STF confirma a constitucionalidade de norma estadual que proíbe a rinha de galo, em julgamento da ADI 7056. Decisão reforça proteção animal e combate à crueldade, assegurando validade de leis estaduais contra práticas de rinhas.
A prática da rinha de galo: Tradição e Controvérsias
A rinha de galo é uma prática tradicional em que dois galos são colocados para lutar até que um deles seja derrotado, normalmente resultando em ferimentos graves ou na morte de um dos animais.
Historicamente, essa atividade foi considerada um esporte em diversas regiões do Brasil e do mundo, tendo raízes culturais profundas em algumas comunidades.
No entanto, o debate sobre a legalidade e a moralidade dessa prática tem se intensificado ao longo das últimas décadas, principalmente devido às crescentes preocupações com os direitos dos animais e as leis de proteção ambiental.
Conflito Jurídico: Cultura vs. Proteção Animal
No Brasil, o conflito jurídico acerca da rinha de galo envolve a aplicação da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que proíbe os maus-tratos a animais, incluindo atividades como a rinha.
A questão principal que surge é se a prática pode ser protegida como parte do patrimônio cultural de algumas regiões ou se ela deve ser banida por ferir os princípios constitucionais que vedam o tratamento cruel aos animais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou diversas vezes sobre o tema, considerando a prática inconstitucional em diversas ocasiões, destacando a proibição de crueldade contra qualquer espécie animal, conforme o artigo 225 da Constituição Federal.
Nesse sentido, o tema foi trazido à tona novamente no informativo 1152 do STF.
Isto é, o STF formou maioria para manter a validade da lei 12.854/03, de Santa Catarina, que prevê multas para os envolvidos em eventos ilícitos de maus-tratos a animais, como as rinhas de galos. O julgamento da ADIn foi proposto pela Anacom – Associação Nacional dos Criadores e Preservadores de Aves de Raça Combatentes.
O voto do Relator: Constitucionalidade da Lei Estadual de Santa Catarina
Primeiramente, vamos entender o inteiro teor do voto do Relator.
O voto do Ministro Dias Toffoli na ADI 7.056/SC abordou a constitucionalidade de uma lei estadual de Santa Catarina que pune participantes de rinhas de galo.
Em outras palavras, perceba que o tema toca em pontos importantes do direito constitucional e ambiental brasileiro, especialmente no que diz respeito à proteção dos animais contra a crueldade.
Inicialmente, o ministro analisou a legitimidade da Associação Nacional dos Criadores e Preservadores de Aves de Raça Combatentes (ANACOM) para propor a ação. Ele concluiu que a associação tinha, de fato, legitimidade, pois representa uma categoria específica em âmbito nacional e seus objetivos estão diretamente relacionados com o tema da lei questionada.
Análise da constitucionalidade formal da lei estadual
Desse modo, entrando no mérito da questão, Toffoli examinou tanto a constitucionalidade formal quanto a material da lei estadual.
No aspecto formal, ele destacou que a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 24, inciso VI, “a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.
Além disso, o artigo 23, inciso VI, determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Dessa forma, com base nesses dispositivos constitucionais, o ministro concluiu que o Estado de Santa Catarina estava dentro de sua competência ao criar uma lei que protege os animais e pune práticas crueis como as rinhas de galo.
Ademais, ele ressaltou que a lei estadual não conflita com as normas gerais estabelecidas pela União, mas as complementa, o que é perfeitamente aceitável no sistema constitucional brasileiro.
Isto é, quanto à constitucionalidade material, Toffoli baseou sua análise no artigo 225 da Constituição Federal, que em seu parágrafo 1º, inciso VII, estabelece:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade."
Precedentes do STF: Proteção da fauna e a vedação da crueldade
O ministro lembrou que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou diversas vezes sobre a inconstitucionalidade de leis que permitiam ou regulamentavam rinhas de galo. Ele citou, por exemplo, a ADI 1.856, relatada pelo Ministro Celso de Mello, cuja ementa afirma:
“A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da ‘farra do boi’ (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico.”
Assim, diante desses precedentes, Toffoli concluiu que a lei de Santa Catarina, ao proibir e punir as rinhas de galo, está em perfeita consonância com a Constituição Federal e com a jurisprudência do STF.
Curiosidade
Além disso, um ponto crucial do voto foi a interpretação do dispositivo questionado pela ANACOM. A associação argumentava que a lei puniria criadores de galos apenas por criá-los, mesmo sem participar de rinhas.
Por outro lado, o ministro discordou dessa interpretação, explicando que a lei só pune criadores que estejam “envolvidos” nas rinhas, não aqueles que criam galos para fins legítimos.
Portanto, para chegar a essa conclusão, Toffoli analisou o texto da lei e a intenção do legislador, expressa nos documentos do processo legislativo. Ele citou o artigo 30, § 3º, da Lei nº 12.854/2003 de Santa Catarina, com a redação dada pela Lei nº 18.116/2021:
"§ 3º Incorre nas mesmas multas os participantes envolvidos no evento, neles incluídos o(s) organizador(es), proprietário(s) do local, dono(s), criador(es), adestrador(es) ou treinador(es) e comerciante(s) dos respectivos animais, e os seus espectadores, bem como o(s) praticante(s) de zoofilia, independentemente da responsabilidade civil e penal individualmente imputável a cada qual."
