Kopenhagen x Cacau Show: de quem é a exclusividade da “Língua de Gato”?

Kopenhagen x Cacau Show: de quem é a exclusividade da “Língua de Gato”?

Recentemente, o direito marcário brasileiro enfrentou um embate significativo entre duas gigantes do setor de chocolates finos: Kopenhagen e Cacau Show, revelado através de decisões judiciais.

Isto porque, a disputa centrou-se em torno da possibilidade de uma empresa registrar e obter exclusividade sobre termos que descrevem características ou formatos de produtos, especificamente a expressão “Língua de Gato”.

Nessa linha, o caso ganhou notoriedade por questionar os limites do sistema de propriedade industrial no Brasil, especialmente quanto à proteção de expressões que. Embora associadas a uma marca específica ao longo do tempo, tais expressões podem ser consideradas de uso comum ou genéricas para determinado segmento de mercado.

Em síntese, a controvérsia começou quando a Cacau Show (AllShow Empreendimentos e Participações Ltda.) ingressou com ação judicial visando anular os registros nominativos nº 906.413.478 e nº 906.413.966 da marca “Língua de Gato”, concedidos pelo INPI à NIBS Participações S.A. (Kopenhagen), argumentando que tal expressão seria descritiva, de uso comum e, portanto, não passível de apropriação exclusiva por uma única empresa.

O que decidiu o juiz?

Em breve síntese, o fundamento da decisão encontra-se principalmente no artigo 124, inciso VI, da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), que estabelece:

"Não são registráveis como marca: VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, quantidade e época de produção ou de prestação de serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva."

Ora, a 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro, reconheceu que comumente se utiliza o termo “Língua de Gato” para designar chocolates em formato oblongo e achatado, caracterizando-se como expressão descritiva e de uso comum no mercado. Dessa forma, não se poderia apropriá-lo exclusivamente como marca nominativa.

Outras fundamentações

Ademais, durante o processo, houve a apresentação de diversas evidências que demonstraram o uso generalizado da expressão “Língua de Gato” no mercado de chocolates:

  1. Dicionário Aulete Digital – define-se a expressão “Língua de Gato” como “pequeno biscoito ou barrinha de chocolate de forma achatada e oblonga à semelhança da língua dos gatos”. Isso demonstra seu caráter descritivo.
  2. Uso por concorrentes – ficou comprovado que, antes de 2016, além do próprio grupo econômico da Kopenhagen, pelo menos outros cinco concorrentes (incluindo Nugali, Lugano, Araucária, Barion e produtos vendidos pelo Pão de Açúcar) comercializavam chocolates sob a denominação “Língua de Gato”.
  3. Origem histórica – o chocolate “Língua de Gato” foi criado em 1892, em Viena, pela chocolateria austríaca “Küfferle”, sendo denominado “KATZENZUGEN” em alemão. Sua variante em português é uma mera tradução de termos já utilizados internacionalmente.
  4. Uso descritivo pela própria Kopenhagen – a própria Kopenhagen utilizava a expressão de forma descritiva em suas embalagens e marketing, referindo-se ao formato do chocolate.

Distintividade adquirida (secondary meaning)?

A Kopenhagen argumentou que, mesmo que a expressão “Língua de Gato” fosse originalmente descritiva, teria adquirido distintividade pelo uso prolongado (secondary meaning). Este argumento foi rejeitado pela magistrada, uma vez que:

  1. Não houve comprovação suficiente desta distintividade adquirida nos autos.
  2. A pesquisa apresentada pela Kopenhagen foi considerada metodologicamente inadequada.
  3. Uma pesquisa do Instituto Datafolha demonstrou que a maioria dos consumidores considerava “Língua de Gato” simplesmente um tipo de chocolate (57%). Dessa forma, evidencia-se a ausência de distintividade da expressão como marca exclusiva.

Distinção entre marcas mistas e nominativas

Vale salientar que um ponto interessante do caso foi a distinção entre as marcas mistas (que combinam elementos verbais e figurativos) e as marcas nominativas (formadas apenas por palavras). A decisão não questionou os registros de marcas mistas da Kopenhagen que continham a expressão “Língua de Gato” associada a outros elementos, mas apenas a apropriação exclusiva da expressão verbal isolada.

