STF permite parentes de juízes em cargo de assistente no TJ/SP na ADI 3496

STF permite parentes de juízes em cargo de assistente no TJ/SP na ADI 3496

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução: nepotismo x mérito – o dilema resolvido pelo STF

Imagine a seguinte situação: você é servidor efetivo do Tribunal de Justiça de São Paulo, aprovado em concurso público, com mestrado em Direito Constitucional e vasta experiência na área. Surge uma vaga para o cargo comissionado de Assistente Jurídico de Desembargador – função para a qual você é perfeitamente qualificado. Mas há um problema: seu pai também é Desembargador do mesmo Tribunal. Você pode ser nomeado?

Até outubro de 2025, a resposta em São Paulo era categórica: não. Uma lei estadual proibia de forma absoluta a nomeação de cônjuges e parentes de magistrados para cargos comissionados no Judiciário paulista, independentemente de qualificação técnica ou aprovação em concurso.

Mas o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3496, mudou esse cenário. Por 7 votos a 2, a Corte declarou que a vedação absoluta é inconstitucional quando atinge servidores efetivos aprovados em concurso público, desde que observadas condições específicas.

parentes

Essa decisão representa um importante equilíbrio entre dois valores constitucionais aparentemente conflitantes: de um lado, o combate ao nepotismo; de outro, o princípio da acessibilidade aos cargos públicos e a valorização do mérito.

Se você está se preparando para Ministério Público, Magistratura, Procuradorias ou qualquer carreira jurídica, este tema é estratégico. Envolve Direito Constitucional (princípios administrativos), Direito Administrativo (nepotismo, cargos comissionados) e jurisprudência recente do STF. Vamos destrinchá-lo com a profundidade que o tema merece.

O contexto da ADI 3496: a lei paulista e sua rigidez

A norma questionada

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra o parágrafo único do art. 4º da Lei 7.451/91 do Estado de São Paulo, que estabelecia:

"Fica vedada a nomeação de cônjuge ou parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau, de integrantes do Poder Judiciário paulista para cargos em comissão."

A norma era absoluta: não admitia exceções, nem mesmo para servidores efetivos aprovados em concurso público com reconhecida qualificação técnica.

Exemplo prático da vedação

Imagine que:

  • João é servidor efetivo do TJ/SP, aprovado em concurso para o cargo de Analista Judiciário
  • João possui mestrado em Direito Processual Civil
  • O pai de João é Desembargador do TJ/SP
  • Outro Desembargador (totalmente sem vínculo familiar com João) quer nomeá-lo como Assistente Jurídico

A lei paulista proibia essa nomeação, mesmo que:

  • João fosse servidor concursado
  • Tivesse alta qualificação
  • Não fosse trabalhar subordinado ao próprio pai
  • Não houvesse qualquer evidência de favorecimento

O argumento do PGR

A Procuradoria-Geral da República sustentou que a restrição absoluta violava:

  • O princípio do concurso público (art. 37, II, CF)
  • O princípio da acessibilidade aos cargos públicos (art. 37, I, CF)
  • O princípio da capacitação técnica

Segundo o PGR, proibir a nomeação de servidor já aprovado em concurso, altamente qualificado, apenas por ser parente de magistrado (ainda que não haja subordinação direta), é medida desproporcional que sacrifica o mérito em nome de um rigor excessivo.

O parâmetro de controle: Resolução 7/2005 do CNJ

Antes de analisarmos os votos, você precisa conhecer um precedente fundamental: a Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O que diz a Resolução 7/2005?

A resolução disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes de magistrados no âmbito do Judiciário nacional. Seu art. 2º, I estabelece:

"Constitui prática de nepotismo o exercício de cargo comissionado ou função gratificada por cônjuge, companheiro ou parente até o 3º grau de membros ou juízes vinculados."

Mas o § 1º do art. 2º traz uma exceção crucial:

"Ficam excepcionadas as nomeações de servidores ocupantes de cargo efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade, a qualificação profissional e a complexidade do cargo, vedada, em qualquer caso, a nomeação para servir subordinado ao magistrado determinante da incompatibilidade."

