Será que o seu imóvel residencial pode ser penhorado para pagar dívidas de reforma? Foi isso que analisou o STJ no informativo 800.
Imagine a seguinte situação: Regina contratou Maísa, uma empreiteira pessoa física, para reformar seu apartamento.
Após a conclusão dos serviços, Regina não pagou Maísa, que então ajuizou uma ação de cobrança e solicitou a penhora do apartamento que era o único bem disponível.
Regina argumentou que o imóvel era bem de família e, portanto, impenhorável.
O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mas será que a dívida de reforma pode mesmo justificar a penhora de um bem de família?
Vamos explorar essa questão com base no recente julgamento do STJ, no Recurso Especial nº 2082860-RS, que trata da impenhorabilidade do bem de família e suas exceções.
Entendendo o instituto do bem de família
A proteção do bem de família está consagrada na Lei nº 8.009/90, que estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial familiar para evitar que famílias fiquem desabrigadas por causa de dívidas. Segundo o artigo 1º da lei:
Art. 1º da Lei nº 8.009/90: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei."
Entretanto, o artigo 3º da mesma lei prevê exceções a essa regra de impenhorabilidade. A jurisprudência inclusive, explica que as exceções devem ter uma interpretação restritiva.
Uma dessas exceções está prevista no inciso II, que permite a penhora quando a dívida é decorrente de financiamento que se destina à construção ou aquisição do imóvel.
Art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90:
"A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato."
Voltando ao caso concreto
No caso julgado pelo STJ, Regina contratou Marisa para realizar serviços de reforma e decoração em seu imóvel residencial.
Após a conclusão dos serviços, Regina não efetuou o pagamento.
Marisa então ajuizou uma ação de cobrança e, no cumprimento de sentença, solicitaram a penhora do imóvel.
Regina, por sua vez, argumentou que o apartamento era bem de família e, portanto, protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90.
O STJ decidiu que a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta. Deve-se interpretar as exceções previstas no artigo 3º da Lei nº 8.009/90 de maneira a evitar que devedores utilizem essa proteção para inadimplir dívidas legítimas.
Veja um trecho da ementa:
“Da exegese do comando do art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90, fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel.”
Iniciativa semelhante vislumbra-se no § 1º do art. 833 do CPC, segundo o qual “a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.
A decisão destacou que a finalidade da norma é evitar que se use o benefício da impenhorabilidade de forma fraudulenta para enriquecer o devedor às custas do credor. A dívida contraída para a reforma do imóvel, que beneficia diretamente o bem de família, se enquadra na exceção prevista no artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/90.
Aprofundando mais um pouco
O STJ, ao interpretar o artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/90, adotou uma interpretação teleológica, buscando compreender a finalidade da norma.
O legislador, ao criar essa exceção, pretendia evitar que devedores utilizassem a proteção do bem de família para não pagar dívidas relacionadas diretamente ao próprio imóvel, incluindo financiamentos para a aquisição, construção ou reformas.
Nesse sentido, veja um trecho do voto do Relator:
“O intuito da norma foi evitar que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem.”
Essa interpretação visa impedir que devedores obtenham benefícios sem dar a devida contraprestação aos credores que financiaram melhorias no imóvel.
Permitir a penhora do bem de família para saldar dívidas de reforma mantém o equilíbrio entre a proteção da moradia familiar e os direitos dos credores.
Como o tema já caiu em concursos
MPE-PR - 2013 - MPE-PR - Promotor de Justiça A impenhorabilidade do bem de família legal (Lei nº 8.009/90) não é oponível: II - Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; (Certo)
Conclusão
A decisão do STJ no Recurso Especial nº 2082860-RS estabelece um importante precedente na interpretação da Lei nº 8.009/90.
Fica claro que a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta e pode ser afastada quando a dívida é decorrente de reformas no imóvel. Essa decisão reforça a ideia de que a proteção do bem de família não deve ser usada de maneira indevida para evitar o pagamento de dívidas legítimas.
Portanto, permite-se a penhora do bem de família para saldar dívidas decorrentes de reformas, garantindo que credores que financiaram melhorias no imóvel possam ser pagos. Deve-se interpretar o artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/90 de forma a incluir dívidas contraídas para a reforma do imóvel, mantendo o equilíbrio entre a proteção da moradia familiar e os direitos dos credores.
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