Prova Comentada Peça Prática/questões discursivas Delegado SC

Prova Comentada Peça Prática/questões discursivas Delegado SC

Olá, pessoal, tudo certo?!

Em 28/01/2024, foi aplicada a prova objetiva do concurso público para Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina. Assim que encerrada, nosso time de professores elaborou o gabarito extraoficial, que, agora, será apresentado juntamente com a nossa PROVA COMENTADA.

Este material visa a auxiliá-los na aferição das notas, elaboração de eventuais recursos, verificação das chances de avanço para fase discursiva, bem como na revisão do conteúdo cobrado no certame.

Desde já, destacamos que nosso time de professores identificou 2 questões passíveis de recurso e/ou que devem ser anuladas, por apresentarem duas ou nenhuma alternativa correta, como veremos adiante. No tipo de prova comentado, trata-se das questões 18 e 23.

De modo complementar, elaboramos também o RANKING da PC-SC, em que nossos alunos e seguidores poderão inserir suas respostas à prova, e, ao final, aferir sua nota, de acordo com o gabarito elaborado por nossos professores. Através do ranking, também poderemos estimar a nota de corte da 1º fase. Essa ferramenta é gratuita e, para participar, basta clicar no link abaixo:

Além disso, montamos um caderno para nossos seguidores, alunos ou não, verem os comentários e comentar as questões da prova: Confira AQUI!

Por fim, comentaremos a prova, as questões mais polêmicas, as possibilidades de recurso, bem como a estimativa da nota de corte no TERMÔMETRO PÓS-PROVA, no nosso canal do Youtube. Inscreva-se e ative as notificações! Estratégia Carreira Jurídica – YouTube

Confira AQUI todas as provas comentadas por disciplinas!

QUESTÕES DISCURSIVAS

QUESTÃO 01. A Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, no curso de determinada investigação, recebeu elementos de convicção no sentido de o Vereador X, de Blumenau, ter se utilizado de sua conta em mensageria instantânea, instalada no aparelho de telefonia móvel (celular), modelo ABC, para praticar crime de injúria racial (Art. 2º-A, Lei nº 7.716/89), quando estava de férias em Florianópolis, local onde o ilícito se consumou. A aludida mensagem foi postada em um grupo com mais de uma centena de participantes e tudo indicava que não estava na função de autodestruição (ou auto apagamento). Tal aplicativo funciona com criptografia de ponta a ponta. Muito recentemente, chegou a informação de que os dois aparelhos de telefonia móvel (celulares), modelo ABC e modelo DEF, do mencionado legislador estavam um em seu domicílio e outro no seu gabinete, sem, porém, se precisar qual estava onde.

Na condição de Delegado de Polícia, indique a medida pertinente ao caso, abordando os temas de Direito Constitucional adequados.

Comentários

O Poder Legislativo exerce as suas atividades com independência. Para assegurar a livre atuação do Legislativo e de seus membros, a Constituição Federal estabeleceu algumas prerrogativas, garantias e vedações aos parlamentares. Esse regramento constitucional é denominado “Estatuto dos Congressistas”.

Os parlamentares têm liberdade para exercer o mandato eletivo, para defender ideologias, propostas e programas de ação, sem que por isso venham a sofrer perseguição política, uma vez que atuam como representantes do povo e o poder é do povo.

Com efeito, as prerrogativas constitucionais dos parlamentares não podem ser vistas como privilégios pessoais, mas como garantias de exercício da democracia, para que haja a representatividade popular. As imunidades e garantias são próprias do cargo e não da pessoa, são de ordem pública e por tal motivo indisponíveis, irrenunciáveis.

O foro por prerrogativa de função busca impedir constrangimentos, inibições para o exercício do mandato eletivo.

A inviolabilidade por opiniões, palavras e votos, evidentemente, não é absoluta e não contempla qualquer opinião ou qualquer palavra, não obstante o texto constitucional tenha utilizado a expressão “quaisquer”. Como a imunidade é prerrogativa que objetiva o exercício do mandato eletivo, as opiniões e as palavras precisam ter relação com o mandato. Evidentemente, se um parlamentar proferir palavras ofensivas direcionadas a um vizinho, amigo, familiar, ou prestador de serviço, por exemplo, nas situações corriqueiras do dia, não estará acobertado por imunidade.

