O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema Repetitivo 1262, consolidou a seguinte tese:
“Na análise das vetoriais da natureza e da quantidade da substância entorpecente, previstas no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, configura-se desproporcional a majoração da pena-base quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza.”
Essa decisão surgiu a partir de divergências nos tribunais acerca da interpretação do art. 42 da Lei de Drogas. Muitos julgados, até então, entendiam que a simples natureza altamente nociva de determinadas substâncias, como crack e cocaína, seria suficiente para justificar a majoração da pena-base, ainda que a quantidade apreendida fosse mínima. Isso criava situações de desproporcionalidade, em que pequenos traficantes, detidos com quantias ínfimas, recebiam penas semelhantes às de grandes distribuidores.
O STJ, ao firmar a tese, buscou harmonizar a repressão penal ao tráfico de drogas com o princípio constitucional da proporcionalidade e com a garantia da individualização da pena, assegurada no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal.
Com isso, a Corte evitou que se punisse o “tráfico formiguinha” de maneira equivalente ao tráfico em larga escala, preservando a coerência do sistema penal.
A dosimetria da pena no sistema jurídico brasileiro
Após o reconhecimento da responsabilidade penal do acusado, inicia-se a etapa da dosimetria da pena.
Esse momento é crucial, pois representa a concretização do direito fundamental à individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da CF. Trata-se de um direito do acusado que impede punições padronizadas, exigindo a análise de cada caso conforme suas peculiaridades.
O critério trifásico
O art. 68 do Código Penal estabelece que a pena deve ser fixada em três fases:
- Pena-base, considerando as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP (culpabilidade, antecedentes, motivos, circunstâncias, consequências e comportamento da vítima).
- Circunstâncias atenuantes e agravantes, aplicadas na segunda fase.
- Causas de aumento e de diminuição, na terceira fase, como, por exemplo, a aplicação da minorante do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei de Drogas).
Esse sistema trifásico é adotado justamente para garantir a racionalidade e a proporcionalidade na fixação da sanção, evitando arbitrariedades.
Regra especial da Lei de Drogas
A Lei n. 11.343/2006, no entanto, introduziu uma regra própria:
“Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.”
Dessa forma, quando se trata de crimes de tráfico, os fatores “natureza” e “quantidade” da droga possuem peso maior que as demais circunstâncias judiciais. Isso se explica pela gravidade diferenciada que determinadas substâncias representam para a saúde pública.
Natureza e quantidade da droga: o dilema jurídico
A jurisprudência sempre reconheceu que certas drogas, como o crack, possuem grande poder destrutivo, alto índice viciante, geradoras de invencíveis problemas na saúde pública e de aptidão letal. A medicina comprova: “O prazer que o crack causa – narrado por quase todos os usuários – e seu potencial de vício estão diretamente ligados aos efeitos provocados por ele no sistema de recompensa do cérebro…”. Além disso, “à saúde, o crack pode provocar danos irreparáveis, principalmente para o coração e o cérebro, ao reduzir a oxigenação e potencializar distúrbios mentais.”

Com base nisso, magistrados muitas vezes elevavam a pena-base apenas em razão da natureza da droga, mesmo quando se tratava de quantias pequenas. A lógica era simples: se a droga é mais perigosa, a conduta deve ser mais reprovada.
O problema surge quando a quantidade apreendida é mínima. No chamado “tráfico formiguinha”, conduta igualmente reprovável, diga-se de passagem, porções reduzidas são postas em circulação, sem causar impacto relevante na cadeia de distribuição. Nessas hipóteses, punir de forma excessiva poderia violar o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso.
Foi nesse ponto que o STJ interveio, no Tema 1262, para afirmar que a quantidade ínfima não pode ser desconsiderada. Ainda que a natureza da droga seja grave, a majoração da pena-base seria ilegítima se a apreensão for mínima.
Consequências da tese firmada
A decisão do STJ produz reflexos importantes:
- Proporcionalidade e justiça penal – A pena passa a refletir melhor a gravidade real da conduta. Um pequeno traficante não pode receber a mesma pena de quem distribui grandes quantidades.
- Valorização do princípio da individualização da pena – A decisão reforça que a pena deve ser moldada de acordo com a conduta concreta, não apenas com abstrações sobre a natureza da droga.
É importante destacar que a tese não impede a elevação da pena quando a quantidade da droga justificar. Se o volume apreendido for significativo, ainda que a substância não seja a mais nociva, a majoração da pena-base será plenamente válida. O que se buscou foi corrigir distorções em casos de apreensões mínimas, em que a sanção acabava sendo mais severa do que o necessário.
Considerações finais
O tráfico de drogas é, sem dúvida, uma grave ameaça à saúde pública, mas a repressão deve ser equilibrada, sem recorrer a punições desmedidas.
Ao afirmar que a quantidade ínfima de droga não pode justificar a majoração da pena-base, independentemente da natureza da substância, o Tribunal reafirmou a centralidade dos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.
Como isso vai cair na sua prova?
Sobre a fixação da pena nos crimes de tráfico de drogas, assinale a alternativa correta:
a) A quantidade da droga é irrelevante para a dosimetria, prevalecendo sempre a natureza da substância.
b) O juiz deve observar exclusivamente o art. 59 do CP, sem considerar regras especiais da Lei de Drogas.
c) O STJ firmou tese de que a pena-base pode ser majorada pela natureza da droga, ainda que a quantidade seja ínfima.
d) Segundo o Tema Repetitivo 1262, a majoração da pena-base é desproporcional quando a quantidade da droga é ínfima, independentemente de sua natureza.
e) A lei de drogas não prevê parâmetros específicos para a dosimetria da pena.
Gabarito: d)
A tese firmada pelo STJ no Tema Repetitivo 1262 reconhece que, em respeito à proporcionalidade, não se pode agravar a pena quando a quantidade da droga for ínfima, ainda que a substância seja altamente nociva.
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