TJSP concede prisão domiciliar a morador de rua

TJSP concede prisão domiciliar a morador de rua

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu o benefício da prisão domiciliar a um morador de rua, acusado de furto, que também é portador de transtorno mental.

O Tribunal emitiu nota esclarecendo que a notícia de que o acusado era morador de rua não foi informada nos autos pelo defensor, o que gerou a situação, no mínimo, peculiar.

A Corte Paulista complementou, aduzindo que argumentação feita ao Tribunal “foi a de pedir a liberdade para o réu, uma vez que a prisão provisória não se aplica a um portador de transtorno mental, bem como não seria apropriada a medida de internação em hospital de custódia, pois o delito cometido não envolvia violência ou grave ameaça”.

O Colegiado negou a liberdade provisória do réu, sob o argumento de que a soltura do acusado não seria adequada para o caso, uma vez que ele poderia voltar a cometer delitos por conta do transtorno mental. E, com base nesses fundamentos, a turma julgadora determinou a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, “presumindo-se que ele teria domicílio”.

O morador de rua, Nelson Renato da Luz, foi preso em flagrante quando tentava furtar placas de alumínio em estações do Metrô. A prisão foi convertida em preventiva.

Advogados do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (ISS), que realiza um mutirão conhecido como “S.O.S. Liberdade”, acabaram tomando conhecimento do caso, e impetraram um habeas corpus em favor do morador de rua.

A concessão da prisão domiciliar teve por fundamento a declaração de inimputabilidade dada pelo Instituto Médico Legal.

Análise jurídica

Prisão domiciliar

A prisão domiciliar é uma novidade trazida pela lei n. 12.403/2011, que deu nova redação aos artigos 317 e 318 do Código de processo Penal, possibilitando ao indiciado ou réu permanecer fechado em sua residência, e não em estabelecimento prisional.

O pressuposto da prisão domiciliar é a antecedente decretação da prisão preventiva.

Prisão domiciliar

As hipóteses de cabimento da prisão domiciliar estão arroladas no artigo 318 do código de processo penal. Então vejamos:

I – maior de 80 (oitenta) anos;          

II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;           

III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;             

IV – gestante;           

V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;          

VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.    

A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que o rol acima é meramente exemplificativo, podendo ser ampliado pelo juiz do caso.

Podemos citar dois exemplos de hipóteses extralegais autorizativas da prisão domiciliar:

1º) Progressão para o regime semiaberto com a condição do condenado trabalhar em colônia penal, quando não há colônia penal disponível;

2º) Progressão para o regime aberto, quando não há vaga em Casa de Albergado.

Em relação à gestante ou mãe de criança ou deficiente, permite-se a prisão domiciliar desde que cumpridos dois requisitos cumulativos, a saber:

I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;  

II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.  

Vale lembrar que o tempo passado em prisão domiciliar serve para fins de detração, ou seja, desconta da pena final, como previsto no artigo 42, do código penal.

CP

Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

A substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar é uma mera faculdade do magistrado, não um dever.

Medidas cautelares diversas à prisão

É comum que juízes apliquem, concomitantemente à prisão domiciliar, medida cautelar de monitoração eletrônica, conforme permissão do artigo 318-B, do código de processo penal: “A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código”.

Pois bem, as medidas cautelares diversas da prisão são (artigo 319, do CPP):

  • I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;     
  • II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;          
  • III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;          
  • IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;           
  • V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;         
  • VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;           
  • VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;              
  • VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;             
  • IX – monitoração eletrônica.     

Monitoração eletrônica

A monitoração eletrônica tem por objetivo inibir a fuga ou o descumprimento das medidas impostas ao réu, e sua execução pode ser através de:

  • Pulseira;
  • Tornozeleira;
  • Cinto; e
  • Microchip

O juiz definirá o conjunto de restrições aplicáveis na prisão domiciliar em cada caso concreto, podendo variar bastante. Assim, podemos citar:

  • Comparecimento periódico em juízo;
  • Proibição de uso de celular ou internet;
  • Proibição de visitas ou limitação ao número de pessoas que podem visitar o acusado;
  • Vigilância 24 por dia feita por agentes policiais;
  • Câmeras de vigilância;
  • Escolta em casos que o preso possa sair para cumprir alguma atividade permitida pela justiça;
  • Entrega do passaporte a justiça;
  • Registro de todas a visitas recebidas.

Por fim, o descumprimento das condições impostas na prisão domiciliar pode levar à revogação do benefício e ao retorno do acusado ao regime prisional.

Conclusão

Por óbvio que não há razoabilidade em aplicar prisão domiciliar a um morador de rua, já que ele não tem domicílio certo.

Portanto, podemos presumir que, de fato, houve uma falha de comunicação entre defesa e tribunal, gerando todo esse mal-entendido, caracterizador de uma anomalia jurídica passível de correção pelos meios adequados.

Ótimo tema para provas de direito processual penal.


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