Diante disto, o ministro argumentou que a expressão “participantes envolvidos no evento” deixa claro que a punição se aplica apenas àqueles que efetivamente participam das rinhas, não a todos os criadores de galos indiscriminadamente.
Assim, em conclusão, o Ministro Toffoli votou pela improcedência da ação, mantendo a validade da lei estadual. Ele considerou que a lei é constitucionalmente válida, tanto na forma quanto no conteúdo, e que ela cumpre o papel de proteger os animais contra a crueldade, conforme determina a Constituição Federal.
Este voto foi acompanhado unanimemente pelos demais ministros do STF, reafirmando a posição da Corte contra práticas que submetam animais à crueldade e reconhecendo a competência dos estados para legislar sobre proteção ambiental e animal, desde que em consonância com as normas gerais estabelecidas pela União.
Além disso, vale salientar que segundo a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a rinha de galo é enquadrada como crime de maus-tratos a animais.
Nessa linha, o artigo 32 desta lei prevê pena de detenção de três meses a um ano, além de multa, para quem praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais, silvestres ou domésticos.
Vamos aprofundar um pouco mais
Vale salientar que o STF já disse que a vaquejada seria “inconstitucional”:
É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.
Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta prática sofrem tratamento cruel, razão pela qual esta atividade contraria o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.
A crueldade provocada pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade cultural, não possa ser permitida.
A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1º do art. 225 da CF/88, que veda práticas que submetam os animais à crueldade.
STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016 (Info 842).
Entretanto, o Congresso Nacional, através da EC 96/2017 fez um exemplo do que a doutrina constitucionalista denomina de “efeito backlash”.
Em outras palavras, efeito backlash consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas (em geral, do parlamento) diante de uma decisão liberal do Poder Judiciário em um tema polêmico.
Resta saber, no entanto, como o STF entenderá o tema após o backlash, considerando que essa primeira decisão foi extremamente apertada.
O Congresso Nacional legitimou a validade da vaquejada.
Outros casos na jurisprudência do STF em que houve a tensão meio ambiente x manifestação cultural
Caso “Farra do Boi”
Pretendia-se a proibição, no Estado de Santa Catarina, da denominada “Festa da Farra do Boi”.
Aqueles que defenderam a manutenção afirmaram ser uma manifestação popular, de caráter cultural, entranhada na sociedade daquela região.
Os que a impugnaram anotaram a crueldade intrínseca exercida contra os animais bovinos, que eram tratados “sob vara” durante o “espetáculo”.
O STF declarou a prática inconstitucional:
A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado “farra do boi”.
STF. 2ª Turma. RE 153531, Relator(a) p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/1997.
Como o tema já caiu em concursos:
FGV – 2021 – DPE-RJ – Defensor Público
João, inconformado com o término do relacionamento amoroso, decide publicar em sua rede social vídeos de cenas de nudez e atos sexuais com Maria, que haviam sido gravados na constância do relacionamento e com o consentimento dela. João publicou tais vídeos com o objetivo de chantagear Maria para que ela permanecesse relacionando-se com ele. Maria não consentiu tal publicação e, visando à remoção imediata do conteúdo, notifica extrajudicialmente a rede social. A notificação foi recebida pelos administradores da rede social e continha todos os elementos que permitiam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade.
Considerando o caso concreto, é correto afirmar que:
a) o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por João se descumprir ordem judicial específica, de modo que o conteúdo sob exame só pode ser removido mediante decisão judicial, sendo ineficaz a notificação de Maria para fins de responsabilização do provedor;
b) não haverá responsabilidade civil do provedor de aplicações de internet pelo fato de o conteúdo ter sido gerado por terceiro, incidindo o fato de terceiro como excludente do nexo de causalidade;
c) somente João, autor da conduta de postar, pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados a Maria, respondendo mediante o regime objetivo de responsabilidade civil, considerando o grave dano à dignidade da pessoa humana e seus aspectos da personalidade, sobrelevando-se a importância de ampliação da tutela da mulher vítima do assédio sexual online;
d) o provedor de aplicações de internet será responsabilizado subsidiariamente pelos danos sofridos por Maria quando, após o recebimento de notificação, deixar de promover a indisponibilização do conteúdo de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço;
e) o provedor de aplicações de internet responderá objetivamente pelos danos causados a Maria e, ainda, solidariamente com João, deflagrando-se o dever de indenizar a partir do imediato momento em que João postou o material ofensivo.
Gabarito: Letra D
Fontes:
- JUS NAVIGANDI. A inconstitucionalidade da “Rinha do Galo”. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29313. Acesso em: 09 out. 2024.
- UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (OJS UEL). Revista do Direito Público, Londrina, v.10, n.3, p.91-118, set./dez. 2015. Disponível em: http://www.ojs.uel.br. Acesso em: 09 out. 2024.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!