Conforme destacado na sentença:

"É fato comprovado que a ré tem como um de seus principais produtos o chocolate do tipo 'Língua de Gato'.

A partir dele, criou diversas marcas mistas compostas por este elemento nominativo, mas também por outros elementos gráficos que conferem aos conjuntos-imagem distintividade, possibilitando seu registro.

Por outro lado, a expressão de uso comum isoladamente não pode ser apropriada."

Além disso, podemos citar outros casos julgados pela jurisprudência do STJ:

Caso concreto: STJ entendeu que os elementos nominativos da marca “ROSE & BLEU” não alcançam distintividade suficiente para serem registrados como marca de uso exclusivo. Isso porque, além de tratarem de signos referentes a cores, que não são registráveis, configuram expressão sugestiva que possui laço conotativo com a atividade comercial desempenhada pela empresa (comércio de roupas infantis).

Fundamento: art. 124, incisos VI e VIII, da Lei de Propriedade Industrial:

Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) VI sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva; (...) VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;

STJ. 4ª Turma. REsp 1339817-RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/10/2022 (Informativo 753).
Marcas “fracas”, evocativas, descritivas ou sugestivas: são aquelas que apresentam baixo grau de distintividade, por se constituírem a partir de expressões que remetem à finalidade, natureza ou características do produto ou serviço por elas identificado. São formadas, portanto, por expressões de uso comum de pouca originalidade. Ex: “American Airlines” (empresa de serviços de transporte aéreo).

Em caso de marcas evocativas ou sugestivas, a exclusividade conferida ao titular do registro comporta mitigação, devendo ele suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Ex: “American Airlines” teve que aceitar outra marca registrada como “America Air” (empresa brasileira que atua como táxi aéreo). Isso porque no caso de uso de marcas evocativas ou descritivas, a anterioridade do registro não justifica o uso exclusivo de uma expressão dotada de baixo vigor inventivo.

A “American Airlines” buscou anular o registro da marca nominativa “America Air” invocando a teoria da “distintividade adquirida” (significação secundária ou secondary meaning). O fenômeno da distintividade adquirida ocorre quando um signo de caráter comum, descritivo ou evocativo foi utilizado durante tanto tempo, alcançando tantas pessoas que passou a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca.

O STJ não acolheu a tese. Diante do fato de as duas marcas serem evocativas e considerando que as empresas prestam serviços distintos (não tendo sido constatada a possibilidade de confusão junto ao público) inexiste qualquer razão jurídica que justifique a declaração de nulidade do registro marcário da “America Air”.

STJ. 3ª Turma. REsp 1773244/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Informativo 646).

O que disse o Tribunal Regional Federal?

Por fim, vale ressaltar que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por sua 2ª Turma Especializada, confirmou por unanimidade, em abril de 2025, a decisão de primeira instância.

Propriedade

Nessa linha, o colegiado rejeitou o recurso interposto pela Kopenhagen e acolheu o recurso da Cacau Show, reforçando o entendimento de que a expressão “Língua de Gato” é de uso comum e não seria possível apropriar-se dela com exclusividade.

Lado outro, a decisão também destacou que, ao obter exclusividade para o uso do elemento nominativo “Língua de Gato”, a Kopenhagen passou a notificar extrajudicialmente seus concorrentes, impedindo-os de utilizar a expressão mesmo de forma meramente descritiva, caracterizando potencial prática anticoncorrencial.

Verdade que esse tema sobre Propriedade Industrial cairá em provas. Não há duvidas. Pende apenas de confirmação pelo STJ.

Como o tema já caiu em provas

TRF - 4ª REGIÃO - 2016 - TRF - 4ª REGIÃO - Juiz Federal Substituto

Marcas fracas ou evocativas, constituídas por expressões comuns ou genéricas, não possuem o atributo da exclusividade, podendo conviver com outras semelhantes. (Certo)

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