* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.
Entenda o caso
O jogador de futebol do Barcelona e da seleção espanhola, Lamine Yamal, poderá sofrer com medidas judiciais e sociais que serão adotadas pela Associação de Pessoas com Acondroplasia e Outras Displasias Esqueléticas com Nanismo por, suspostamente, ter contratado pessoas com nanismo para participar de atividades de entretenimento em seu aniversário de 18 anos1.
Conforme noticiado2, o Ministério dos Direitos Sociais solicitou ao Ministério Público da Espanha uma investigação da festa de aniversário do jogador para verificar eventual violação da lei da deficiência, que proíbe espetáculos que ridicularizam ou difamam pessoas com deficiência.
Segundo a ADEE, em nota oficial, "Hoje veio à tona que, durante as comemorações do aniversário do jovem jogador de futebol Lamine Yamal, figura de destaque do futebol espanhol, várias pessoas com nanismo foram contratadas para participar de atividades de entretenimento, sem outro propósito senão servir de atração e espetáculo. Para a Associação, esse tipo de prática é inaceitável, pois perpetua estereótipos, alimenta a discriminação e prejudica a imagem e os direitos das pessoas com nanismo e de toda a comunidade de pessoas com deficiência"3.
Precedente paradigmático
Vejamos o clássico exemplo envolvendo o arremesso de anões. Exemplo interessante é lembrado por FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson, Curso de Direito Civil I – Parte Geral, 2013, p. 182:
“Bem ilustra a hipótese, o interessante acórdão prolatado pelo Conselho Constitucional da França, no célebre caso do ‘arremesso de anões’. Trata-se de um importante precedente da justiça francesa, cuidando de um estranho jogo, no qual anões eram lançados à distância, com o auxílio de um canhão de pressão. Insurgindo-se contra decretos das prefeituras dos locais onde o jogo era praticado, proibindo a diversão pública, os promotores do jogo ingressaram com medidas judiciais tendendo à liberação do certame. E Manuel Wackenheim4, um anão com pouco mais de um metro e quatorze centímetros de altura, se habilitou como litisconsorte da demanda. Confirmando a vedação administrativa, a Casa Judicial francesa reconheceu que o “respeito à dignidade humana, conceito absoluto que é, não poderia cercar-se de quaisquer concessões em função de apreciações subjetivas que cada um possa ter a seu próprio respeito. Por sua natureza mesma, a dignidade da pessoa humana está fora do comércio”.
Posteriormente, o caso chegou à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a qual julgou “que a decisão não era discriminatória aos anões, estabelecendo que o banimento do arremesso não era abusivo, e sim necessário para manter a ordem pública, fazendo ainda considerações a respeito da dignidade humana”5.
Análise Jurídica

É a forte conexão com a ideia de dignidade que irá justificar a fundamentalidade de um direito. Ou seja, teremos um direito fundamental quando o direito representar uma forte e relevante concretização da dignidade. Assim, forma-se uma categoria especial de direitos subjetivos.
Entretanto, de acordo com a doutrina majoritária, os direitos do homem, que possuem um cunho jusnaturalista, estariam relacionados aos direitos que podem ser exigidos independentemente de positivação, pois possuem um caráter atemporal, ou seja, existindo em qualquer época ou local.
Por seu turno, a partir do momento em que determinados direitos passam a ser positivados no ordenamento jurídico interno de determinado país, utiliza-se a expressão direitos fundamentais.
Por fim, quando a positivação de tais direitos transborda o ordenamento jurídico interno e passam a ser positivados em tratados internacionais, utiliza-se a expressão direitos humanos.
A doutrina diverge acerca do fundamento filosófico dos direitos humanos, notadamente em torno de duas correntes. A corrente positivista ressalta que os direitos fundamentais retiram seu fundamento do próprio direito positivo. Não aceitam o direito natural como fonte de direitos, pois não saem do plano da metafísica, sendo apenas declarações de caráter moral, sem condições de serem cobrados do Estado. Por seu turno, a corrente jusnaturalista possui fundamentação na dignidade da pessoa humana, sendo certo que os direitos humanos seriam inerentes à natureza humana, independente de positivação do Estado. Aqui, destaco a conhecida expressão de Hannah Arendt, com a ideia de “direito a ter direitos”.
Avançando, entraremos nas características dos Direitos Fundamentais, dentre as quais destacamos a historicidade, universalidade, relatividade ou limitabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e a irrenunciabilidade. No ponto, iremos focar nossa atenção na última característica apresentada.
Isso porque, conforme a doutrina, os direitos fundamentais não podem ser renunciados. Porém, isso não se confunde com o seu não exercício. Assim, eventualmente, um indivíduo poderá não exercer o seu direito fundamental, o que não se confunde com a irrenunciabilidade, conforme ocorre, por exemplo, com o direito à intimidade nos denominados “reality shows”. Entrementes, a doutrina aponta que o seu não exercício somente poderá ocorrer desde que não exista violação da dignidade da pessoa humana, o que justificaria a proibição do arremesso de anões, uma vez que existiria a violação da dignidade das pessoas com nanismo como um todo, independentemente de visões subjetivas sobre o tema.
Por fim, destaca-se que o tema é controvertido, notadamente diante da relatividade dos direitos fundamentais (possibilidade de os direitos fundamentais sofrerem limitações). Ademais, destaca-se que Manuel Wackenheim desejava seu emprego na casa noturna francesa, destacando que “ele alegava que finalmente tinha um emprego, amigos, salário e gorjetas e que se sentia parte da sociedade e que se mantivesse a proibição ele teria que voltar para a vida de antes dele, a qual ele se sentia abandonado e invisível, sem emprego fixo, ele não se sentia parte da sociedade”6.
Vamos aguardar os desdobramentos do caso. Se inscrevem no canal do Estratégia Carreiras Jurídicas para se manter sempre bem-informado!
- Disponível em https://www.espn.com.br/futebol/barcelona/artigo/_/id/15428053/anoes-festa-aniversario-lamine-yamal-associacao-justica-contra-astro-barcelona. Acesso em 14 de julho de 2025. ↩︎
- Disponível em https://oglobo.globo.com/esportes/futebol-internacional/noticia/2025/07/14/governo-espanhol-solicita-investigacao-em-festa-de-aniversario-de-yamal-do-barcelona-diz-jornal.ghtml. Acesso em 14 de julho de 2025. ↩︎
- Trecho da nota disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/futebol-internacional/lamine-yamal-e-denunciado-por-contratar-pessoas-com-nanismo-para-festa/. Acesso em 14 de julho de 2025. ↩︎
- O anão desejava manter seu emprego, sob o argumento de que necessitava daquele trabalho para a sua sobrevivência, argumentando que era ele quem deveria decidir como ganhar a vida. ↩︎
- Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Arremesso_de_an%C3%A3o. Acesso em 14 de julho de 2025. ↩︎
- Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/arremesso-de-anoes-e-a-dignidade-da-pessoa-humana/1633603531. Acesso em 14 de julho de 2025. ↩︎
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