Neste artigo, vamos fazer uma análise sobre as Implicações jurídicas do caso de posse indevida em cargo público no TRT-2, onde um homônimo ocupou o cargo sem ter prestado o concurso.
Em outubro de 2024, um caso inusitado abalou o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2): descobriu-se que, por mais de um ano, um servidor ocupava o cargo de técnico judiciário sem jamais ter prestado o concurso público para a vaga.
O que torna o caso ainda mais peculiar é que ele conseguiu tomar posse indevida por ser homônimo do verdadeiro aprovado no certame. Claro que isso poderia ser roteiro de um filme!
Como foi o caso? Posse indevida
Em agosto de 2023, uma pessoa enviou um e-mail ao setor de posses do TRT-2 solicitando a atualização de seus dados cadastrais, alegando ter recebido de uma amiga a informação sobre sua possível nomeação.
A servidora responsável realizou o cadastro, mantendo também o e-mail do verdadeiro candidato aprovado – que, coincidentemente, tinha exatamente o mesmo nome.
Quando a nomeação foi publicada, ambos receberam a comunicação.
O homônimo compareceu, apresentou seus próprios documentos e tomou posse.
Durante mais de um ano, exerceu funções em diferentes setores do tribunal: passou pela Secretaria da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo, pela Secretaria da Gestão de Pessoas e, por fim, estava lotado na 56ª Vara do Trabalho de São Paulo. Recebia mensalmente R$ 11.005,54 e, segundo relatos, era considerado um ótimo servidor.
A situação só veio à tona quando o verdadeiro aprovado no concurso de 2018, ao pesquisar seu nome na internet, descobriu que sua vaga havia sido ocupada. Ao acionar a Justiça Federal para garantir seu direito, o tribunal finalmente percebeu o equívoco.
Este cenário extraordinário nos leva a importantes questionamentos jurídicos:
- Quais as consequências jurídicas de uma nomeação e posse realizadas sem prévia aprovação em concurso público?
- O que acontece com os atos administrativos praticados pelo servidor durante o período em que exerceu irregularmente o cargo?
- Quais as possíveis responsabilidades criminais envolvidas neste caso?
- Como se resolve a questão patrimonial, considerando os valores recebidos indevidamente e os direitos do candidato preterido?
Quanto à nomeação e posse
De início, é importante ressaltar que a nulidade da investidura no cargo público decorre diretamente do texto constitucional.
Isto porque, o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal estabelece que:
"a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração."
No caso em análise, a nulidade é absoluta e insanável, uma vez que o ocupante do cargo sequer participou do certame.
Nessa linha, o STF já consolidou este entendimento através da Súmula 685, que estabelece o seguinte:
Súmula 685, do STF
É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.
Ademais, a Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, estabelece em seu artigo 7º que “a investidura em cargo público ocorrerá com a posse”, sendo esta um ato personalíssimo que não admite representação ou substituição. O fato de o homônimo ter apresentado seus próprios documentos no momento da posse evidencia ainda mais a irregularidade do procedimento.
Quanto aos atos praticados Posse indevida
Vale salientar que a teoria do funcionário de fato, amplamente reconhecida pela jurisprudência pátria, garante a validade dos atos praticados durante o período em que o homônimo exerceu as funções no TRT-2. Ora, esta teoria se fundamenta em dois pilares essenciais: a aparência de legitimidade e a proteção da boa-fé de terceiros.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça tem precedentes consolidados neste sentido:
"Os atos praticados por servidor público, cuja investidura foi declarada inconstitucional, são considerados válidos, em nome da teoria do funcionário de fato" (REsp 1.272.827/PE, Rel. Min. Herman Benjamin).
No caso concreto, durante mais de um ano, o homônimo atuou em diferentes setores do TRT-2:
- Secretaria da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo
- Secretaria da Gestão de Pessoas
- 56ª Vara do Trabalho de São Paulo
Logo, todos os atos administrativos por ele praticados nestas lotações permanecem válidos, em respeito à segurança jurídica e à proteção da confiança dos administrados.
Quanto à responsabilidade criminal
De outro lado, a investigação criminal em curso pela Polícia Federal busca apurar possível prática de diversos crimes:
a) Falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal): “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”
b) Estelionato contra a Administração Pública (art. 171, §3º do Código Penal): A conduta pode configurar estelionato qualificado, com pena aumentada de um terço por ser praticado em detrimento de entidade de direito público.
Importante ressaltar que, conforme depoimento prestado à Polícia Federal, o investigado alega não ter agido de má-fé, afirmando que:
- Nunca se identificou como o candidato aprovado
- Sempre apresentou sua própria documentação
- Não se recordava se havia prestado o concurso
Quanto à responsabilidade civil e administrativa
Por fim, a responsabilidade civil neste caso apresenta múltiplas facetas:
a) Dano ao Erário:
- Valores recebidos indevidamente: R$ 11.005,54 mensais durante mais de um ano
- Possibilidade de ressarcimento ao erário (art. 37, §6º da CF)
b) Teoria da irrepetibilidade dos valores: O STJ possui entendimento consolidado sobre a não devolução de valores recebidos de boa-fé por servidor público, em razão da natureza alimentar das verbas. No entanto, este entendimento pode ser afastado caso comprovada a má-fé do beneficiário.
c) Responsabilidade do Estado:
- Possibilidade de responsabilização do Estado perante o candidato aprovado
- Direito à indenização por danos materiais e morais.
- Necessidade de apuração de responsabilidade dos servidores envolvidos no processo de nomeação em casos de dolo/culpa
Vale ressaltar que há entendimento do STF (RE 724347/DF – Tema 671) que estabelece:
"Na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus à indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante."
Ou seja, tudo dependerá se o servidor que não tomou posse devidamente foi um caso de “arbitrariedade flagrante” ou não para receber o valor retroativo.
Como o tema já foi cobrado em concursos:
TJ-DFT – 2011 – TJ-DFT – Juiz
À luz da “teoria do funcionário de fato”, o defeito que invalida a investidura de um agente não acarreta a invalidade dos atos por ele praticados, se por outra razão não forem viciados.
Gabarito: Certo
Posse indevida
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