Traduzindo para linguagem de concurseiro

A Resolução 7/2005 permite a nomeação de parentes de magistrados desde que:

    • O nomeado seja servidor efetivo da carreira judiciária
    • Tenha sido aprovado em concurso público
    • Haja compatibilidade entre a escolaridade do cargo de origem e o cargo comissionado
    • Exista qualificação profissional adequada
    • O cargo comissionado tenha complexidade compatível
    • NÃO haja subordinação direta ao parente magistrado

    A constitucionalidade da Resolução 7/2005

    O STF, na ADC 12 (Rel. Min. Carlos Ayres Britto), declarou a constitucionalidade da Resolução 7/2005, reconhecendo que:

    • O CNJ tem competência para regulamentar o tema
    • A vedação ao nepotismo decorre diretamente da Constituição
    • As exceções previstas são razoáveis e compatíveis com os princípios constitucionais

    Esse precedente foi fundamental para o julgamento da ADI 3496.

    A Súmula Vinculante 13: o piso mínimo nacional

    Outro precedente relevante é a Súmula Vinculante 13, aprovada pelo STF em 2008:

    "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

    Pontos-chave da SV 13

    • Veda nepotismo em todos os Poderes e entes federativos;
    • Inclui nepotismo cruzado (designações recíprocas);
    • Aplica-se a cargos de direção, chefia e assessoramento;
    • Decorre diretamente da Constituição (moralidade, impessoalidade).

    As exceções reconhecidas pela jurisprudência

    Embora a SV 13 estabeleça vedação ampla, o STF reconheceu exceções em julgamentos posteriores:

    • Cargos de natureza política: Ministros de Estado, Secretários estaduais/municipais, cargos de livre nomeação com atribuições essencialmente políticas podem ser ocupados por parentes, desde que haja qualificação técnica e não seja manifesta a ausência de razoabilidade (Rcl 6.650 MC-AgR e Rcl 28.024).
    • Servidores efetivos concursados: Tema da ADI 3496 – quando o nomeado já foi aprovado em concurso, demonstrando capacitação técnica.

    Os votos no STF: posição vencedora x divergência

    Voto vencedor: Ministro Nunes Marques (relator)

    O Ministro Nunes Marques declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto da norma paulista, acompanhado por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e André Mendonça (7 votos).

    Principais fundamentos:

    • Princípio da capacitação técnica: Servidores aprovados em concurso público já demonstraram aptidão para o serviço público. Vedar sua nomeação apenas por parentesco é desproporcional.
    • Princípio da acessibilidade aos cargos públicos (art. 37, I, CF): A Constituição assegura acesso aos cargos públicos a quem preencha os requisitos legais. Proibição absoluta restringe indevidamente esse acesso.
    • Valorização do mérito: Servidor altamente qualificado (mestre, doutor, com produção acadêmica relevante) não pode ser excluído apenas por parentesco, se não houver subordinação direta.
    • Resolução 7/2005 como paradigma adequado: A regra do CNJ equilibra bem o combate ao nepotismo com a valorização do mérito.

    Como sintetizou o relator:

    "Penso ser passo demasiado largo impossibilitar a servidor da carreira judiciária de certo Tribunal de Justiça, ocupante de cargo de provimento efetivo, mesmo estando qualificado – sendo, por exemplo, mestre, doutor ou autor de produção acadêmica relevante –, a nomeação para cargo em comissão ante o fato de ser cônjuge ou parente de outro magistrado."

    Condições fixadas pelo STF:

    Para que a nomeação seja válida, devem ser observadas cumulativamente:

    • O nomeado deve ser servidor efetivo da carreira judiciária, aprovado em concurso público
    • Deve haver compatibilidade entre o grau de escolaridade do cargo de origem e o cargo comissionado
    • Deve haver qualificação profissional adequada
    • O cargo comissionado deve ter complexidade compatível com a formação do servidor
    • Vedação absoluta de subordinação direta: O servidor não pode trabalhar subordinado ao parente magistrado

    Técnica de decisão:

    O STF utilizou a interpretação conforme à Constituição sem redução de texto. Ou seja:

    • O texto da lei permanece inalterado
    • Mas a interpretação é ajustada para excluir servidores concursados da vedação, desde que cumpridas as condições acima

    Voto complementar: Ministro Flávio Dino

    O Ministro Flávio Dino acompanhou o voto do relator, mas acrescentou uma ressalva importante: a vedação expressa ao nepotismo cruzado.

