Profeta mirim: liberdade religiosa ou charlatanismo?

Profeta mirim: liberdade religiosa ou charlatanismo?

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Quem é Miguel Oliveira, o profeta mirim?

O pastor e profeta mirim Miguel Oliveira, de apenas 15 anos, apareceu como um meteoro nas redes sociais, e hoje faz sucesso com suas pregações, profecias e curas. Ele já possui 1,3 milhão de seguidores no Instagram.

O adolescente nasceu em Carapicuíba, interior de São Paulo, onde está a sede da Igreja Assembleia de Deus Avivamento Profético, na qual atua como pregador. Ele diz ter iniciado seu chamado aos 3 anos de idade, após ter sido supostamente curado da surdez e da mudez. Hoje, é badalado nas igrejas e em programas e entrevistas de rádio, TV e podcasts.

Miguel afirma que nasceu surdo, mudo, sem tímpanos e sem as cordas vocais, mas teria sido curado ainda criança, com 3 anos.

Quando questionado sobre os laudos médicos, disse que os perdeu durante uma mudança porque morava de aluguel, e que bastaria pedir a segunda via no hospital ou falar com seu pediatra.

O garoto prodígio divide opiniões e corações.

Opinião pública

Parte da opinião pública vê o garoto como um verdadeiro instrumento de Deus para a realização de curas e milagres. Mas tem também aqueles que veem o profeta mirim como um charlatão, um enganador, que cobraria até 30 mil reais para pregar em igrejas, utilizando-se de excesso de dramatização, oportunismo e uso da fé alheia.

Os pedidos de doações em dinheiro feitos pelo adolescente também chamaram a atenção e são alvos de críticas: “Quero agora quatro pessoas aqui no altar para doar R$ 1 mil. A velocidade com que você vem é a velocidade com que o milagre [na sua vida] será realizado”.

Segundo a assessoria do pastor, nenhum dinheiro recebido durante as celebrações vai para Miguel Oliveira: “Todos os valores vão para a igreja que o convida. Ele ajuda a igreja e o pastor dessa forma. Mas ele não recebe nenhum pix de ninguém na conta dele. Vai para a igreja, para ajudar na obra dentro das igrejas”.

Mas sua maior polêmica está em um vídeo que circula na web, onde o profeta aparece rasgando exames médicos da mulher em prantos, enquanto grita: “Eu rasgo o câncer, eu filtro o seu sangue e eu curo a leucemia”.

Miguel está recebendo muitas ameaças de internautas, com acusações de exploração da fé alheia, e o Ministério Público está investigando o caso.

O Conselho Tutelar fez uma advertência aos pais do jovem pastor. Representantes do conselho se encontraram com a família do religioso, e proibiram a divulgação de vídeos da atuação do jovem em cultos evangélicos.

Análise jurídica

É possível analisar juridicamente o caso Miguel sob diversos aspectos.

Charlatanismo e curandeirismo

Em primeiro lugar, vamos analisar a figura do charlatanismo e da exploração da fé alheia.

Antes de mais nada, é importante deixar claro que, como o jovem pastor tem apenas 15 anos, não é possível puni-lo na seara penal. Adolescente não comete crime, apenas ato infracional.

O código penal prevê, no artigo 283, o crime de charlatanismo, e no artigo 284, o crime de curandeirismo.

Charlatanismo

        Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

        Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Curandeirismo

        Art. 284 - Exercer o curandeirismo:

        I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;

        II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

        III - fazendo diagnósticos:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Portanto, o crime de charlatanismo envolve práticas fraudulentas com o objetivo de enganar as vítimas, fazendo-as acreditar em falsos tratamentos, curas ou soluções milagrosas. É uma forma de exploração da fé alheia.

Já o crime de curandeirismo consiste em praticar atos de cura, como prescrever medicamentos, fazer diagnósticos ou usar métodos terapêuticos sem a devida formação e licença profissional.

Tanto o crime de charlatanismo quanto o crime de curandeirismo são crimes contra a saúde pública.

O charlatanismo difere do curandeirismo por envolver promessas milagrosas e o uso de meios fraudulentos para enganar as vítimas, enquanto o curandeirismo se concentra na prática de atos de cura sem a devida formação e licença.

