Explicação do caso
No dia 13 de junho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou a prisão preventiva do tenente‑coronel Mauro Cid — ex‑ajudante de ordens de Jair Bolsonaro — no âmbito de investigação da Polícia Federal sobre possível tentativa de fuga do país.
Cumpriu-se o mandado parcialmente: houve a condução de Cid para depor na PF em Brasília por cerca de 2h30, mas sua prisão acabou não se efetivando, uma vez que revogaram a ordem logo em seguida.
De acordo com a investigação, há indícios de que Cid planejava escapar do Brasil, o que se fortaleceu com o relato de que o ex‑ministro Gilson Machado teria tentado emitir um passaporte português em seu nome. A defesa alega que o pedido de cidadania portuguesa foi feito em janeiro de 2023, apenas para garantir segurança à sua família. O STF, então, considerou essas justificativas suficientes para revogar a prisão.
Aspectos jurídicos relevantes

A prisão preventiva é uma medida cautelar pessoal, assim como a prisão em flagrante (artigos 301 e seguintes do CPP) e a prisão temporária (Lei 7.960/89). Sua natureza é provisória e instrumental, não se prestando a antecipar uma punição.
Por isso, baseia-se num juízo de cautelaridade, ou seja, a análise da necessidade e adequação da medida diante de riscos processuais concretos — como fuga, obstrução da justiça ou reiteração criminosa.
Como não há, nesse momento, um juízo de culpa formado (em sentido lato), a aplicação da medida deve respeitar estritamente os requisitos legais e constitucionais, preservando a presunção de inocência até que eventual condenação transite em julgado.
Os requisitos da prisão preventiva são:
Fumus comissi delicti
Conforme o artigo 312 do CPP, exige-se prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Periculum libertatis
Esse risco, também previsto no artigo 312, relaciona-se ao temor de evasão do investigado.
No caso, a tentativa de obtenção de passaporte estrangeiro e a saída da família do país configurariam indícios de preparação para fuga. Havia, a menos aparentemente, fundamentação para presumir risco concreto de não aplicação da lei penal, o que justificaria a prisão preventiva.
Contemporaneidade
Os fatos investigados são recentes — pedido de cidadania em 2023 e movimentações recentes para emissão de passaporte — e, portanto, satisfazem o critério de atualidade exigido pelas decisões do STF sobre prisões cautelares.
Art. 312.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Proporcionalidade
A medida extrema da prisão deve ser proporcional à gravidade das acusações. A proporcionalidade extrai-se a partir da quantidade de pena abstratamente cominada à infração ou infrações em tese praticadas.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
Insuficiência de cautelares diversas
A adoção de prisão preventiva exige a ineficácia de medidas alternativas, como retenção de passaporte ou comparecimento periódico.
Art. 282
§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.
Cláusula rebus sic stantibus: a medida prisional sujeita-se à cláusula rebus sic stantibus. Uma vez alterada a situação fática que ensejou o decreto prisional, a medida pode/deve ser reavaliada.
Assim, a revogação posterior da prisão atende ao artigo 316 do CPP, que permite reavaliar medidas cautelares conforme a evolução fática da investigação. A reversão indica que a situação naquele momento não justificava a restrição da liberdade.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Um adendo importante: apenas aproveitando o “gancho” da notícia: foi dito que o investigado foi liberado logo após prestar depoimento.
É essencial destacar que a condução coercitiva de investigados para interrogatório foi considerada inconstitucional pelo STF na ADPF 395, invalidando o art. 260 do CPP nesse ponto. Assim, caso a condução de Mauro Cid tenha ocorrido contra sua vontade exclusivamente para interrogatório, isso poderia representar violação a seus direitos fundamentais, ferindo os princípios da presunção de inocência e da não autoincriminação.
Consequências
O episódio revela como decisões judiciais envolvendo medidas cautelares devem sempre observar os princípios constitucionais.
Eventual condução coercitiva de Mauro Cid para interrogatório, caso tenha ocorrido nos moldes do art. 260 do CPP, estaria em desacordo com a jurisprudência consolidada do STF, que considerou essa prática inconstitucional na ADPF 395. Isso reforça a importância de vigilância quanto aos direitos do investigado mesmo em contextos de forte repercussão política.
Além disso, a revogação imediata da prisão preventiva reforça a força da cláusula rebus sic stantibus, mostrando que as medidas cautelares devem ser dinâmicas e proporcionais à evolução dos fatos. Juridicamente, o caso ilustra a necessidade de fundamentação concreta para decretação de prisões e a priorização de alternativas menos gravosas.
* Há notícias de que o investigado celebrou acordo de colaboração premiada,[1] de modo que a sua conduta poderia representar violação a alguma cláusula do ajuste. Isso reforçaria, em princípio, a necessidade de decretação da custódia.
Resumo: O STF decretou e revogou, no mesmo dia, a prisão preventiva de Mauro Cid, investigado por possível tentativa de fuga do país. A medida baseou-se em indícios como pedido de cidadania portuguesa e saída da família do investigado, mas foi reconsiderada à luz da cláusula rebus sic stantibus, prevista no art. 316 do CPP. A prisão preventiva, como medida cautelar pessoal, exige um juízo de cautelaridade, respeitando os critérios do art. 312 do CPP: fumus comissi delicti, periculum libertatis, contemporaneidade, proporcionalidade e inadequação de medidas alternativas. |
[1]CORDEIRO, Edilene. STF libera vídeos relacionados ao acordo de colaboração premiada de Mauro Cid. STF Notícias. 2025. Disponível em: <https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-libera-videos-relacionados-ao-acordo-de-colaboracao-premiada-de-mauro-cid/>.
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