Adiante-se, o Supremo Tribunal Federal pacificou questão crucial para a advocacia brasileira ao julgar o Tema 1220 de Repercussão Geral.
Na verdade, a decisão conferiu aos honorários advocatícios, incluindo os contratuais, preferência integral sobre o crédito tributário.
Perceba, tal entendimento impacta profundamente as execuções fiscais e reconfigura o tratamento dispensado à verba honorária no sistema de justiça.
Dessa forma, cumpre analisar os argumentos que prevaleceram e as consequências práticas desta decisão.
Contexto histórico
De fato, a tensão entre a cobrança de tributos e a garantia dos honorários advocatícios precede o presente julgamento.
De um lado, o art. 186 do CTN estabelece que “o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.
De outro, o art. 85, § 14, do CPC dispõe que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho”.
Nessa linha, essa aparente antinomia normativa criou cenário de disputas onde Fazenda Pública e advogados contendiam pela preferência no recebimento dos valores.
Era comum que os Tribunais Regionais Federais frequentemente negassem tais pleitos, submetendo os causídicos à espera da quitação integral dos débitos fiscais por seus clientes para, só então, receberem sua verba alimentar.
Entretanto, isso mudou.
A origem do caso
O Recurso Extraordinário 1.326.559/SC, que culminou na fixação do Tema 1220, originou-se quando a sociedade de advogados Adolfo Manoel da Silva e Advogados Associados requereu a reserva de honorários contratuais em execução onde havia penhora em favor da Fazenda Nacional.
Tratava-se de ação para recuperar diferenças de créditos de empréstimo compulsório sobre energia elétrica contra a Eletrobrás.
O juízo de primeira instância e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitaram o pedido, considerando inconstitucional o § 14 do art. 85 do CPC na parte que conferiria preferência aos honorários sobre o crédito tributário.
Dessa maneira, contra tal entendimento insurgiu-se a parte recorrente perante a Suprema Corte.
Na sessão do TRF-4 que declarou a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, evidenciou-se tensão entre diferentes concepções sobre o papel do tributo e do advogado na sociedade.
Conforme manifestação da Desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, “se equiparação há, por força do artigo 85, § 14, do CPC, ela está adstrita aos honorários advocatícios sucumbenciais – distinção absolutamente pertinente, uma vez que o valor destes é definido por normas legais específicas, ao passo que os honorários advocatícios contratuais são livremente pactuados pelas partes”.
A tese da Fazenda Nacional
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sustentou a inconstitucionalidade formal do dispositivo do CPC, asseverando que somente lei complementar poderia dispor sobre preferência do crédito tributário, conforme preconiza o art. 146, III, “b”, da Constituição Federal.
Além disso, a Fazenda defendeu que os honorários advocatícios, por decorrerem de contrato civil e não de relação empregatícia, não se enquadrariam no conceito de “créditos decorrentes da legislação do trabalho”. O tributo, enquanto fonte de financiamento das políticas públicas, não poderia ser preterido em favor de interesses particulares.
O argumento central residia na premissa de que o interesse público na arrecadação tributária deveria prevalecer sobre o interesse individual do advogado em receber seus honorários. Em caráter subsidiário, a PGFN propôs que se estabelecesse limite de 150 salários-mínimos para a preferência, seguindo o parâmetro da Lei de Falências.
O voto do Ministro Dias Toffoli (vencedor)
Vale salientar que o Ministro Dias Toffoli, relator do caso, apresentou um voto em que proclamou apresentar uma “visão humanista do direito tributário“.
Segundo seu entendimento, a tributação deve compatibilizar-se não apenas com os direitos de propriedade e liberdade, mas também com a dignidade da pessoa humana e outros valores fundamentais.
O relator enfatizou a natureza alimentar dos honorários, destacando que, para muitos advogados, tais verbas constituem única fonte de renda. Amparando-se no voto do Ministro Marco Aurélio no RE 470.407/DF, estabeleceu paralelo entre honorários e salários, pela finalidade comum de prover a subsistência do profissional e de sua família.