Parte da doutrina ressalta que o curandeirismo não é considerado crime quando praticado por alguém que está vinculado a uma religião e utiliza procedimentos religiosos para fins terapêuticos.

Charlatanismo religioso

Mas mesmo um religioso, como um pastor, um padre, um pai de santo, pode abusar do direito de utilizar as práticas religiosas como terapia, o que ensejaria o charlatanismo religioso.

Profeta

Já tramita, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei (PL nº 1341/23), que criminaliza e pune o charlatanismo religioso, ou seja, a prática de se aproveitar da fé e da vulnerabilidade das pessoas, praticando falsos milagres e explorando financeiramente os fiéis.

Pelo texto do projeto, considerar-se-á crime de charlatanismo religioso:

• Afirmar sem comprovação possuir dons sobrenaturais, divinos ou espirituais com o objetivo de obter vantagem financeira ou de qualquer outra natureza;

• Promover, divulgar ou realizar falsos milagres, curas ou outras manifestações supostamente sobrenaturais com o intuito de obter vantagens financeiras ou de qualquer outra natureza;

• Explorar a fé, a crença ou a vulnerabilidade das pessoas para a obtenção de doações, dízimos, ofertas ou quaisquer outras contribuições financeiras de forma ilícita, enganosa ou abusiva.

A pena prevista é de reclusão de dois a quatro anos e multa, sem prejuízo do ressarcimento das vítimas. De acordo com a proposta, incidirão nas mesmas penas aqueles que contratarem ou participarem de encenações ou de qualquer outra forma contribuírem para o crime.

Haverá aumento de pena em um terço se a prática do crime ocorrer contra pessoa idosa, criança, adolescente, enferma ou em situação de vulnerabilidade. E haverá aumento em até metade se o crime resultar em grave dano patrimonial à vítima ou à sua família.

O autor do projeto, o deputado Capitão Augusto, ressaltou:

“Todas essas condutas deturpam algo nobre e sagrado, que é a fé, para, de forma enganosa, aproveitando a vulnerabilidade das pessoas diante de sua crença religiosa, auferir ganhos. É necessário um tipo penal específico para punir com rigor essa atitude”.

O projeto ainda prevê que o Poder Público, em todas as esferas, promoverá ações de conscientização e prevenção do charlatanismo religioso, bem como o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle das práticas abusivas relacionadas à fé e à crença.

De outro lado, é necessário analisar as graves ameaças sofridas pelo profeta Miguel.

Ameaças recebidas

“Ele precisa é de um susto, mas tem alguém por trás dele. Todos precisam de uma lição, inclusive quem está apoiando e seguindo ele”.
“Esse pequeno moleque está mais para capeta em forma de gente. Pior que ainda tem gente que acredita. Alguém tem que parar esse moleque o mais rápido possível”.
“Isso é crime. Tem gente que acredita, larga o tratamento e morre... Anticristo”.

Os pais de Miguel procuraram a Polícia Civil, que, juntamente com o Ministério Público, investigam o caso sob a perspectiva das ameaças e do quadro de violência psicológica sofrido pelo jovem profeta.

O Ministério Público informou que por iniciativa própria já expediu ofícios para reunir informações sobre a situação do pastor. A Promotoria da Infância e da Juventude deve acompanhar o caso.

A assessoria de Miguel Oliveira classificou as ameaças como “absurdas” e disse que os pais do adolescente não querem mais expor o filho.

“Ele é menor, e os pais não querem mais falar com nenhuma mídia, pois as ameaças estão absurdas. Xingamentos e coisas absurdas. Já foram à delegacia, e nada acontece. Então, eles acharam melhor não responder e não aparecer mais”.

Se, por um lado, a exploração da fé dos mais vulneráveis deve ser combatida, por colocar em risco a saúde pública, por outro, ameaças, xingamentos, difamação, injúria e opressão psicológica devem ser, igualmente, combatidos e punidos.

Além do mais, a Constituição Federal garante a liberdade religiosa como um direito fundamental, que todos devem respeitar (artigo 5º, VI).

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Vamos acompanhar o desenrolar dos fatos. Ótimo tema para provas de direito penal e direito constitucional.


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