    O que significa nepotismo cruzado?

    São nomeações recíprocas entre magistrados, como:

    • Magistrado A nomeia o filho do Magistrado B
    • Em contrapartida, Magistrado B nomeia o filho do Magistrado A

    Flávio Dino ressaltou que essa prática, mesmo envolvendo servidores concursados, viola os princípios da moralidade e impessoalidade.

    O Ministro Luís Roberto Barroso acompanhou essa ressalva.

    Divergência: Ministro Edson Fachin

    O Ministro Edson Fachin abriu divergência, defendendo a constitucionalidade integral da norma paulista. Foi acompanhado pela Ministra Cármen Lúcia (2 votos).

    Principais argumentos:

    • Autonomia estadual: Estados têm competência para estabelecer regras mais rigorosas no combate ao nepotismo.
    • Federalismo cooperativo: A Constituição permite que entes federativos ampliem a proteção à moralidade administrativa.
    • Aparência de imparcialidade: Mesmo sem subordinação direta, a presença de parentes no mesmo órgão pode gerar percepção de favorecimento.
    • “Densificação” dos princípios constitucionais: A lei paulista não viola a Constituição, mas densifica (concretiza) os princípios da moralidade e impessoalidade.

    Como afirmou Fachin:

    "Configura nepotismo a nomeação de pessoa, com ou sem vínculo efetivo com a Administração, para exercer função gratificada, quando houver relação de parentesco com a autoridade nomeante."

    Para o ministro, a vedação deveria se estender a qualquer autoridade do mesmo órgão, e não apenas ao magistrado diretamente vinculado.

    Análise dogmática: os princípios em conflito

    A ADI 3496 expõe uma tensão constitucional clássica entre princípios. Vamos destrinchá-la:

    De um lado: moralidade, impessoalidade e combate ao nepotismo

    📌 Art. 37, caput, CF: A administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

    📌 Nepotismo: Prática que confunde as esferas pública e privada, gerando favorecimento pessoal em detrimento do interesse público.

    📌 Fundamento: O STF consolidou jurisprudência no sentido de que a vedação ao nepotismo decorre diretamente da Constituição, independentemente de lei específica (ADI 3.094 e SV 13).

    De outro lado: acessibilidade, mérito e capacitação

    📌 Art. 37, I, CF: “Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.”

    📌 Art. 37, II, CF: “A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público.”

    📌 Princípio da capacitação: Quem foi aprovado em concurso já demonstrou aptidão técnica para o serviço público.

    📌 Valorização do mérito: Não se pode excluir o servidor qualificado por critério alheio à capacidade técnica.

    A solução do STF: ponderação e proporcionalidade

    O STF aplicou o princípio da proporcionalidade para harmonizar os princípios em conflito:

    🟢 Adequação: A vedação ao nepotismo é adequada para proteger a moralidade administrativa.

    🟡 Necessidade: Mas a vedação absoluta não é necessária quando o servidor já demonstrou capacitação via concurso e não haverá subordinação direta.

    🟠 Proporcionalidade em sentido estrito: Os benefícios da vedação absoluta (evitar aparência de favorecimento) não superam os prejuízos (exclusão de servidores qualificados).

    Conclusão: A vedação é constitucional, mas deve permitir exceções quando presentes mérito comprovado e ausência de subordinação direta.

    Conexão com concursos públicos: como o tema pode cair?

    Questão Simulada (Estilo CESPE/CEBRASPE)

    Mário é servidor efetivo do Tribunal de Justiça de determinado Estado, ocupando o cargo de Analista Judiciário, para o qual foi aprovado em concurso público. Mário possui mestrado em Direito Processual Civil e ampla experiência na área. Seu pai, José, é Desembargador do mesmo Tribunal. O Desembargador Pedro, que não possui qualquer vínculo familiar com Mário, pretende nomeá-lo para o cargo comissionado de Assistente Jurídico. O Estado possui lei que veda, de forma absoluta, a nomeação de parentes de magistrados para cargos comissionados, sem qualquer exceção.

    À luz da jurisprudência do STF (ADI 3496 e Resolução 7/2005 do CNJ), assinale a alternativa correta.

