* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Um juiz da Vara da Fazenda Pública Municipal de Anápolis, município próximo a Goiânia, acionou o Ministério Público de Goiás após uma estudante do curso de medicina da UniEvangélica possivelmente tentar burlar o sistema público de bolsa integral do Programa GraduAção.
GraduAção
Programa social e educacional oferecido pela Prefeitura de Anápolis, que concede bolsas de estudo para estudantes universitários de baixa renda matriculados em instituições de ensino superior privadas. O objetivo principal é garantir o acesso à educação superior para aqueles que possuem dificuldades financeiras.
Para ser elegível, o estudante deve ter uma renda familiar bruta de até seis salários mínimos e estar regularmente matriculado em uma instituição de ensino superior privada com autorização do Ministério da Educação. O programa busca promover a inclusão social através da educação, permitindo que mais pessoas tenham a oportunidade de concluir seus cursos de graduação.
O programa, portanto, tem como principais finalidades:
- Possibilitar a estudantes sem recursos financeiros próprios ou de familiares o acesso à educação superior;
- Auxiliar na formação de profissionais;
- Incentivar a permanência e viabilizar o retorno de jovens e adultos ao ensino superior;
- Promover a democratização do acesso ao ensino superior e do desempenho acadêmico;
- Reduzir o índice de evasão nos cursos superiores, de modo a ampliar o número de profissionais com formação acadêmica.
De acordo com o magistrado que desconfiou da fraude, a aluna e sua família não têm o padrão de vida alegado no processo, que informa renda de apenas três salários mínimos.
No penúltimo semestre do curso, a jovem teve a bolsa suspensa e entrou na Justiça contra a instituição e contra o município de Anápolis. Na ocasião, ela pleiteou a manutenção do benefício, concedido em caráter liminar.
Porém, a tutela foi posteriormente suspensa pelo magistrado, que alegou inconsistências nos argumentos da estudante.
Inconsistências encontradas pelo juiz
Dentre as inconsistências encontradas pelo magistrado que revogou a liminar, podemos destacar:
• A advogada que assinou o processo é a mãe da estudante. Mas não para por aí: além de advogada, ela é servidora pública estadual com vencimentos de R$ 8.496,10 mensais.
• A mãe da estudante tem uma empresa registrada no mesmo endereço em que a filha mora, o que sugere renda extra não declarada, além de falsidade na declaração de que a jovem morava só com os avós pobres.
• O pai da estudante é sócio de uma empresa do setor imobiliário, além de ter trabalhado em cargo de confiança no Instituto de Seguridade Social dos Servidores Municipais de Anápolis (ISSA).
• Já o avô materno, com quem a estudante dizia morar em situação de pobreza, é sócio-administrador da empresa MVA Prestadora de Serviços Ltda, com capital social de R$ 100 mil. A sede dessa empresa fica no mesmo endereço da estudante e da empresa de sua mãe.
• A estudante ostenta, principalmente no Tik Tok, viagens internacionais, um modo de vida fitness, é adepta das corridas, fatos que, segundo o juiz, não condizem com a pobreza declarada pela aluna.
Em decorrência dessas descobertas, o magistrado determinou o envio do processo da estudante ao Ministério Público de Goiás. Assim, deixou margem ao órgão para, caso queira, investigar a conduta dos citados e usar as informações trazidas na decisão para confrontá-las com a Receita Federal.
A Prefeitura de Anápolis, que montou uma comissão para avaliar os critérios do Programa GraduAção, afirmou em nota:
“Em relação ao Programa Graduação, a Prefeitura de Anápolis informa que uma comissão especial foi instituída após indícios de irregularidade na concessão de bolsas universitárias. Como o município não dispunha de uma base de dados para atestar que os beneficiados atendem aos critérios, só após a conclusão dos trabalhos da comissão será possível definir o encaminhamento do programa”.
Análise jurídica
Caso as suspeitas se confirmem, e a jovem tenha mesmo burlado o sistema de bolsas universitárias, quais os eventuais crimes cometidos pela estudante?
A jovem, pode ter cometido, potencialmente e em tese, as seguintes infrações penais (a depender da comprovação ou não nos autos):
Falsidade ideológica (artigo 299, código penal)
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
A falsidade ideológica ocorre quando se insere ou faz inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita em documento público ou particular, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
No caso da bolsa universitária, a falsidade pode estar na declaração de renda, composição familiar, histórico escolar etc.
Estelionato (artigo 171, código penal)
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Comete-se o crime de estelionato quando alguém obtém vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A obtenção da bolsa universitária mediante informações falsas pode se enquadrar nessa definição.

Inclusive, importante destacar que eventual condenação penal deverá ser precedida do devido processo legal, com garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo açodada qualquer antecipação de culpa, em especial decorrente de matérias jornalísticas divulgadas pela imprensa.
No âmbito civil e administrativo, a estudante, caso comprovada a fraude, pode ficar excluída definitivamente do Programa de Bolsa. Por fim, ela também pode ser obrigada a ressarcir o erário municipal por todo o prejuízo causado, o que inclui as mensalidade pagas pela Prefeitura para a Universidade, tudo corrigido monetariamente.
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