A imunidade material exclui a natureza delituosa do fato, protege o parlamentar da incriminação civil, penal e disciplinar em relação aos chamados crimes de opinião (ou de palavra). Assim, nas hipóteses em que a palavra dita ou a opinião proferida puderem gerar para a pessoa comum o dever de indenizar e a responsabilização penal, para o parlamentar, no exercício do mandato, não representará nenhum ilícito civil e nem crime.

O artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal prevê a inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.

Os Vereadores têm a garantia constitucional de imunidade material, vez que são invioláveis civil e penalmente por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.

Os Vereadores não têm as mesmas imunidades dos Deputados. Eles têm apenas imunidade material e ainda com limitação territorial (dentro do Município). Os Vereadores não têm imunidade formal e nem foro por prerrogativa de função concedido pela Constituição Federal.

No caso apresentado no enunciado, é possível verificar a inaplicabilidade da imunidade parlamentar ao vereador.

Com efeito, o vereador encontrava-se de férias, fora do exercício do mandato e da circunscrição do município onde exerce a vereança.

Ademais, a imunidade parlamentar não é absoluta, e, portanto, não serve como escusa para a prática de crimes.

Nesse sentido, a jurisprudência:

Agravo. Penal e processo penal. Queixa-crime por difamação e injúria. Liberdade de expressão e imunidade parlamentar. Necessidade de vinculação com o exercício do mandato. Intuito manifestamente difamatório e injurioso das declarações do querelado. Doutrina e precedentes. Teoria funcional da imunidade parlamentar. Manifestações proferidas nas redes sociais. Provimento do recurso, com o recebimento da queixa-crime.
(Pet 8242 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 17-06-2022 PUBLIC 20-06-2022)

Nesse passo, cabível, mediante autorização judicial, busca e apreensão do aparelho celular, para apuração das infrações criminais.

A busca e apreensão encontra seu fundamento nas alíneas “e”, “f” e “h” do § 1º  do art. 240 do CPP:

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

(…)

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

(…)

h) colher qualquer elemento de convicção.

A busca deverá ser precedida de mandado, conforme determina o artigo 241 do Código de Processo Penal: Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

QUESTÃO 02. Determinado município fez editar a Lei XYZ para estruturar a sua guarda municipal, designando o respectivo órgão de polícia municipal e delimitando as atribuições de seus agentes, entre as quais:

I. a possibilidade de aplicar multas de trânsito previstas na legislação pertinente;

Il. a viabilidade de promover buscas domiciliares e pessoais.

Considerando que houve o questionamento da referida norma pelas vias pertinentes, responda, fundamentada e objetivamente, aos itens a seguir, à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

A) Entre as atribuições delimitadas pela mencionada norma local, indique qual pode ser apontada como exercício da polícia administrativa e qual pode ser indicada como da polícia judiciária.

B) Há previsão constitucional acerca da missão institucional da guarda municipal no âmbito do sistema brasileiro de segurança pública?

Justifique sua resposta atentando ainda para as seguintes questões:

B1) Tal previsão inclui como função precípua do órgão em análise a aludida atividade relacionada à polícia judiciária?

B2) E aquela atinente à polícia administrativa, é possível conferi-la à guarda municipal?

Comentários

A instituição de guarda municipal pelos municípios tem previsão expressa no artigo 144, §8º, da Constituição Federal: Art. 144 (…) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

A Lei nº 13.022/2014, que regulamentou o aludido dispositivo, ampliou essa interpretação prevendo que as guardas municipais possam colaborar de forma mais intensa com a segurança pública nas cidades, atuando em parceria com as Polícias Civil, Militar e Federal.

De acordo com o artigo 2º da referida lei, incumbe às guardas municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.

A competência das guardas municipais estão previstas nos arts. 4º e 5º da Lei nº 13.022/2014:

A competência geral vem prevista no artigo 4º, segundo o qual:

Art. 4º É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.

