Olá, tudo bem? Hoje falaremos sobre piada em stand up e a ocorrência de discriminação contra pessoa com deficiência (PCD), conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O tema abordado foi julgado no Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 193.928/SP e envolveu discussão sobre discriminação e dolo específico do artigo 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como sobre o animus jocandi em um show de stand up comedy.
Vamos ao que interessa!
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Índice
Piada em stand up e discriminação contra pessoa com deficiência
Show de stand up comedy e animus jocandi
O show de stand up comedy tornou-se conhecido como aquele evento em que um ou vários humoristas revezam-se em um palco e, de pé e em tom descontraído, contam piadas geralmente inseridas em narrativas que podem ou não ter correlação com o mundo real.
Como todos sabem, a principal intenção de um stand up comedy é a de arrancar boas risadas do público, tratando-se, em resumo, de um “show de comédia”.
No entanto, da mesma forma que sempre aconteceu no ramo da comédia, uma piada em stand up comedy às vezes pode parecer “passar dos limites” e “brincar com coisa séria”, a depender do ponto de vista de cada indivíduo que recebe aquela mensagem.
Assim, ainda que o animus jocandi (intenção de caçoar) de fato seja algo muito presente em apresentações dessa natureza, por vezes aquela piada acaba desembocando em um processo judicial, ora de natureza cível, ora de jaez criminal.
Foi o que aconteceu no Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº (AgR RHC 193.928/SP) e o que veremos em sequência.
Crime de discriminação contra pessoa com deficiência (PCD)
O artigo 88 do Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), em seu artigo 88, prevê crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;
II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.
§ 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
Notem que a Lei prevê ainda causa de aumento de pena (§1º) e figura qualificada do crime (§ 2º), nos casos, respectivamente, de pessoa sob cuidado e responsabilidade do agente e de crime cometido através de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza.
Além disso, reparem que o tipo penal exige que a prática, indução ou incitação se dê com a finalidade de discriminar pessoa + em razão de sua deficiência.
Julgamento do AgR RHC 193.928/SP
Caso concreto
Chegou até a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça um recurso interposto contra decisão proferida em habeas corpus, o qual foi manejado pelo investigado.
O Relator do caso, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em decisão monocrática, não conheceu do expediente recursal. No entanto, concedeu, de ofício, ordem para trancar o inquérito policial.
Inconformado, o MPF interpôs agravo regimental contra essa decisão do Relator, levando o caso a julgamento perante toda a Quinta Turma.
O caso concreto submetido ao Colegiado foi o de que havia sido instaurado inquérito policial para investigar o paciente pelo crime do artigo 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, uma vez que, “durante uma apresentação de stand-up comedy, fez piada envolvendo pessoa com deficiência física, uma cadeirante”.
O investigado não concordou com a instauração de inquérito policial e impetrou habeas corpus, o qual, no entanto, teve a ordem denegada nas instâncias inferiores. Ou seja, as instâncias inferiores estavam mantendo a investigação criminal.
Assim, com fundamento no artigo 105, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, o investigado interpôs recurso ordinário contra a decisão denegatória de habeas corpus, o qual chegou até o STJ, onde o relator, de ofício, concedeu ordem para trancar o inquérito policial.
O que decidiu o STJ?
O Relator iniciou seu voto tecendo considerações sobre o trancamento prematura de uma ação penal ou de um inquérito policial.
Nesse sentido, ponderou tratar-se de medida excepcional, admitida apenas quando ficar demonstrada, de forma inequívoca e sem necessidade de incursão no acervo probatório: a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
Por esse motivo, ponderou que, na maioria dos casos, não se admite a apreciação de alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência de indícios de autoria e materialidade em sede de habeas corpus.
Isso porque essas constatações dependem, geralmente, da análise pormenorizada dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatível, como referido alhures, com o rito sumário do HC.
Ocorre que, no presente caso, da leitura do acórdão de 2º grau recorrido, o STJ verificou que o inquérito policial foi instaurado PARA VERIFICAR se o paciente, ao contar uma piada sobre cadeirante, procedeu ou não com dolo de “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”.
Ou seja, o contexto, ao invés de revelar, por si só, o dolo específico, na verdade demonstrava a ausência de dolo, de acordo com a 5ª Turma do STJ.
Desse modo, entendeu-se que:
O fato de se tratar de um show de stand up comedy já denota a presunção do animus jocandi, sendo necessário, portanto, elementos no mínimo sugestionadores do dolo específico de discriminação, para que seja possível instaurar um inquérito, o que não se verifica na presente hipótese.
Por esse motivo, o STJ negou provimento ao agravo regimental do MPF, mantendo a decisão que, embora não conhecesse do recurso ordinário em HC manejado pelo investigado, concedeu ordem de ofício para trancar o inquérito policial.
Além disso, fez-se referência a outro julgado similar do STJ, confira-se:
– Não há dúvida de que se trata de conduta em que o animus jocandi se fez presente […]. (QC n. 2/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 16/8/2023, DJe de 23/8/2023.). […] a mera intenção de caçoar (animus jocandi), de narrar (animus narrandi), de defender (animus defendendi), de informar ou aconselhar (animus consulendi), de criticar (animus criticandi) ou de corrigir (animus corrigendi) exclui o elemento subjetivo e, por conseguinte, afasta a tipicidade […]. (HC n. 234.134/MT, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 6/11/2012, DJe de 16/11/2012.)
Conclusão
Portanto, pessoal, este foi nosso resumo sobre piada em stand up e a ocorrência de discriminação contra pessoa com deficiência, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Como vimos, o STJ possui o entendimento no sentido de que o animus jocandi, em contexto de show de stand up comedy, exclui o dolo específico de discriminação e afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Não deixe de revisar o assunto em seu material de estudo e praticar com diversas questões.
Até a próxima!
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