Como determinado, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, na quinta-feira passada, que os planos de saúde podem ser obrigados a custear tratamentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar, porém apenas quando preenchidos cinco critérios cumulativos específicos.
STF fixa critérios para que planos de saúde cubram tratamentos fora da lista da ANS
Planos de saúde: STF determina regras para autorização de procedimentos fora do rol da ANS
STF define critérios mais rígidos para tratamentos fora do rol da ANS
STF e planos de saúde: O que muda para o consumidor com nova regra?

Nessa linha, a decisão da ADI 7.265, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, representa um marco na regulamentação da saúde suplementar brasileira, estabelecendo o que a doutrina denomina “taxatividade mitigada” do rol da ANS.
Assim, a Corte conferiu interpretação conforme à Constituição à Lei 14.454/2022, que havia ampliado as possibilidades de cobertura fora do rol oficial.
Contudo, o tribunal rejeitou a amplitude da norma original, substituindo seus critérios alternativos por exigências técnicas mais rígidas e cumulativas.
Desde 2022… relembre
A controvérsia sobre a natureza do rol da ANS se intensificou em 2022, quando o STJ, após divergência entre suas turmas, fixou entendimento pela taxatividade, admitindo pequenas exceções em hipóteses específicas:
Rol da ANS é taxativo, com possibilidades de cobertura de procedimentos não previstos na lista
Entretanto, poucos meses depois, o Congresso reagiu com a lei 14.454/22, que passou a tratar o rol como exemplificativo, ampliando a cobertura para procedimentos não listados em determinadas condições e reforçando a aplicação do CDC aos contratos de saúde suplementar.
Então, a Unidas – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, levou o caso ao STF, questionando a validade da nova lei.
Assim, a entidade sustentou que a norma ampliaria de forma indevida as obrigações das operadoras, desconsiderando o caráter complementar da saúde suplementar previsto no art. 199, § 1º da CF, e imporia encargos superiores aos exigidos do próprio SUS. Segundo a autora, isso compromete a lógica contratual e atuarial que sustenta o setor.
O pedido principal foi pela declaração de inconstitucionalidade material de dois pontos específicos: a expressão “contratados a partir de 1º de janeiro de 1999” e a integralidade do § 13 do art. 10 da lei 9.656/98, que passou a tratar o rol de procedimentos da ANS como meramente exemplificativo.
Para a Unidas, essa interpretação impõe às operadoras a obrigação de cobrir tratamentos não previstos expressamente, gerando incertezas e aumentando a judicialização.
E o STF? Fundamentação técnica privilegia medicina baseada em evidências
Barroso, o ministro relator fundamentou sua decisão na necessidade de equilibrar o acesso a tratamentos eficazes com a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.
Assim, conforme registrado no voto, “a redação atual transfere ao intérprete uma margem ampla de definição, afastando-se da metodologia estruturada de ATS e de medicina baseada em evidências que deve orientar a atuação da ANS”.
Barroso criticou especificamente o parágrafo 13 da lei impugnada por adotar “expressões vagas, como ‘comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde’ e ‘órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional'”.
Logo, segundo o ministro, “essa indefinição normativa amplia a margem de subjetividade e dificulta a aplicação uniforme da regra, especialmente em contextos judiciais”.
Os cinco requisitos estabelecidos pelo STF são: prescrição médica ou odontológica; inexistência de negativa expressa da ANS ou pendência de análise; ausência de alternativa terapêutica adequada no rol; comprovação de eficácia através de evidências científicas de alto nível; e registro na Anvisa.
– o tratamento deve ser prescrito por médico ou odontólogo assistente;
– o tratamento não pode ter sido expressamente negado pela ANS nem estar pendente de análise para sua inclusão no rol;
– não deve haver alternativa terapêutica adequada no rol da ANS;
– o tratamento deve ter comprovação científica de eficácia e segurança;
– o tratamento deve ser registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Precedentes do próprio STF
Em resumo, a decisão encontra respaldo direto nos Temas 6 e 1234 de repercussão geral, que fixaram parâmetros para fornecimento judicial de medicamentos pelo SUS.
Sendo assim, o relator estabeleceu conexão explícita entre os sistemas: “a medicina é uma: a avaliação da eficácia e da segurança de medicamentos ou tratamentos à luz da medicina baseada em evidências deve ser a mesma, independentemente de se tratar do sistema de saúde público ou privado”.
