Pensão alimentícia vitalícia entre ex-cônjuges: Entenda a decisão do STJ com base na supressio e surrectio

Pensão alimentícia vitalícia entre ex-cônjuges: Entenda a decisão do STJ com base na supressio e surrectio

Anteriormente, aqui neste blog comentamos a possibilidade de haver uma “pensão alimentícia vitalícia” para mulheres em uma decisão bem importante do STJ, conforme pode ser lido abaixo:

Pensão alimentícia vitalícia — decisão do STJ

Pensão alimentícia vitalícia: decisão do STJ

Entenda como supressio e surrectio sustentam a manutenção por prazo indeterminado.

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Ora, e agora?

Em resumo, temos aqui uma nova possibilidade de “pensão alimentícia vitalícia”!

Colegas, permitam-me apresentar uma decisão que representa marco significativo na aplicação dos institutos da supressio e surrectio no âmbito do direito de família:

“É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentanteque deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge”.

Isto é, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, enfrentou questão de extrema complexidade: pode um ex-cônjuge, após pagar voluntariamente pensão alimentícia por vinte e cinco anos além do prazo acordado, simplesmente cessar os pagamentos invocando exoneração anterior?

A resposta negativa do tribunal fundamenta-se na incidência conjugada desses dois institutos decorrentes da boa-fé objetiva, demonstrando como a conduta prolongada no tempo pode redefinir completamente as relações jurídicas estabelecidas.

O contexto fático da pensão alimentícia vitalícia e sua relevância jurídica

pensão alimentícia vitalícia

Os fatos revelam situações aparentemente simples, mas juridicamente complexas.

Em 1993, quando do divórcio consensual, as partes acordaram pagamento de pensão alimentícia correspondente a 5% dos rendimentos líquidos do varão, além do plano de saúde, pelo prazo determinado de um ano.  

Esse acordo, devidamente homologado judicialmente, criou obrigação com termo final claramente estabelecido.

Ocorre que, transcorrido o prazo avençado, o ex-marido manteve espontaneamente os pagamentos por mais de vinte e cinco anos consecutivos. Importante salientar que, em 1995, as partes chegaram a peticionar pleiteando prorrogação por prazo indeterminado, pedido não conhecido pelo juízo por questões processuais. 

Todavia, independentemente dessa formalização, o alimentante persistiu na prestação voluntária até julho de 2018, quando finalmente ajuizou ação de exoneração.

A fundamentação dogmática dos institutos aplicados

A decisão ancora-se solidamente na teoria da confiança, pilar fundamental da boa-fé objetiva

Conforme ressalta o acórdão:

“a confiança, no contexto das relações privadas, desempenha papel fundamental ao assegurar proteção qualificada ao comportamento humano, sendo expressão concreta da solidariedade social constitucionalmente albergada”.

Nesse contexto, a supressio configura-se como “a perda de determinada faculdade jurídica em razão do não exercício prolongado desse direito, o que leva ao seu esvaziamento”. 

Por sua vez, a surrectio representa fenômeno correlato, consistindo “no surgimento de uma vantagem para determinada pessoa, justamente porque a outra parte deixou de exercer o direito ao qual faria jus”.

Cumpre observar que esses institutos operam como verdadeiros mecanismos de estabilização das expectativas jurídicas, impedindo mudanças abruptas de conduta que contrariem a confiança anteriormente depositada. 

Destarte, funcionam como limitadores do exercício de direitos quando este exercício, pela circunstância temporal e pela conduta das partes, revelaria contradição inadmissível com comportamentos anteriores.

A distinção conceitual entre supressio com o venire contra factum proprium

Aspecto fundamental para a compreensão adequada reside na distinção entre supressio e o venire contra factum proprium. 

Embora ambos os institutos visem à preservação da confiança alheia, diferem quanto ao elemento temporal e à natureza da conduta geradora de expectativas.

Como esclarece o julgado,

"enquanto no venire, a expectativa do outro decorre de uma conduta ativa anterior, que não pode ser desmentida posteriormente; na supressio, a expectativa nasce da omissão prolongada do titular do direito, cuja inércia, associada a elementos objetivos que indiquem o desuso, conduz à convicção de que tal direito não será mais exercido".

No caso concreto, não se trata propriamente de comportamento contraditório típico do venire, mas sim de inércia qualificada. 

O ex-marido não apenas se omitiu quanto ao exercício do direito de exoneração – ele adotou conduta diametralmente oposta, mantendo ativamente os pagamentos durante período extenso. 

Essa conduta positiva, reiterada e sistemática, transcende a mera omissão e configura verdadeira manifestação de vontade pela continuidade da prestação.