Parágrafo único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais

São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais, conforme o artigo 5º:

I – zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município;

II – prevenir e coibir infrações penais, administrativas ou atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;

III – atuar na proteção da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais;

IV – colaborar com os órgãos de segurança pública e de defesa civil;

V – colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem;

VI – exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;

VII – proteger o patrimônio ambiental, histórico, cultural e arquitetônico do Município;

VIII – garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;

IX – encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;

X – contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte;

XI – auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários;

XII – atuar mediante ações preventivas na segurança escolar.

A constitucionalidade da Lei nº 13.022/2014 foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 472, onde ficou assentado que: “É constitucional a Lei federal nº 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Essa lei não viola a autonomia dos municípios (art. 144, § 8º) e se limita a estabelecer critérios padronizados para a instituição, organização e exercício das guardas municipais. A lei constitui norma geral, de competência da União, que, além de tratar da organização das guardas municipais em todos os municípios do País, reconhece a prerrogativa dos entes municipais para criá-las ou não, por lei, e para definir sua estrutura e funcionamento. As guardas municipais podem exercer atividade fiscalizatória de trânsito e, consequentemente, a aplicação de multas previstas em lei, por significar fiel manifestação do poder de polícia. Ademais, revela-se legítimo o desempenho da atividade de segurança pública pelas guardas municipais”. STF. Plenário. ADI 5.780/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 01/7/2023 (Info 1101).

Por outro lado, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “A guarda municipal, por não estar entre os órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da CF, não pode exercer atribuições das polícias civis e militares. A sua atuação da guarda municipal deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município”. STJ. 6ª Turma. REsp 1977119-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/08/2022 (Info 746).

A possibilidade de aplicar multas de trânsito previstas na legislação pertinente está ligada à função de polícia administrativa, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme julgado acima mencionado.

Por outro lado, a viabilidade de promover buscas domiciliares e pessoais está relacionada à atuação da polícia judiciária, típica da polícia civil, que, conforme entendimento jurisprudencial, não pode ser exercida pelas guardas municipais.

QUESTÃO 03. Determinado município tem observado crescimento populacional rápido e intenso, com expressivos impactos urbanos. Tal fenômeno passou a incrementar a prática de crimes relacionados a imóveis, dando ensejo a operações policiais para o seu combate. A partir das diligências realizadas, identificou-se um grupo criminoso, chefiado por Alcebíades, com a colaboração de mais 3 indivíduos e estrutura organizada com delimitação dos papéis de cada membro. O grupo de Alcebíades se notabilizava por realizar loteamentos urbanos sem autorização dos órgãos competentes do município. A partir daí, realizavam vendas de lotes a terceiros, sem o devido Registro de Imóveis No cumprimento de mandado de busca e apreensão, foi arrecadada uma arma de fogo de uso permitido, sem o devido registro acompanhada de um estojo de munição intacto de propriedade de Alcebíades.

Foi identificado ainda um segundo grupo de criminosos, chefiado por Tenório, com 4 integrantes, também com estrutura organizada e a divisão de tarefas. A atividade do grupo consistia em ameaçar moradores de áreas rurais para que abandonassem seus locais de moradia que se concentravam em imóveis de posse precária, sem Registro de Imóveis, de modo que os criminosos poderiam ocupar os imóveis. Em uma das ocasiões, Tenório e seus comparsas espancaram um senhor de 62 anos que passou 10 dias hospitalizado em razão das lesões sofridas. O contexto narrado suscitou dúvida na autoridade policial sobre a devida capitulação de eventuais crimes plurissubjetivos no caso.

Com base no caso hipotético ora descrito, responda ao que se pede a seguir.

A) Identifique os delitos praticados pelo grupo de Alcebíades e pelo grupo de Tenório.

B) Apresente o conceito de crimes monossubjetivos e de crimes plurissubjetivos.

C) Estabeleça a distinção entre os tipos penais de associação criminosa, organização criminosa e constituição de milícia privada.

Comentários

A) o crime praticado por ambos os grupos é o crime de Organização Criminosa, previsto no artigo 2º da Lei n. 12.850/2013: Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Por sua vez, o artigo 1º, §1º, da Lei n. 12.850/2013 define o que é Organização Criminosa: § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Além disso, é possível apontar que o grupo de Alcebíades praticou o crime previsto no artigo 50 da Lei n. 6.766/1979, parágrafo único, inciso I:  Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.