Logo, essa transposição de critérios evita, nas palavras do ministro, “que se imponham às operadoras obrigações mais amplas do que aquelas atribuídas ao próprio Estado e não respaldadas por evidências científicas robustas”.
Por fim, o precedente também dialoga com o Tema 500, que vedou ao Estado o fornecimento de medicamentos experimentais ou sem registro na Anvisa.
Ademais, a decisão considerou o histórico jurisprudencial do STJ, especialmente os EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, julgados em 2022, que já haviam estabelecido a taxatividade mitigada do rol com critérios específicos para exceções.
Limitações processuais visam conter judicialização excessiva
Ademais, o acórdão estabelece rígidas condicionantes para atuação judicial nesta seara.
Segundo a tese fixada, o Judiciário deverá “obrigatoriamente verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS”.
Particularmente relevante é a exigência de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) ou a entes com expertise técnica, vedando fundamentação baseada “apenas em prescrição, relatório ou laudo médico apresentado pela parte”.
Logo, essa medida visa impedir que “o Judiciário não seja convertido em instância ordinária de apreciação de pedidos de cobertura no âmbito da saúde suplementar”.
A violação desses parâmetros acarretará nulidade da decisão judicial, nos termos dos artigos 489, parágrafo 1º, incisos V e VI, e 927, inciso III, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.
Impactos econômicos
Além disso, a decisão considerou dados econômicos específicos do setor, que atende mais de 52 milhões de beneficiários e responde por 27% dos gastos em saúde no país.
O ministro relator destacou que as despesas judiciais quadruplicaram entre 2019 e 2025, passando de R$ 1 bilhão para R$ 4 bilhões, representando 1,5% de todos os eventos indenizáveis pagos pelo setor.
Outrossim, a Corte reconheceu a peculiaridade do sistema brasileiro, onde “os beneficiários de planos tendem a substituir quase totalmente o SUS, recorrendo majoritariamente à rede privada”, diferentemente do padrão internacional onde a cobertura privada funciona como complemento ao sistema público.
De outro lado, a decisão busca preservar o mutualismo que sustenta os contratos de saúde suplementar, evitando que “a imposição de coberturas fora do rol, sem filtros técnicos claros, redistribua custos de forma arbitrária e possa inviabilizar o acesso para os próprios beneficiários”.
Por fim, o STF estabeleceu que, em caso de deferimento judicial, deve-se oficiar a ANS para avaliar a inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória, criando mecanismo de retroalimentação entre as esferas administrativa e jurisdicional.
Assim, eis as teses do STF:
"1. É constitucional a imposição de cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão.
2. Em caso de tratamento ou procedimentos não previstos no rol da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:
(i) Prescrição por médico ou odontólogo assistente habilitado;
(ii) Inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em proposta de atualização do rol;
(iii) Ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS;
(iv) Comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau ou ATS, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível;
(v) Existência de registro na Anvisa.
3. A ausência de inclusão de procedimento ou tratamento no rol da ANS impede, como regra geral, a sua concessão judicial, salvo quando preenchidos os requisitos previstos no rol.
4. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do art. 489, § 1º, 5 e 6 e art. 927, 3 e § 1º do CPC, o Poder Judiciário, ao apreciar o pedido de cobertura de procedimento ou tratamento não incluído no rol, deverá obrigatoriamente:
a. Verificar se há prova do prévio requerimento à operadora de saúde, com a negativa, mora irrazoável ou omissão da operadora na autorização do tratamento não incorporado ao rol da ANS.
b. Analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, sem incursão no mérito técnico-administrativo.
c. Aferir a presença dos requisitos previstos no item 2, a partir de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível, ou a entes ou pessoas com expertise técnica, não podendo fundamentar a sua decisão apenas em prescrição, relatório ou laudo médico apresentado pela parte.
d. Em caso de deferimento judicial do pedido, oficiar a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória."
O que disseram os outros ministros?
Como relatado no migalhas (STF admite hipóteses de cobertura fora do rol da ANS e fixa critérios), acompanharam o relator os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Veja destaques dos votos de cada um:
Cristiano Zanin: ressaltou que a saúde suplementar é complementar ao SUS e que não se pode impor às operadoras obrigações superiores às do poder público.
André Mendonça: embora inicialmente tenha visto inconstitucionalidade no §13, aderiu à tese do relator, defendendo que a interpretação conforme garante segurança jurídica e protege consumidores sem inviabilizar o setor.
Luiz Fux: acompanhou integralmente o relator, lembrando que a flexibilização do rol só é cabível em hipóteses excepcionais, com comprovação técnica e registro na Anvisa.
