Permuta entre Magistrados e Juiz Natural: STJ flexibiliza perpetuação da jurisdição

Permuta entre Magistrados e Juiz Natural: STJ flexibiliza perpetuação da jurisdição

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, em novembro de 2025, questão de notável sensibilidade para organização judiciária brasileira, vejamos o julgado:

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Isto é, ao julgar o Recurso Especial 2.104.647-SP, a Terceira Turma, por maioria de votos, estabeleceu importante exceção ao princípio da perpetuação da jurisdição previsto no artigo 43 do Código de Processo Civil.

Veja que o caso concreto colocou em rota de colisão dois princípios fundamentais do processo civil: de um lado, a regra da perpetuação da jurisdição e o princípio do juiz natural; de outro, o princípio da identidade física do juiz.

Vale ressaltar que, a relatora originária, Ministra Daniela Teixeira, ficou vencida.

Inclusive, o voto prevalecente foi proferido pelo Ministro Moura Ribeiro, tornando-se relator para o acórdão.

Perceba que essa circunstância já sinaliza a existência de divergência profunda no colegiado quanto à interpretação dos princípios envolvidos.

O caso concreto e o acordo de cooperação

De início, a controvérsia surgiu em ação que tramitava perante Vara Cível do Foro Central de São Paulo.

Durante o curso processual, ocorreu permuta entre magistrados.

Ora, a juíza que presidiu a instrução processual e colheu pessoalmente a prova oral deixou a vara, sendo substituída por outro magistrado em razão da permuta.

Todavia, antes da efetivação da substituição, os juízes permutantes celebraram acordo de cooperação com objetivo específico: preservar o princípio da identidade física do juiz.

Nesse sentido, os magistrados pactuaram que cada qual permaneceria responsável por sentenciar os processos em que presidiu pessoalmente a colheita da prova oral.

Destarte, a magistrada que deixava a vara retornaria posteriormente para prolatar sentença nos feitos em que ouviu testemunhas e interrogou partes, mesmo após sua saída formal daquela unidade jurisdicional.

Veja que o propósito declarado era evitar que o novo juiz, que não presenciou a produção da prova oral, tivesse que julgar com base em mera leitura de atas de audiência.

Com efeito, foi exatamente isso que aconteceu no caso concreto.

A magistrada que já não mais exercia jurisdição na Vara Cível proferiu sentença no processo, fundamentando sua atuação no acordo celebrado com o juízo permutante.

Todavia, a parte vencida insurgiu-se contra essa prática, alegando violação ao princípio do juiz natural e nulidade da sentença por incompetência absoluta do julgador.

O princípio da perpetuação da jurisdição

O artigo 43 do Código de Processo Civil estabelece regra clara sobre fixação da competência: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”.

Perceba que o legislador adotou critério temporal objetivo para definição da competência, vinculando-a ao momento inicial da demanda.

Ora, essa regra possui fundamento constitucional sólido.

O princípio do juiz natural, previsto nos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º da Constituição Federal, estabelece que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, vedando-se a criação de tribunais de exceção.

Nesse sentido, a perpetuação da jurisdição garante que o jurisdicionado não será surpreendido por mudanças posteriores que alterem o juiz responsável pelo julgamento de sua causa.

Com efeito, a doutrina processual brasileira sempre enfatizou o caráter protetivo dessa regra.

Fredie Didier Jr. esclarece que a perpetuação visa garantir segurança jurídica e previsibilidade, evitando manobras tendentes a direcionar processos para determinados julgadores.

Veja que se permitisse modificações posteriores da competência, abrir-se-ia espaço para manipulações incompatíveis com a imparcialidade judicial.

Todavia, o próprio artigo 43 do CPC prevê exceções expressas: supressão de órgão judiciário ou alteração de competência absoluta.

Destarte, o legislador já reconheceu que a regra da perpetuação não possui caráter absoluto, admitindo flexibilizações em hipóteses específicas.

A questão que se coloca é saber se outras exceções, não previstas expressamente no texto legal, podem ser admitidas pela jurisprudência.