I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

III – fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único – O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.

I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente.

B) Classificam-se os crimes quanto à necessidade ou não de mais de um sujeito ativo para sua configuração:

Crime unissubjetivo, monossubjetivo ou de concurso eventual: é aquele que pode ser praticado por apenas um indivíduo.

A doutrina aponta que este tipo de delito é que torna importante o estudo do concurso de pessoas, por não ser necessária a pluralidade de agentes para a própria configuração do delito. Crime plurissubjetivo ou de concurso necessário: é aquele cuja realização típica exige mais de um agente.

O crime plurissubjetivo se subdivide em:

Crime plurissubjetivo de condutas convergentes ou bilaterais: as condutas dos agentes devem se direcionar uma em direção à outra. Exemplo é o delito de bigamia. Também denominado de crime bilateral ou de encontro, como subespécie de crime de concurso necessário.

Crime plurissubjetivo de condutas paralelas: as condutas dos indivíduos devem atuar paralelamente, possibilitando a prática delitiva. É o caso da associação criminosa.

Crime plurissubjetivo de condutas contrapostas: as condutas dos agentes devem ir de encontro umas às outras, ou seja, se contraporem. É assim classificado o crime de rixa.

C) O crime de associação criminosa está previsto no artigo 288 do Código Penal:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

É imprescindível que haja a associação, de forma autônoma e estável, para a prática de crimes, e não a mera reunião de pessoas para o cometimento de um delito e voltada diretamente para a sua execução. A associação deve preceder o cometimento do(s) crime(s) para a sua configuração, com estabilidade e de forma autônoma, como se depreende de precedente do STF (AP 470 – EI décimos terceiros/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, Julgamento: 27/02/2014).

No tocante à organização criminosa, prevê o artigo 1º, §1º, da Lei n. 12.850/2013: Art. 1º, §1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

O crime de constituição de milícia privada está previsto no artigo 288-A do Código Penal, nos seguintes termos:

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

Referido delito foi acrescentado pela Lei 12.720, de 27 de setembro de 2012. Possui como ações nucleares os seguintes verbos: constituir (estabelecer, formar); organizar (estruturar, coordenar); integrar (fazer parte); manter (fazer perdurar, sustentar) e custear (prover as despesas, financiar o funcionamento). Cuida-se de tipo penal misto alternativo. A conduta incriminada é constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal.

PEÇA PRÁTICA. 

No dia 10 de janeiro de 2024, no Município Alfa, Estado de Santa Catarina, João e Caio, policiais militares, realizavam patrulhamento de rotina no âmbito do setor Beta, ocasião em que visualizaram duas pessoas paradas em frente a uma grande fábrica de automóveis, em pleno funcionamento.

Ao se aproximarem com a viatura, os policiais verificaram que um dos indivíduos portava um rádio comunicador, enquanto o outro estava com uma sacola em mãos. Ato contínuo, ao vislumbrarem a presença da guarnição, os agentes tentaram se evadir. Caio imediatamente alcançou um dos agentes, Tício, maior e capaz, arrecadando cento e cinquenta pinos de pó branco, semelhante à cocaína, além de noventa reais em espécie, em notas variadas, e um revólver calibre .38 devidamente municiado.

João, por sua vez, durante a perseguição ao outro agente, Mévio, visualizou o momento em que este desferiu um golpe na cabeça de Jeferson, motociclista, derrubando-o. Em seguida, o indivíduo subiu na motocicleta e, após andar menos de dez metros, acabou caindo, por não saber conduzi-la. Assim, Mévio, maior e capaz, foi capturado. Em revista pessoal, o agente da lei localizou um rádio comunicador, na frequência do tráfico local, uma pistola calibre 9mm, devidamente municiada, cem reais em espécie, em notas variadas, e um caderno contendo anotações atinentes à contabilidade de atos de traficância, caderno este que fazia referência a Tício e a Mévio como vapores da facção criminosa PGC.

Nesse contexto, Tício e Mévio – juntamente com os bens arrecadados e com todos os envolvidos – foram conduzidos à Delegacia de Polícia.