A aplicação concreta dos institutos no caso

A análise do tribunal revela elementos inequívocos da configuração da supressio em relação ao alimentante. 

Durante mais de duas décadas, este deixou de exercer direito de exoneração do qual dispunha, optando voluntariamente por manter os pagamentos. 

Tal conduta, pela sua duração e sistematicidade, gerou legítima expectativa na alimentanda de que a prestação perduraria indefinidamente.

Simultaneamente, configura-se a surrectio em favor da ex-esposa. 

Durante vinte e cinco anos, ela organizou sua existência contando com aquela renda mensal, tomando decisões patrimoniais e pessoais baseadas na estabilidade proporcionada pelos pagamentos regulares. Assim, desenvolveu expectativa legítima de continuidade que merece tutela jurídica.

Ademais, circunstâncias pessoais da alimentanda reforçam a configuração dos institutos.

 O acórdão registra que ela “teve de abdicar de seu trabalho em razão de mudança da família para a cidade de Petrópolis, em função do emprego do ex-marido”. 

Posteriormente, já idosa e com problemas de saúde graves, encontra-se impossibilitada de reinserção no mercado laboral.

A dimensão ética no direito de família

Particularmente relevante é a observação do tribunal quanto à aplicação da boa-fé objetiva no âmbito familiar. 

Isto porque, as relações de família, pela sua natureza existencial e pela intensidade dos vínculos envolvidos, demandam proteção qualificada da confiança mútua. 

Nesse sentido, “a eventual violação de justa expectativa deverá ser verificada na situação em concreto, devendo o julgador buscar a melhor forma de concretização das expectativas e esperanças criadas no ambiente familiar”.

Assim, a decisão reconhece ainda a transitoriedade como regra geral dos alimentos entre ex-cônjuges, destinados a garantir auxílio material “até que possa retomar sua autonomia financeira”. 

Contudo, admite exceções quando presentes circunstâncias que tornem impossível ou inexigível essa reinserção autônoma, como “impossibilidade prática de reinserção do alimentando no mercado de trabalho; em hipótese de idade avançada do alimentando; ou de condição de saúde fragilizada”.

Logo, a incidência conjugada da supressio e surrectio produz efeitos jurídicos concretos e duradouros, inclusive no direito de família! 

O ex-marido não pode mais invocar unilateralmente a exoneração para cessar abruptamente os pagamentos, tendo perdido essa faculdade pelo não exercício prolongado associado à conduta positiva contrária. 

Por outro lado, a ex-esposa adquire direito de exigir a continuidade da prestação, respaldada na expectativa legitimamente criada.

Outrossim, a decisão estabelece que os pagamentos devem perdurar por prazo indeterminado, considerando tanto a aplicação dos institutos quanto as circunstâncias pessoais da alimentanda (idade avançada, problemas de saúde, impossibilidade de reinserção laboral). Dessa forma, harmoniza-se a proteção da confiança com as necessidades concretas reveladas no caso, consolidando a tese da pensão alimentícia vitalícia como exceção legítima no direito de família.

Eu nem tenho dúvida, vejo isso na prova oral!

Como o tema já foi cobrado em provas:

Prova: FGV – 2024 – AL-TO – Procurador Jurídico

O princípio da confiança conectado à cláusula geral da boa-fé objetiva serve de fundamento para justificar a modulação de certos efeitos negociais. Eis a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça já definiu que é possível a “redução do conteúdo obrigacional pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.” (Recurso Especial nº 1.879.503).

Com base nesta corrente dogmática, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, assinale a opção que, corretamente, deve ser qualificada como hipótese da supressio ou da surrectio:

a) Locadora que deixa de aplicar o reajuste no valor do aluguel, ao longo de cinco anos, perdendo o direito de cobrá-lo (supressio), tanto os retroativos, quanto os valores posteriores à notificação.

b) Obrigação alimentar extinta, mas que continua a ser paga por mera liberalidade do alimentante, ao longo de quinze anos, pode ser mantida com fundamento no instituto da surrectio.

c) Credor que, em dívida contratualmente portável, aceita receber o primeiro pagamento no domicílio do devedor, perde o direito de receber em seu domicílio nos vencimentos subsequentes (supressio).

d) Investidor de fundo de investimento que permanece inerte por quarenta anos perde o direito de exigir a prestação de contas sobre o destino de suas aplicações, em razão da supressio.

e) Distribuidora que, por seis anos, não exige obrigação contratual, ao posto varejista, de aquisição de quantidade mínima mensal de combustível, perde o direito de cobrar a multa prevista (supressio). 

Gabarito: Letra E


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