Prints de WhatsApp em violência doméstica: STJ afasta quebra de cadeia de custódia

Prints de WhatsApp em violência doméstica: STJ afasta quebra de cadeia de custódia

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: a prova digital no banco dos réus (ou não)

Imagine a seguinte situação: uma vítima de violência doméstica possui conversas reveladoras com o agressor em seu celular. Ela faz prints das mensagens do WhatsApp e as apresenta em juízo. A defesa, imediatamente, alega nulidade: “Violação à cadeia de custódia! Art. 158-A do CPP!”.

Essa cena, cada vez mais comum nos tribunais brasileiros, acaba de ganhar um desfecho importante. Em outubro de 2025, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no AREsp 2.967.267-SC, consolidou entendimento fundamental para concurseiros e operadores do direito: prints de mensagens de WhatsApp obtidos por particular, confirmados em juízo e sem indícios de manipulação, NÃO configuram violação à cadeia de custódia.

Este tema é estratégico para concursos públicos por três razões: (1) envolve a interpretação do art. 158-A do CPP, inserido pelo Pacote Anticrime; (2) dialoga com a valoração diferenciada da prova em crimes de violência doméstica (Lei Maria da Penha); e (3) evidencia a distinção entre provas colhidas por autoridade policial e provas obtidas por particulares.

Para quem estuda Magistratura, Ministério Público, Defensoria ou Delegado, dominar essa distinção pode ser decisivo na prova discursiva e na segunda fase.

A cadeia de custódia da prova: conceito e alcance

A cadeia de custódia, disciplinada nos arts. 158-A a 158-F do Código de Processo Penal (inseridos pela Lei n.º 13.964/2019), representa o conjunto de procedimentos necessários para garantir a rastreabilidade, autenticidade e integridade do vestígio coletado na cena do crime.

Em linguagem simples: é o “rastreamento oficial” da prova desde sua coleta até sua apresentação em juízo, documentando cada etapa (coleta, recebimento, guarda, análise, transporte). O objetivo é evitar contaminação, adulteração ou substituição do elemento probatório.

Mas atenção: a Lei fala em vestígio coletado “na cena do crime” e em procedimentos realizados por “agente público”. É aqui que mora a primeira distinção essencial.

A distinção fundamental: prova colhida por autoridade vs. prova obtida por particular

O STJ, no julgamento analisado, reforçou jurisprudência já consolidada: a cadeia de custódia se aplica com rigor técnico-metodológico quando a coleta é realizada por autoridade policial. Nesses casos, exige-se documentação formal, lacração, protocolo científico e garantia de não violação.

Todavia, quando um particular obtém a prova (como um print de WhatsApp feito pela própria vítima ou por familiar), não se aplica o mesmo rigor formal. O que se exige é:

  1. Ausência de indícios de manipulação
  2. Confirmação em juízo (normalmente pela palavra da vítima ou testemunha)
  3. Coerência com o restante do conjunto probatório

Essa distinção é fundamental e frequentemente cobrada em provas. A banca pode tentar confundir o candidato ao apresentar um caso em que a prova foi colhida por particular e exigir aplicação rígida do art. 158-A. Não caia nessa!

O contexto da violência doméstica: valoração diferenciada da palavra da vítima

Prints

Outro ponto estratégico do julgado é o reconhecimento de que, em crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da vítima possui especial relevância probatória.

Esse entendimento não é novidade, mas ganhou reforço com a Jurisprudência em Teses n.º 231 do STJ, publicada em março de 2024, que estabelece: nos julgamentos com perspectiva de gênero, o depoimento da vítima deve ser valorado considerando o contexto de vulnerabilidade em que ela se encontra.

Por que a palavra da vítima tem peso diferenciado?

Crimes dessa natureza geralmente ocorrem no ambiente doméstico, longe de testemunhas. A prova material muitas vezes é escassa. Se o Judiciário exigisse testemunhas presenciais ou provas “robustas” nos moldes tradicionais, a maior parte dos agressores ficaria impune.

Por isso, a jurisprudência reconhece que a palavra da vítima, quando coerente, firme e corroborada por outros elementos (ainda que mínimos, como prints de mensagens), é suficiente para fundamentar a condenação.

Atenção, concurseiro: isso não significa que a palavra da vítima, sozinha, sempre basta. O que a jurisprudência exige é:

  • Coerência ao longo do processo
  • Ausência de contradições substanciais
  • Mínima corroboração (como prints, laudos de lesão, mensagens, boletim de ocorrência)

O julgado do STJ: AgRg no AREsp 2.967.267-SC

Vamos aos fatos do caso concreto (resumidos):

  • Crime de violência doméstica ocorrido em Santa Catarina
  • Vítima apresentou prints de conversas do WhatsApp como prova
  • Os prints foram realizados por familiar da vítima, utilizando ferramentas do próprio aplicativo
  • Defesa alegou nulidade: violação ao art. 158-A do CPP (cadeia de custódia)
  • O STJ rejeitou a alegação e manteve a validade da prova

Fundamentos da decisão

O Ministro Relator Messod Azulay Neto destacou três pontos centrais:

1. Distinção entre coleta por autoridade e por particular

Quando a coleta é feita por autoridade policial, exige-se procedimento técnico formal. Quando realizada por particular e confirmada em juízo, sem indícios de adulteração, não há violação à cadeia de custódia.