Em sede distrital, Jeferson confirmou os fatos narrados, acrescentando que, para além da motocicleta, o agente subtraiu a sua carteira e o telefone celular de sua esposa, bens que estavam em seu bolso direito. Aduziu, ainda, que a motocicleta sofreu sérios danos e que logrou recuperar prontamente todos os seus pertences. Diante disso, por derradeiro, informou que os ferimentos sofridos no evento eram de natureza leve, tornando-se prescindível atendimento médico-hospitalar. Em seguida, Jeferson reconheceu Mévio como o autor do delito contra ele perpetrado, observando as formalidades legais.

Por sua vez, João e Caio ratificaram a narrativa supracitada, acrescentando que Tício e Mévio são conhecidos integrantes da facção criminosa que domina a localidade.

Ato contínuo, por ocasião do interrogatório policial, Tício negou os fatos, afirmando que sequer conhece Mévio e que os policiais acabaram por forjar o flagrante, para prejudicá-lo, por ostentar passagens anteriores no âmbito da Justiça Criminal. Disse, contudo, que já cumpriu as penas, não mais dispondo de qualquer envolvimento com atividades ilícitas. Afirmou, por fim, que caminhava pela localidade, sendo abordado e revistado sem qualquer motivo legítimo para tanto.

Mévio, por outro lado, aduziu que é usuário de drogas e que somente falará sobre o ocorrido em juízo.

Observa-se, à luz das respectivas Folhas de Antecedentes Criminais, que Tício tem condenações definitivas, caracterizadoras de reincidência, pela prática dos crimes de extorsão e de furto qualificado. Por sua vez, Mévio é réu em persecuções penais em andamento, no âmbito das quais se apuram os crimes de homicídio e de estelionato.

Consta dos autos o laudo prévio de entorpecentes, atestando a natureza do material arrecadado: sessenta gramas de cloridato de cocaína, na forma de cocaína, acondicionados em cento e cinquenta pinos, com as inscrições “PÓ DE 5 – PGC” e “PÓ DE 10 – PGC”.

À luz do caso concreto posto, apresente, na qualidade de Delegado de Polícia, a peça jurídica cabível para a conclusão do procedimento.

Enfrente todos os pontos de direito material e de direito processual explícita e implicitamente abordados no enunciado da questão.

Comentários

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Núcleo de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

RELATÓRIO FINAL COM  REPRESENTAÇÃO PARA CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA

Referência: Autos do Inquérito Policial nº___ /____ – __ª DP.

Trata-se de Inquérito Policial instaurado por meio de auto de prisão em flagrante, para apurar os crimes previstos no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 16, caput,  da Lei n. 10.826/2003, em concurso material, praticado por Tício, já qualificado, bem como no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, artigo 16, caput, da Lei n. 10.826/2003 e artigo 157, caput, do Código Penal, em concurso material, praticado por Mévio, já qualificado, no dia 10 de janeiro de 2024, no Município Alfa.

No dia 10 de janeiro de 2024, no Município Alfa, Estado de Santa Catarina, João e Caio, policiais militares, realizavam patrulhamento de rotina no âmbito do setor Beta, ocasião em que visualizaram duas pessoas paradas em frente a uma grande fábrica de automóveis, em pleno funcionamento.

Ao se aproximarem com a viatura, os policiais verificaram que um dos indivíduos portava um rádio comunicador, enquanto o outro estava com uma sacola em mãos. Ato contínuo, ao vislumbrarem a presença da guarnição, os agentes tentaram se evadir. Caio imediatamente alcançou um dos agentes, Tício, maior e capaz, arrecadando cento e cinquenta pinos de pó branco, semelhante à cocaína, além de noventa reais em espécie, em notas variadas, e um revólver calibre .38 devidamente municiado.

