Prisão preventiva: o que mudou com as alterações nos artigos 310 e 312 do CPP (Lei nº 15.272/2025)

Prisão preventiva: o que mudou com as alterações nos artigos 310 e 312 do CPP (Lei nº 15.272/2025)

As recentes alterações nos artigos 310 e 312 do Código de Processo Penal têm tudo para despencar nas próximas provas. Estamos falando de temas clássicos — como prisão preventiva, audiência de custódia, periculosidade e medidas cautelares — agora atualizados com novos dispositivos legais que positivam critérios antes tratados apenas pela doutrina e jurisprudência.

A prisão preventiva sempre ocupou papel central na discussão sobre o equilíbrio entre liberdade e segurança pública no processo penal. Trata-se de uma medida cautelar, de natureza excepcional, disciplinada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal (CPP), que visa garantir a eficácia da persecução penal sem antecipar a pena.

A nova legislação que altera os artigos 310 e 312 traz importantes avanços — e desafios — ao sistematizar critérios já consagrados na doutrina e na jurisprudência, oferecendo ao magistrado um conjunto de diretrizes para análise mais objetiva da necessidade da prisão cautelar.

O que é a prisão preventiva?

A prisão preventiva é um instrumento de natureza processual. Não tem por finalidade punir, mas assegurar que o processo penal transcorra de forma segura, efetiva e sem prejuízos à apuração dos fatos ou à aplicação da lei penal. É possível decretá-la:

  • por conversão da prisão em flagrante;
  • ou mediante requerimento da autoridade policial, do Ministério Público, do querelante ou do assistente, seja no curso da investigação ou da ação penal.

É vedado ao magistrado decretá-la de ofício — ele deve sempre ser provocado, conforme o art. 311 do CPP.

Na audiência de custódia, o juiz tem três caminhos:

  • relaxar a prisão, em caso de ilegalidade;
  • conceder liberdade provisória (com ou sem medidas cautelares);
  • converter a prisão em flagrante em preventiva, desde que presentes os requisitos legais.

Quais são os requisitos da prisão preventiva?

Para a decretação da prisão preventiva, exige-se a presença cumulativa de cinco requisitos fundamentais:

1. Fumus comissi delicti

É a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. O standard probatório exigido é intermediário: não se exige certeza (como na condenação), mas é insuficiente a mera suspeita.

2. Periculum libertatis

É o risco que a liberdade do investigado representa à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

Encontra respaldo nos arts. 312 e 313 do CPP, com a seguinte sistemática:

a) Garantia da ordem pública

Essa hipótese é, muitas vezes, confundida com a gravidade do crime, mas o STJ e a nova redação do art. 312 são categóricos: não basta a gravidade abstrata do delito. A análise deve considerar elementos concretos, como:

  • reiteração delitiva;
  • vinculação com organização criminosa;
  • modus operandi violento ou sofisticado;
  • histórico de outros inquéritos e ações penais.

Essa diretriz, inclusive, foi positivada pelo novo §3º do art. 312, que fixa critérios para a aferição da periculosidade do agente:

§ 3º Devem ser considerados na aferição da periculosidade do agente, geradora de riscos à ordem pública:

I – o modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa ou quanto à premeditação do agente para a prática delituosa;
II – a participação em organização criminosa;
III – a natureza, a quantidade e a variedade de drogas, armas ou munições apreendidas;
IV – o fundado receio de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.
b) Garantia da ordem econômica

Desdobramento da ordem pública, aplicável a delitos como fraudes financeiras, crimes contra o mercado de capitais (Lei 6.385/76) e infrações contra a ordem econômica (Lei 12.529/11).

c) Conveniência da instrução criminal

Visa evitar interferências do acusado na produção da prova. Exemplo clássico: ameaças a testemunhas.

d) Aplicação da lei penal

Refere-se ao risco de fuga, mas não se pode presumir a intenção de fuga. A mera citação por edital não legitima, por si só, a prisão.

e) Descumprimento de medidas cautelares diversas

Conforme o art. 312, §1º, a preventiva pode ser imposta se medidas alternativas (do art. 319 do CPP) forem desrespeitadas e se revelarem insuficientes. Essa avaliação deve ser concreta e justificada.

f) Identidade civil duvidosa

A prisão é admissível se não for possível identificar o investigado, mas deve cessar quando sanada a dúvida.

g) Proteção de medidas protetivas (violência doméstica)

Nos termos do art. 313, III, a preventiva é admitida para garantir a eficácia das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. O descumprimento dessas medidas, por si só, constitui crime autônomo (art. 24-A da Lei 11.340/06).

Contemporaneidade: o motivo precisa ser atual

A nova lei não alterou esse entendimento, mas o tema segue sendo essencial na análise da legalidade da prisão preventiva. A jurisprudência já firmou que a prisão deve estar fundada em fatos contemporâneos, atuais, e não apenas na gravidade do crime ou na data de sua prática.

prisão preventiva

Exemplo: se um latrocínio ocorreu em 2015, mas a autoria só foi descoberta em 2020, o fato por si só não justifica a prisão preventiva. No entanto, se o investigado, após identificado, ameaça testemunhas ou destrói provas, aí sim surge um motivo atual que pode justificar a medida.

