De início, cumpre destacar que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime proferida em fevereiro de 2025 no julgamento do Recurso Especial nº 2.127.038/SP, estabeleceu importante marco jurisprudencial ao reconhecer expressamente a possibilidade de expedição de ofício às corretoras de criptoativos (exchanges) para fins de localização e eventual penhora de ativos digitais de titularidade do devedor.
Com efeito, o caso sob análise possui relevância singular, porquanto representa substancial avanço na integração dos novos ativos digitais à sistemática processual executiva brasileira, promovendo, desta feita, maior efetividade na satisfação dos créditos judicialmente reconhecidos.
Contextualização fática
Nessa linha de intelecção, impende salientar que o recurso especial foi interposto pela empresa Pearson Education do Brasil Ltda. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O Tribunal, em sede de agravo de instrumento, negou provimento ao recurso da empresa. Assim, manteve-se a decisão que indeferiu pedido de expedição de ofício às corretoras de criptomoedas para localização e penhora de eventuais ativos financeiros da parte executada.

Doutra banda, o fundamento central da negativa pelo tribunal paulista repousava na ausência de regulamentação acerca da comercialização de criptoativos no Brasil. Argumentou também sobre a inexistência de garantia sobre a capacidade de conversão de tais ativos em moeda de curso forçado.
De mais a mais, o tribunal a quo argumentou que permitir o acesso a dados em exchanges sem elementos, indícios ou provas da existência desses ativos possibilitaria eventual quebra de sigilo financeiro da parte executada.
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Da fundamentação desenvolvida pelo STJ
Da natureza jurídica dos criptoativos
Face ao contexto apresentado, em seu voto-condutor, o Ministro Relator Humberto Martins destacou que, embora não constituam moeda de curso legal, os criptoativos possuem inegável valor econômico. Dessa forma, eles podem ser utilizados como forma de pagamento e reserva de valor.
Neste sentido, apontou que a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.888/2019 já reconhece sua relevância econômica ao instituir a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos.
Noutras palavras, a corte superior compreendeu que os criptoativos integram efetivamente o patrimônio de seus titulares, estando sujeitos, portanto, ao princípio geral esculpido no art. 789 do Código de Processo Civil, segundo o qual:
"o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei".
Da legalidade e efetividade processual
Outrossim, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em voto-vista que aprofundou a análise, enfatizou que a falta de regulamentação específica do mercado de criptoativos no Brasil não altera a realidade fática de que essas fintechs estão em plena atividade. Enseja-se, por conseguinte, a adoção de soluções práticas capazes de conferir efetividade às execuções.
Destacou-se no julgamento que os criptoativos apresentam características próprias que os tornam menos suscetíveis de localização, identificação do titular, penhora, custódia e liquidação, em razão de peculiaridades como:
• Utilização de tecnologia blockchain, baseada em modelo descentralizado;
• Pseudo-anonimato das transações, vinculadas a chaves específicas protegidas por criptografia;
• Velocidade das transações, permitindo rápida movimentação de valores;
• Diversas formas de armazenamento, incluindo carteiras privadas (private wallets) não vinculadas a exchanges.
Não obstante tais desafios técnicos, a corte entendeu que estas dificuldades não podem servir ao propósito de impedir a satisfação do direito do credor, notadamente quando todas as demais tentativas de localização de bens penhoráveis resultaram infrutíferas. Isto é, o formalismo processual não deve sobrepor-se à efetividade da tutela jurisdicional executiva.
Da compatibilidade com o ordenamento jurídico vigente
Entrementes, o julgado ressaltou que a expedição de ofício às exchanges não implica necessariamente quebra de sigilo financeiro. Representa, em verdade, medida investigativa voltada à localização de bens, semelhante ao que já ocorre via sistema SisbaJud em relação às instituições financeiras tradicionais.
Mencionou-se ainda que, em futuro próximo, a implementação do "CriptoJud", ferramenta em desenvolvimento pelo Conselho Nacional de Justiça em parceria com a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCRIPTO), tornará mais simples e célere a busca de criptoativos de propriedade de devedores.
Destarte, o aperfeiçoamento dos mecanismos técnicos não deve ser óbice à imediata aplicação do entendimento firmado.
Aspectos procedimentais relevantes
Em que pese o reconhecimento da viabilidade jurídica da penhora de criptoativos, o Ministro Villas Bôas Cueva destacou em seu voto-vista alguns parâmetros para orientar a prática judiciária:
• Especificidade do pedido: a parte credora deve especificar as corretoras que entende devam ser oficiadas, evitando, assim, diligências genéricas;
• Relação custo-benefício: o magistrado deve avaliar a relação entre o custo da apuração e os valores cobrados na execução;
• Limites de impenhorabilidade: verificar a possibilidade de aplicação da regra de impenhorabilidade de verbas inferiores a 40 salários mínimos, desde que comprovado que constituem reserva de patrimônio destinada a assegurar o mínimo existencial;
• Conversão em moeda corrente: A forma mais apropriada para a penhora seria, perante a própria exchange onde localizado o criptoativo, determinar o bloqueio de operações do titular e converter o ativo apreendido imediatamente em moeda corrente, depositando-se o produto em conta vinculada ao processo judicial.
Ademais, tais diretrizes visam conciliar a efetividade da execução com a proporcionalidade das medidas constritivas. Isso equilibra, via de consequência, os interesses contrapostos das partes envolvidas na relação processual.
Outrossim, o posicionamento adotado tende a desestimular práticas de ocultação patrimonial mediante conversão de ativos tradicionais em criptomoedas. Isso contribui para maior probidade no cumprimento das obrigações civis.
Vale destacar que o Projeto de Lei nº 1.600/2022, mencionado no acórdão, pretende explicitar no art. 835 do CPC a possibilidade de penhora de criptoativos, definindo-os como:
"representações digitais de valor que, embora não sejam moeda, possuem unidade de medida própria, sendo negociados eletronicamente por meio de criptografia e no contexto de tecnologias de registro distribuído".
Todavia, ainda que se aprove a proposta legislativa, a decisão do STJ evidencia que as normas processuais em vigor, notadamente o art. 789 do CPC, já autorizam, de per si, a constrição de criptoativos para satisfação de créditos judiciais, prescindindo de inovação normativa para sua aplicabilidade imediata.
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