As exceções já reconhecidas pela jurisprudência

Nesse ponto, convém destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia, antes do julgamento do REsp 2.104.647-SP, exceções ao princípio da perpetuação da jurisdição em determinadas circunstâncias.

Veja que a jurisprudência consolidada reconhece a validade de mutirões processuais, redistribuições para equalização de acervos e outras formas de cooperação judiciária, mesmo quando implicam julgamento por magistrado diverso daquele que originalmente recebeu o processo.

Ora, essas exceções jurisprudenciais possuem características comuns.

Em primeiro lugar, decorrem de causas objetivas, não relacionadas ao mérito ou às partes do processo específico.

Em segundo lugar, contam com autorização prévia e formal da administração do tribunal.

Com efeito, o que legitima essas exceções é precisamente a ausência de risco de direcionamento casuístico de julgamentos e a existência de controle administrativo sobre a prática.

Nesse sentido, mutirões de julgamento constituem prática amplamente aceita no Judiciário brasileiro.

Juízes auxiliares, convocados ou designados, sentenciam processos distribuídos originalmente a outros magistrados, sem que isso configure violação ao juiz natural.

Perceba que ninguém questiona a validade dessas sentenças, desde que proferidas com autorização formal e em contexto de cooperação institucional.

Da mesma forma, redistribuições para equalização de acervos representam mecanismo comum de gestão judiciária.

Todavia, varas com excesso de processos podem ter parte de seu acervo redistribuído a outras unidades com menor carga de trabalho.

Destarte, processos que tramitavam perante determinado juízo passam a ser julgados por magistrado diverso, sem que isso implique nulidade processual.

A tensão com o princípio da “identidade física do juiz”

Veja que o caso concreto apresenta peculiaridade relevante que o distingue das exceções já reconhecidas pela jurisprudência.

O acordo de cooperação celebrado entre os juízes permutantes não visava apenas facilitar a gestão de acervos ou promover celeridade processual.

Com efeito, o objetivo declarado era preservar outro princípio processual importante: a identidade física do juiz.

O artigo 361, §2º, do Código de Processo Civil estabelece que “o juiz que presidiu a instrução deve proferir a sentença”.

Ora, essa regra consagra o princípio da identidade física do juiz, segundo o qual o magistrado que colheu pessoalmente a prova oral deve ser o mesmo que julga o mérito da causa.

Nesse sentido, o legislador reconheceu que a percepção direta do comportamento das testemunhas, da postura das partes, da linguagem corporal dos depoentes constitui elemento valioso para formação do convencimento judicial.

Perceba que esse princípio possui fundamento psicológico e probatório sólido.

Testemunhas podem apresentar versões escritas idênticas, mas comportamentos completamente diversos durante o depoimento oral.

Com efeito, hesitações, contradições, segurança nas respostas, coerência gestual são elementos que apenas o juiz presente à audiência pode captar plenamente.

A leitura posterior de atas, por mais detalhadas que sejam, não substitui a percepção direta.

Todavia, o próprio artigo 361, §2º, do CPC estabelece exceções ao princípio da identidade física. Segundo o dispositivo legal, “Em caso de convocação, afastamento, promoção, aposentadoria ou exoneração, a sentença poderá ser proferida pelo juiz substituto”.

Veja que o legislador reconheceu situações em que a identidade física deve ceder diante de circunstâncias supervenientes relacionadas à carreira do magistrado.

Nesse sentido, surge questão delicada: pode o próprio magistrado que colheu a prova, mesmo após deixar a vara, retornar pontualmente para sentenciar o processo?

Ora, essa hipótese não se enquadra perfeitamente nas exceções previstas no §2º do artigo 361, pois não se trata de convocação, afastamento, promoção, aposentadoria ou exoneração que impediria o julgamento.

Trata-se de permuta voluntária, situação não expressamente contemplada pelo legislador.

Assim, decidiu o STJ:

O princípio da perpetuação da jurisdição pode ser excepcionado em decorrência de acordo celebrado entre os juízos permutantes, para que cada qual sentencie os processos nos quais colhida diretamente a prova oral antes da substituição.

REsp 2.104.647-SP, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 11/11/2025.

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