    (A) A nomeação é vedada pela Súmula Vinculante 13, que proíbe qualquer forma de nepotismo na administração pública, sem exceções, ainda que o nomeado seja servidor concursado.

    (B) A nomeação é possível, pois Mário é servidor efetivo aprovado em concurso, possui qualificação técnica adequada e não haverá subordinação direta ao pai, devendo a lei estadual ser interpretada conforme à Constituição para afastar a vedação nesse caso.

    (C) A nomeação é vedada, pois o STF reconhece que Estados podem estabelecer regras mais rígidas de combate ao nepotismo, prevalecendo a autonomia estadual sobre a acessibilidade aos cargos públicos.

    (D) A nomeação só seria possível se houvesse autorização judicial prévia, por se tratar de hipótese de exceção à regra geral de vedação ao nepotismo.

    (E) A nomeação é possível, independentemente de qualquer condição, pois a aprovação em concurso público afasta automaticamente qualquer acusação de nepotismo.

    Gabarito: Letra B

    Por que a alternativa B está correta?

    O STF, na ADI 3496, declarou a inconstitucionalidade parcial (sem redução de texto) de lei paulista que vedava de forma absoluta a nomeação de parentes de magistrados, justamente em casos como o descrito. A Corte estabeleceu que a nomeação é possível quando presentes cumulativamente as seguintes condições:

    1. O nomeado é servidor efetivo da carreira judiciária, aprovado em concurso público ✅ (Mário atende)
    2. compatibilidade de escolaridade, qualificação profissional adequada e complexidade compatível ✅ (Mário tem mestrado e experiência)
    3. Não há subordinação direta ao parente magistrado ✅ (Mário será assistente de Pedro, não de José)

    Portanto, a lei estadual deve ser interpretada conforme à Constituição para permitir a nomeação nesse caso, seguindo o entendimento da ADI 3496 e da Resolução 7/2005 do CNJ.

    Por que as demais estão incorretas?

    (A) Errada. A Súmula Vinculante 13 veda o nepotismo, mas a própria jurisprudência do STF reconhece exceções, especialmente quando o nomeado é servidor concursado com qualificação técnica e não há subordinação direta (ADI 3496, Rcl 6.650).

    (C) Errada. Embora Estados tenham autonomia, o STF decidiu na ADI 3496 que a vedação absoluta é desproporcional quando atinge servidores concursados qualificados sem subordinação direta. A autonomia estadual não pode violar os princípios constitucionais da acessibilidade e do mérito.

    (D) Errada. Não há previsão de autorização judicial prévia para nomeação de servidor concursado nessas condições. O controle é administrativo e jurisdicional a posteriori, se houver questionamento.

    (E) Errada. A aprovação em concurso não afasta automaticamente a vedação ao nepotismo. É necessário que sejam cumpridas cumulativamente as condições fixadas pelo STF: compatibilidade de escolaridade, qualificação, complexidade do cargo e, principalmente, ausência de subordinação direta.

    Quadro comparativo para memorização

    AspectoLei Paulista (declarada inconstitucional)Entendimento do STF (ADI 3496)
    VedaçãoAbsoluta, sem exceçõesRelativa, com exceções
    Servidor concursadoProibido de ser nomeadoPode ser nomeado, se cumpridas condições
    Qualificação técnicaIrrelevanteRelevante e exigida
    Subordinação diretaProibido mesmo sem subordinaçãoVedado se houver subordinação
    ParâmetroRigidez excessivaProporcionalidade e equilíbrio

    Fechamento estratégico: o que você precisa gravar

    A vedação ao nepotismo NÃO é absoluta quando se trata de servidor efetivo aprovado em concurso público.

    –  O STF reconhece exceções, desde que cumpridas as condições: qualificação técnica, compatibilidade e ausência de subordinação direta.

    Resolução 7/2005 do CNJ é o paradigma adequado, equilibrando moralidade administrativa e mérito.

    Súmula Vinculante 13 veda nepotismo, mas comporta exceções reconhecidas pela jurisprudência.

    –  Estados não podem estabelecer vedação absoluta que viole desproporcionalmente os princípios da acessibilidade e do mérito (ADI 3496).

    Técnica de decisão: Interpretação conforme à Constituição sem redução de texto – a lei continua vigente, mas com interpretação ajustada.


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