João, por sua vez, durante a perseguição ao outro agente, Mévio, visualizou o momento em que este desferiu um golpe na cabeça de Jeferson, motociclista, derrubando-o. Em seguida, o indivíduo subiu na motocicleta e, após andar menos de dez metros, acabou caindo, por não saber conduzi-la. Assim, Mévio, maior e capaz, foi capturado. Em revista pessoal, o agente da lei localizou um rádio comunicador, na frequência do tráfico local, uma pistola calibre 9mm, devidamente municiada, cem reais em espécie, em notas variadas, e um caderno contendo anotações atinentes à contabilidade de atos de traficância, caderno este que fazia referência a Tício e a Mévio como vapores da facção criminosa PGC.

Em sede distrital, ciente de seus direitos constitucionais,  Jeferson confirmou os fatos narrados, acrescentando que, para além da motocicleta, o agente subtraiu a sua carteira e o telefone celular de sua esposa, bens que estavam em seu bolso direito. Aduziu, ainda, que a motocicleta sofreu sérios danos e que logrou recuperar prontamente todos os seus pertences. Diante disso, por derradeiro, informou que os ferimentos sofridos no evento eram de natureza leve, tornando-se prescindível atendimento médico-hospitalar. Em seguida, Jeferson reconheceu Mévio como o autor do delito contra ele perpetrado, observando as formalidades legais.

Tício negou os fatos, afirmando que sequer conhece Mévio e que os policiais acabaram por forjar o flagrante, para prejudicá-lo, por ostentar passagens anteriores no âmbito da Justiça Criminal. Disse, contudo, que já cumpriu as penas, não mais dispondo de qualquer envolvimento com atividades ilícitas. Afirmou, por fim, que caminhava pela localidade, sendo abordado e revistado sem qualquer motivo legítimo para tanto.

Mévio, por outro lado, aduziu que é usuário de drogas e que somente falará sobre o ocorrido em juízo.

Foram apreendidos os seguintes objetos:

1) cento e cinquenta pinos de pó branco, semelhante à cocaína, fato constatado posteriormente no Instituto de Criminalística;

2) noventa reais em espécie;

3) revólver calibre .38 devidamente municiado;

4) rádio comunicador;

5) pistola calibre 9mm, devidamente municiada;

6) cem reais em espécie;

7) caderno contendo anotações atinentes à contabilidade de atos de traficância.

8) carteira, celular e motocicleta, devidamente recuperados.

Consta dos autos o laudo prévio de entorpecentes, atestando a natureza do material arrecadado: sessenta gramas de cloridato de cocaína, na forma de cocaína, acondicionados em cento e cinquenta pinos, com as inscrições “PÓ DE 5 – PGC” e “PÓ DE 10 – PGC”.

A (s) substância (s) apreendida (s) é(são) capaz (es) de causar (em) dependência física e psíquica e está(ão) proscrita (s) no país, posto que incluída (s) na Portaria nº 344/98, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

A quantidade, natureza da droga e circunstâncias da prisão indicam que não se tratava de mera posse para uso próprio, sobretudo diante da apreensão de rádios comunicadores, na frequência do tráfico local e cadernos com anotações de tráfico.

Após a lavratura do auto de prisão, Tício e Mévio foram recolhidos à Carceragem, onde aguardaram a realização da Audiência de Custódia.

No exercício do juízo provisório de tipicidade, tendo em vista a quantidade de droga apreendida, o subscritor deste os autuou por tráfico de drogas.

Assim, exauridas as diligências no âmbito da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, a Autoridade Policial ao final firmada se coloca à disposição de Vossa Excelência, bem como do Ilustre Magistrado com competência para julgar o feito, para esclarecimentos necessários e diligências imprescindíveis para a conclusão do caderno investigatório, se for realmente o caso.

Ademais, com fulcro nos artigos 311, 312 e 313, todos do Código de Processo Penal, diante dos fatos apurados no caderno investigatório em epígrafe vem à presença de Vossa Excelência, representar pela conversão da prisão em flagrante em preventiva de Tício e Mévio.

Tício é reincidente e ostenta mais de uma condenação definitiva. Por sua vez, Mévio é réu em persecuções penais em andamento nas quais se apuram os crimes de homicídio e estelionato.