2. Ausência de indícios de manipulação

Os prints foram realizados com ferramentas nativas do WhatsApp (captura de tela), sem alteração técnica ou edição suspeita. A vítima e o familiar confirmaram a autenticidade em juízo.

3. Contexto de violência doméstica

A prova foi analisada sob a ótica da Lei Maria da Penha e da perspectiva de gênero, valorizando a palavra da vítima e reconhecendo a dificuldade probatória típica desses crimes.

Síntese do entendimento

Prints de mensagens de WhatsApp obtidos por particular, confirmados em juízo e sem indícios de manipulação, não configuram violação à cadeia de custódia.

Esse entendimento está consolidado no STJ e deve ser memorizado para provas objetivas e discursivas.

Quadro comparativo: quando há e quando não há quebra de cadeia de custódia

SituaçãoExige cadeia de custódia formal?Consequência da não observância
Coleta de vestígios por perito oficial (ex: sangue, droga)SIMNulidade da prova (art. 157, CPP)
Print de WhatsApp feito pela vítimaNÃOProva válida se confirmada em juízo
Áudio gravado por particular (conversa própria)NÃOProva válida (art. 5º, LVI, CF)

Questão de concurso simulada

(Ano: 2026 | Banca: FCC | Cargo: Promotor de Justiça)

João foi denunciado por ameaça e lesão corporal no contexto de violência doméstica contra sua ex-companheira Maria. Durante a instrução, Maria apresentou prints de mensagens do WhatsApp em que João a ameaçava de morte. As capturas de tela foram realizadas pela própria Maria, utilizando a função nativa do celular. A defesa, em alegações finais, requereu a nulidade da prova, alegando violação ao art. 158-A do Código de Processo Penal (cadeia de custódia). Maria confirmou a autenticidade das mensagens em seu depoimento, que foi coerente e firme. Não foram identificados indícios de manipulação das imagens. Considerando o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, assinale a alternativa correta:

A) A prova deve ser declarada nula, pois o art. 158-A do CPP exige documentação formal da cadeia de custódia para toda prova digital, independentemente de quem a coletou.

B) A prova é válida, pois prints obtidos por particular, confirmados em juízo e sem indícios de manipulação, não se submetem ao rigor da cadeia de custódia exigida para vestígios coletados por autoridade policial.

C) A prova deve ser desentranhada, pois mensagens de WhatsApp configuram prova ilícita quando não há autorização judicial prévia para sua coleta.

D) A prova é válida apenas se houver perícia técnica que ateste, mediante laudo, a ausência de adulteração nos prints apresentados.

E) A palavra da vítima, em crimes de violência doméstica, dispensa qualquer elemento probatório corroborador, sendo suficiente para a condenação.

GABARITO: B

Explicação:

Alternativa correta: B

De acordo com o julgado do STJ (AgRg no AREsp 2.967.267-SC) e a jurisprudência consolidada da Corte, prints de WhatsApp obtidos por particular, quando confirmados em juízo e sem indícios de manipulação, não configuram violação à cadeia de custódia. A exigência do art. 158-A do CPP aplica-se com rigor aos vestígios coletados por autoridade policial, não à prova obtida por particular.

Por que as demais estão erradas:

A) Incorreta: O art. 158-A não se aplica indistintamente a toda prova digital. A cadeia de custódia formal é exigida para vestígios coletados na cena do crime por agentes públicos, não para provas obtidas por particulares.

C) Incorreta: Prints de conversas próprias não configuram prova ilícita. A Constituição Federal protege a intimidade contra violação por terceiros ou pelo Estado, mas não impede que uma das partes da conversa preserve e apresente suas próprias mensagens.

D) Incorreta: Não há necessidade de perícia técnica quando há a confirmação dos prints em juízo pela vítima e não apresentam indícios de manipulação aparente. A exigência de laudo pericial seria excessiva e esvaziaria a utilidade probatória de prints em contextos de violência doméstica.

E) Incorreta: Embora a palavra da vítima tenha especial relevância em crimes de violência doméstica, a jurisprudência exige que seja coerente e minimamente corroborada por outros elementos. A afirmação de que dispensa qualquer corroboração é excessiva e não corresponde ao entendimento do STJ.

Fechamento estratégico: o que você precisa gravar

Para garantir pontos preciosos na sua prova, memorize os seguintes pontos:

  • Cadeia de custódia formal: exigida quando a coleta é feita por autoridade policial
  • Prova obtida por particular: não se submete ao mesmo rigor; basta confirmação em juízo e ausência de manipulação
  • Prints de WhatsApp: válidos quando confirmados e sem indícios de adulteração
  • Violência doméstica: palavra da vítima tem peso especial, mas deve ser coerente e minimamente corroborada
  • Jurisprudência em Teses n.º 231 do STJ: perspectiva de gênero na valoração probatória

A distinção entre prova colhida por agente público e prova obtida por particular é a chave para resolver questões sobre cadeia de custódia. Não confunda os regimes jurídicos aplicáveis a cada situação.

Este é o tipo de tema que, bem compreendido, pode garantir sua aprovação em questões discursivas, peças processuais e provas orais. Estude com estratégia, foque no que realmente cai e não perca tempo com detalhes irrelevantes.


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