Proporcionalidade

O §4º do art. 312 reforça o entendimento já consolidado nos tribunais superiores.

A jurisprudência do STJ já estabeleceu que a prisão preventiva não é legítima se a pena cominada ou efetivamente aplicada for mais branda que a medida cautelar:

A prisão preventiva não é legítima quando a sanção abstratamente prevista ou a pena imposta em sentença recorrível não resultar em constrição pessoal, em atenção ao princípio da homogeneidade. (Jurisprudência em Teses – STJ, Tema nº 139)

Além disso, o art. 283, §1º do CPP é categórico: não se pode decretar prisão preventiva quando o crime for punido apenas com pena restritiva de direitos ou multa.

A prisão preventiva como ultima ratio

Um dos pilares do sistema cautelar brasileiro é o princípio da subsidiariedade. A prisão só deve ser aplicada se e quando as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP) se mostrarem inadequadas ou insuficientes.

Ou seja, o juiz deve demonstrar, de forma motivada, que nenhuma outra medida seria eficaz — como monitoração eletrônica, recolhimento domiciliar, proibição de contato com vítimas ou testemunhas etc.

Essa é uma exigência constitucional (art. 5º, LXI da CF) e infraconstitucional (arts. 282, 283 e 319 do CPP), cuja inobservância vicia a decisão judicial.

RequisitoPrevisão
Fumus comissi delictiArt. 312. Prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
Periculum libertatis– Art. 312 (como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal); – Art. 312, §1º (descumprimento de medidas cautelares diversas);- Art. 313, III (para garantir a execução das medidas protetivas de urgência);Art. 313, §1º (quando houver dúvida sobre a identidade civil do preso).
ContemporaneidadeArt. 312, § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. 
ProporcionalidadeArt. 283. (…)§ 1º  As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. 
Insuficiência das cautelares diversasArt. 282, § 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada. 

O novo art. 310 e o rol exemplificativo do §5º

A principal inovação legislativa está na incorporação, no texto do art. 310, de um rol exemplificativo de situações que “recomendam” a conversão do flagrante em preventiva:

§ 5º São circunstâncias que, sem prejuízo de outras, recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva:

I – haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais pelo agente;
II – ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça contra a pessoa;
III – ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido absolvido posteriormente;
IV – ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal;
V – ter havido fuga ou haver perigo de fuga; ou
VI – haver perigo de perturbação da tramitação e do decurso do inquérito ou da instrução criminal, bem como perigo para a coleta, a conservação ou a incolumidade da prova.

Trata-se de um reforço normativo daquilo que a doutrina e a jurisprudência já vinham aplicando. Não é um rol taxativo. Embora o legislador utilize termo “recomendam” o juiz continua obrigado a analisar o caso concreto e fundamentar a sua decisão de forma pormenorizada, nos termos do novo §6º:

§ 6º A decisão [...] deve ser motivada e fundamentada, sendo obrigatório o exame [...] das circunstâncias previstas nos §§ 2º e 5º e dos critérios de periculosidade do § 3º do art. 312.”

Coleta de DNA: o novo art. 310-A e os desafios constitucionais

Outro ponto polêmico é a introdução do art. 310-A do CPP, que determina, em certos crimes, a coleta de material biológico do preso em flagrante para formação do perfil genético:

Art. 310-A. No caso de prisão em flagrante por crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, por crime contra a dignidade sexual ou por crime praticado por agente em relação ao qual existam elementos probatórios que indiquem integrar organização criminosa que utilize ou tenha à sua disposição armas de fogo ou em relação ao qual seja imputada a prática de crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), o Ministério Público ou a autoridade policial deverá requerer ao juiz a coleta de material biológico para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado, na forma da Lei nº 12.037/09.

A previsão legal é clara: a coleta deve ocorrer preferencialmente na audiência de custódia ou no prazo de 10 dias. Deve-se respeitar rigorosamente a cadeia de custódia.

Porém, o tema levanta debates constitucionais importantes:

  • A medida seria compatível com a presunção de inocência?
  • Haveria violação ao princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere)?
  • É legítimo formar um banco de perfis genéticos com dados de pessoas ainda não condenadas?

Além disso, há desafios logísticos e operacionais: a estrutura das audiências de custódia, em muitas comarcas, não comporta essa coleta imediata, o que pode comprometer o respeito à cadeia de custódia e a validade da prova.

Conclusão

A nova legislação sobre prisão preventiva não revoluciona o sistema, mas consolida práticas já consagradas. O legislador buscou oferecer parâmetros mais objetivos para guiar o julgador e reforçar o dever de fundamentação. A prisão preventiva continua sendo medida extrema, exigindo análise criteriosa, respeito à contemporaneidade dos fatos, observância do princípio da homogeneidade, e exame prévio da adequação de medidas cautelares alternativas.


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