das sentenças.
Isto porque, a extensão indiscriminada de decisões judiciais individuais comprometeria não apenas a segurança jurídica, mas também o próprio instituto da coisa julgada como garantia fundamental do ordenamento processual.
Diferença entre anulação administrativa e judicial

Uma questão de particular relevância emergiu da análise do item 17.8 do edital, que previa a extensão de pontos decorrentes de anulação de questões “a todos os candidatos”.
O STJ, contudo, estabeleceu distinção hermenêutica fundamental, esclarecendo que tal dispositivo aplica-se exclusivamente às anulações promovidas pela própria Administração na via recursal administrativa.
Como consignado no voto condutor, "mesmo que o edital do concurso contenha cláusula prevendo a extensão de eventual anulação de questões a todos os candidatos, tal previsão se aplica somente àquelas ocorridas na via administrativa. Assim, essa extensão não pode ser imposta quando o reconhecimento da referida irregularidade resulta de decisão judicial que beneficia apenas as partes envolvidas no processo".
Reflita, esta diferenciação resguarda a autonomia da função administrativa e reconhece que apenas a Administração Pública possui competência para revisar globalmente os critérios avaliativos de um certame.
Assim, o Poder Judiciário, quando provocado individualmente, não pode substituir a discricionariedade administrativa mediante decisões que extrapolem os limites subjetivos da demanda.
Precedentes jurisprudenciais
Ademais, o acórdão demonstra sólida fundamentação precedencial, citando extensa jurisprudência da Segunda Turma do STJ que converge para a mesma conclusão. Entre os julgados mencionados, destacam-se os RMS n. 75.062/RJ, 75.037/RJ, 75.069/RJ, 74.941/RJ, 75.064/RJ, 74.846/RJ e 75.102/RJ, todos no mesmo sentido.
Nessa linha, é o precedente extraído do AgInt no RMS n. 73.632/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, que assentou:
"A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não podendo reabrir o certame para redistribuição de pontos a todos os candidatos, especialmente quando decorridos 10 anos da exclusão do candidato".
Princípio da isonomia?
Vale salientar que o candidato agravante invocou “o princípio da isonomia, assegurado pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, caput”, argumentando que “a negativa da autoridade administrativa em aplicar esse item apenas aos candidatos que ingressaram com ação judicial individual viola a isonomia e o direito líquido e certo da parte Agravante, assim como a segurança jurídica”.
O STJ, contudo, refutou tal argumentação, esclarecendo que a isonomia não se confunde com uniformização artificial de situações jurídicas distintas.
Como bem observou o Ministro Relator, "as decisões judiciais, em regra, têm efeitos restritos às partes envolvidas no processo, salvo previsão legal específica em sentido contrário".
Desta forma, candidatos que optaram por não questionar judicialmente as questões encontram-se em posição jurídica diversa daqueles que exerceram este direito. Assim, não há violação ao princípio isonômico, mas sim aplicação correta dos limites subjetivos da coisa julgada.
Por fim, o acórdão evidencia que "a administração pública não está vinculada à obrigação de estender os efeitos de decisão judicial a todos os candidatos de um certame", porquanto "as decisões judiciais, via de regra, não produzem efeitos erga omnes, mas apenas inter partes, ou seja, entre os litigantes do processo".
Ora, a fundamentação preserva não apenas a integridade do instituto da coisa julgada, mas também a autonomia da função administrativa. Impede-se, assim, que o Poder Judiciário, mediante decisões pontuais, substitua a competência discricionária da Administração na condução de procedimentos complexos como os concursos públicos.
Assim, a decisão unânime da Segunda Turma, ao reafirmar que “a anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, preserva as ações individuais que não se confundem com ações coletivas.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!