Atividade advocatícia como trabalho

Ponto crucial da argumentação do Ministro Toffoli consistiu na demonstração de que a própria Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) qualifica a atividade advocatícia como trabalho, mesmo sem vínculo empregatício.
Ademais, diversos dispositivos do Estatuto empregam expressamente o termo “trabalho” para se referir à atuação dos advogados, como se verifica no art. 7º, II, que assegura ao advogado a “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho”.
Na interpretação do art. 186 do CTN, o relator considerou que a expressão “créditos decorrentes da legislação do trabalho” abrange os honorários advocatícios, tanto sucumbenciais quanto contratuais. Para corroborar tal posicionamento, mencionou precedentes do Superior Tribunal de Justiça que equiparam os honorários a créditos trabalhistas, conferindo-lhes preferência sobre o crédito tributário.
Quanto à constitucionalidade formal do § 14 do art. 85 do CPC, o ministro afirmou que compete à União legislar privativamente sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF), podendo enquadrar os honorários advocatícios no conceito de créditos decorrentes da legislação do trabalho, mesmo quando o advogado não está sujeito à CLT.
Por fim, o relator destacou a autonomia da primeira parte do § 14 do art. 85 do CPC em relação ao caput do artigo. Embora o caput trate dos honorários sucumbenciais, o parágrafo em questão possui aplicação mais ampla, abrangendo também os honorários contratuais.
Com base nesses fundamentos, o Ministro Dias Toffoli votou pelo provimento do recurso extraordinário, reconhecendo a preferência dos honorários advocatícios contratuais sobre o crédito tributário.
A divergência do Ministro Gilmar Mendes
Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes, embora concordasse com a constitucionalidade formal do dispositivo, propôs solução intermediária: limitar a preferência dos honorários a 150 salários-mínimos, valor estabelecido pelo art. 83, I, da Lei 11.101/2005 para os créditos trabalhistas em processos falimentares.
Sua fundamentação baseou-se no conceito de Estado Fiscal, desenvolvido pelo jurista português José Casalta Nabais, segundo o qual não há Estado Social sem Estado Fiscal.
Isto porque, o tributo representa componente indispensável para o funcionamento estatal e a prestação de serviços públicos essenciais à coletividade.
Na verdade, o Ministro Gilmar Mendes buscou conciliar a proteção ao sustento do advogado com a necessidade de arrecadação tributária. Em sua visão, montantes que ultrapassassem significativamente o necessário para a subsistência não mereceriam a mesma proteção conferida às verbas de caráter essencialmente alimentar.
A tese divergente, todavia, não obteve adesão majoritária da Corte Suprema.
Conclusão
Por maioria, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese:
"É formalmente constitucional o § 14 do art. 85 do Código de Processo Civil no que diz respeito à preferência dos honorários advocatícios, inclusive contratuais, em relação ao crédito tributário, considerando-se o teor do art. 186 do CTN".
Restaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Flávio Dino, que propugnavam pela limitação valorativa.
Na vida real, tal decisão implica as seguintes consequências:
- Em concurso de credores, os honorários advocatícios (contratuais ou sucumbenciais) deverão ser adimplidos previamente ao crédito tributário, sem limitação de valor.
- Nas execuções com penhora no rosto dos autos em favor da Fazenda Pública, faculta-se aos advogados requerer a reserva de seus honorários contratuais, com preferência no recebimento.
- Os magistrados devem observar essa preferência em suas decisões, sob pena de violação de precedente vinculante, nos termos do art. 927, III, do CPC.
- Em virtude da modulação dos efeitos da decisão, valores já levantados pelos advogados, com preferência em relação ao crédito tributário, não estão sujeitos a repetição.
Ora, o Tema 1220 encerra controvérsia relevante, porém inaugura um debate interessante, na opinião desse articulista haverá Embargos de Declaração discutindo a temática novamente… mas, não tenho dúvidas isso cairá muito em provas, do jeito que foi decidido.
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