No Processo Civil, os requisitos para uma ação cautelar são os seguintes: o fumus boni juris e o periculum in mora. Eles mostram que para ocorrer a prestação jurisdicional antecipada, o juiz tem de se convencer de que há a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”. No Processo Penal, vários doutrinadores fizeram uma analogia diante dos institutos mencionados, para se mostrar como eles funcionariam neste ramo do Direito. Em matéria de prisão preventiva devem estar presentes os seguintes requisitos: fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

No fumus comissi delicti (pressupostos) deve haver a existência de crime e indícios de autoria. No caso em tela, temos a comprovação da existência dos delitos narrados por conta dos termos de apreensão e restituição dos bens das vítimas, além da viatura militar alvejada.

Para haver o periculum libertatis é necessária a presença de um dos seguintes fundamentos: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal.

No caso em comento, os autores Tício e Mévio foram presos em flagrante e são conhecidos na região por atuarem no tráfico de drogas. Mévio também foi reconhecido pela vítima do roubo.

Assim, presentes os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, imperativo se revela a segregação cautelar do representado, para se garantir a ordem pública e principalmente a credibilidade da Justiça.

O Princípio da Atualidade, inserido no Código de Processo Penal com o Pacote Anticrime, e que está relacionado com a “provisionalidade”, diz que para que uma prisão preventiva seja decretada, é necessário que o periculum libertatis seja atual, presente, não passado e tampouco futuro e incerto. A “atualidade do perigo” é elemento fundante da “natureza” cautelar.

Como se vislumbra pela leitura do auto de prisão em flagrante, os indiciados continuam sua empreitada criminosa.

O art. 311 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o momento da persecução penal em que é possível a decretação da prisão preventiva, e quais são os legitimados para o requerimento ou representação da detenção cautelar em comento, teve a redação alterada pela Lei Anticrime:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

De antemão, verifica-se que o legislador suprimiu a expressão de “ofício” do dispositivo em comento, impossibilitando que o Magistrado decrete a prisão preventiva sem provocação dos legitimados.

Antes de adentrarmos no assunto, cumpre ressaltar que o art. 310 do CPP também sofreu alterações provocadas pela Lei Anticrime:

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei n. 12.403, de 2011).

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

(…)

§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

(…)

Pela leitura dos autos, verifica-se que Tício é reincidente, fazendo com que Vossa Excelência não possa conceder a liberdade provisória com ou sem fiança, modalidade conhecida como proibida ou negada, apesar da imensa maioria da doutrina sustentar sua inconstitucionalidade.

Além disso, Mévio está sendo investigados por homicídio e estelionato, o que recomenda que seja recolhido para evitar que pratique novos crimes.

Vale lembrar que a Lei 12.403/11 já havia alterado o art. 311 do CPP, possibilitando que o Juiz decretasse de ofício a prisão preventiva apenas no curso da ação penal, impedindo-o de decretá-la, sem provocação do legitimado, no curso do inquérito policial.

Diante das alterações promovidas pela Lei Anticrime nos arts. 310 e 311 do CPP, o Delegado de Polícia, que presidiu o auto de prisão em flagrante, ou o Órgão Ministerial, com atribuição para oficiar no feito, devem, respectivamente, representar ou requerer a prisão preventiva do indiciado, uma vez que o Juiz, que preside a audiência de custódia, está impedido de decretá-la de ofício, ou seja, sem a provocação dos legitimados.

Em um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que era possível a conversão pelo juiz, de ofício, do flagrante em prisão preventiva, porém o entendimento foi alterado mais recentemente.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 590039, alterou entendimento e anulou a conversão de ofício da prisão em flagrante para preventiva

O Ministro do STF Edson Fachin concedeu “writ” de “habeas corpus” a um homem que teve a prisão em flagrante convertida em preventiva, sem que o juiz fosse provocado por um dos legitimados, no HC 193.053 – MG.

Tendo em vista que Vossa Excelência não pode decretar de ofício a prisão preventiva, o Delegado de Polícia vem representar pela conversão do flagrante em preventiva.

Diante das razões de fato e de direito expostas, a Autoridade Policial ao final firmada representa pela conversão da prisão em flagrante de Tício e Mévio em prisão preventiva, com encaminhamento dos autos devidamente relatados no prazo legal, a contar do dia em que se executar a ordem de prisão. 

Local, data, ano.

Delegado de Polícia Civil

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