Gilmar Mendes: o decano reforçou a magnitude social da decisão - que alcança cerca de um quarto da população brasileira - e criticou a redação ampla do §13 por permitir tratamentos de baixa evidência científica. No entanto, aderiu às teses fixadas por Barroso, com os ajustes propostos por Zanin, ressaltando a necessidade de interpretação conforme a Constituição para assegurar proporcionalidade, previsibilidade contratual e proteção efetiva à saúde.
Por outro lado, o ministro Flávio Dino divergiu parcialmente do relator. Embora tenha reconhecido a taxatividade mitigada, sustentou que o Supremo não deve criar filtros adicionais além dos já previstos em lei.
Segundo Dino, a lei 14.454/22 já estabeleceu a abertura do §13 do art. 10 da lei 9.656/98 em harmonia com o caput e incisos do dispositivo, atribuindo à ANS a tarefa de disciplinar as exceções.
“Não vejo razão para que avancemos para elaborar uma norma detalhada, sendo que a ANS pode e deve, na dicção legal, assim o fazer”, afirmou.
Para o ministro, o Congresso fez uma escolha legítima ao adotar modelo semelhante ao já reconhecido pelo STJ, e essa decisão deve ser respeitada. Assim, votou pela constitucionalidade integral dos §§12 e 13, sem novos filtros judiciais.
Cármen Lúcia: frisou que cabe à ANS exercer plenamente sua função regulatória e que não há necessidade de o Supremo impor novos filtros além dos previstos em lei.
Edson Fachin: votou pela improcedência da ação, reconhecendo a validade da lei 14.454/22. Destacou a incidência da CF também nas relações privadas e a ausência de violação constitucional suficiente para justificar intervenção do STF.
Alexandre de Moraes: destacou que a lei já exclui expressamente hipóteses como procedimentos estéticos e medicamentos não nacionalizados. Para S. Exa., a flexibilização do rol só pode ocorrer dentro das balizas legais, em consonância com a medicina baseada em evidências.
Como o tema já caiu em provas
CESPE / CEBRASPE - 2021 - MPE-SC - Promotor de Justiça Substituto - Prova 2 É lícito aos planos de saúde negar a cobertura de tratamento prescrito por médico para o restabelecimento do usuário, mas não previsto no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) (Gabarito da banca: Certo)
Prova: FGV - 2025 - TJ-CE - Juiz Substituto Mariana, 38 anos, realizou cirurgia bariátrica custeada por seu plano de saúde, devido a um quadro de obesidade mórbida. Após o sucesso da operação, passou a apresentar excesso de pele em diversas regiões do corpo, o que lhe causou dores, infecções recorrentes e abalo psicológico severo, atestado por seu médico assistente. Esse profissional indicou a necessidade de realização de cirurgias plásticas reparadoras com finalidade funcional e terapêutica. Contudo, a operadora do plano de saúde negou a cobertura, alegando se tratar de procedimentos estéticos, não previstos no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sobre o caso narrado, considerando o entendimento jurisprudencial consolidado e a legislação vigente, assinale a afirmativa correta. Alternativas A) A operadora do plano de saúde tem obrigação de cobrir as cirurgias plásticas indicadas, por se tratar de etapa integrante do tratamento da obesidade mórbida, com finalidade funcional e reparadora. B) A negativa da operadora é legítima, pois apenas os procedimentos expressamente listados no rol da ANS obrigam a cobertura, sendo dispensável a análise da finalidade médica da intervenção. C) As cirurgias plásticas pós-bariátricas, ainda que recomendadas por profissional médico, são consideradas estéticas por natureza e, por isso, estão fora do alcance de cobertura obrigatória pelo plano. D) A operadora só estará obrigada a custear os procedimentos após a decisão judicial definitiva que reconheça o caráter não estético da intervenção, mesmo havendo prescrição médica. E) A cobertura de cirurgias plásticas com finalidade terapêutica, mesmo indicadas após a cirurgia bariátrica, depende de cláusula expressa no contrato, não havendo obrigatoriedade de cobertura na omissão contratual. Gab.: A.
Prova: FUNDEP (Gestão de Concursos) - 2023 - DPE-MG - Defensor Público de Classe Inicial II. A eficácia de evidências científicas (“Medicina baseada em evidências”) e o plano terapêutico devem ser considerados, mesmo em procedimentos fora do rol da ANS, para autorização por operadora de planos de assistência à saúde. Gabarito da Banca: Certo.
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