Ordenamento Jurídico Brasileiro e Terrorismo: o que você precisa saber para seus concursos

Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Ordenamento Jurídico Brasileiro e Terrorismo: o que você precisa saber para seus concursos.

Panorama Constitucional e Legal:

            Inicialmente, imprescindível destacar que a República Federativa do Brasil rege-se, em suas relações internacionais, dentre outros princípios, pela prevalência dos  direitos humanos e pelo repúdio ao terrorismo. Vejamos:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.

Assim, desde já, defende-se que o Estado brasileiro não pode tolerar atos violadores dos direitos humanos e muito menos defender ou se aproximar de pessoas ou grupos terroristas, sob pena de violar princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

Demonstrando a gravidade dos atos terroristas, a Constituição Federal estabelece, no art. 5º, XLIII que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

A Lei n. 13.260/2016 regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.

De acordo com a referida lei, “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública” (art. 2º). A legislação destaca como ato de terrorismo, por exemplo:

I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa.

II – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento.

Aspectos Convencionais:

O Brasil, por meio do Decreto n. 3.018/1999, promulgou a Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos Contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem Eles Transcendência Internacional, obrigando-se a cooperar tomando todas as medidas que considerem eficazes de acordo com suas respectivas legislações e, especialmente, as que são estabelecidas nesta Convenção, para prevenir e punir os atos de terrorismo (art. 1º).

Artigo 1: Os Estados Contratantes obrigam-se a cooperar entre si, tomando todas as medidas que considerem eficazes de acordo com suas respectivas legislações e, especialmente, as que são estabelecidas nesta Convenção, para prevenir e punir os atos de terrorismo e, em especial, o sequestro, o homicídio e outros atentados contra a vida e a integridade das pessoas a quem o Estado tem o dever de proporcionar proteção especial conforme o direito internacional, bem como a extorsão conexa com tais delitos.

Por seu turno, o Decreto n. 5.639/2005 promulgou a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, a qual possui como objetivo prevenir, punir e eliminar o terrorismo, adotando-se medidas como: a) Cooperação no âmbito fronteiriço; b) Cooperação entre autoridades competentes para aplicação da lei; c) Assistência judiciária mútua; d) Translado de pessoas sob custódia; e) Denegação da condição de refugiado e asilo.

Artigo 1 – Objeto e fins: Esta Convenção tem por objeto prevenir, punir e eliminar o terrorismo. Para esses fins, os Estados Partes assumem o compromisso de adotar as medidas necessárias e fortalecer a cooperação entre eles, de acordo com o estabelecido nesta Convenção.

Entendimento do STF:

Em paradigmático pedido de extradição (Ext n. 855), ao Supremo Tribunal Federal entendeu que “O estatuto da criminalidade política não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental”. Sublinhe-se o julgado:

E M E N T A: EXTRADIÇÃO – ATOS DELITUOSOS DE NATUREZA TERRORISTA – DESCARACTERIZAÇÃO DO TERRORISMO COMO PRÁTICA DE CRIMINALIDADE POLÍTICA – CONDENAÇÃO DO EXTRADITANDO A DUAS (2) PENAS DE PRISÃO PERPÉTUA – INADMISSIBILIDADE DESSA PUNIÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (CF, ART. 5º, XLVII, “B”) – EFETIVAÇÃO EXTRADICIONAL DEPENDENTE DE PRÉVIO COMPROMISSO DIPLOMÁTICO CONSISTENTE NA COMUTAÇÃO, EM PENAS TEMPORÁRIAS NÃO SUPERIORES A 30 ANOS, DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – PRETENDIDA EXECUÇÃO IMEDIATA DA ORDEM EXTRADICIONAL, POR DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE – PRERROGATIVA QUE ASSISTE, UNICAMENTE, AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO – PEDIDO DEFERIDO, COM RESTRIÇÃO. O REPÚDIO AO TERRORISMO: UM COMPROMISSO ÉTICO-JURÍDICO ASSUMIDO PELO BRASIL, QUER EM FACE DE SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, QUER PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL. – Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII).

Democracia e dignidade da pessoa humana:

Os atos do Poder Público, sejam do Executivo, sejam do Legislativo ou do Judiciário, devem sempre estar em sintonia com alguns dos mais relevantes princípios regentes da nossa sociedade e do nosso ordenamento jurídico pátrio: a democracia e a dignidade.

Os regimes políticos podem ser democráticos ou não democráticos. Dentre os regimes não democráticos destacamos as monarquias absolutistas e as ditaduras. Como exemplo de ditaduras, podemos ter os regimes autoritários, que não admitem competição política, sufocando qualquer movimento que busque pluralizar o pensamento político, bem como os regimes totalitários, que além de não admitirem a competição política, buscam conformar o povo a sua imagem, impondo ideologias, religiões, etc.

Destacam-se algumas características dos regimes autocráticos: a) Exercício do poder em nome próprio (do próprio Estado); b) Marcado pelo autoritarismo (de cima para baixo); c)  Não reivindica legitimação pelos governados; d) Buscam reduzir o pluralismo político e ideológico.

Por seu turno, vejamos algumas características dos regimes democráticos: a) O exercício do poder emana do povo; b) Reivindica legitimação pelos governados com participação; c)Com competitividade política, direitos políticos e pluralismo ideológico; d) Reconhecimento de direitos fundamentais e limites aos governantes.

Assim, democracia não é apenas a vontade ou governo da maioria (técnica de tomada de decisão), mas sim o governo de todos, devendo respeitar os direitos fundamentais das minorias. Caso contrário, teremos uma tirania ou ditadura da maioria. Essa ideia é extremamente importante aos concursos da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Magistratura, instituições que irão, muitas vezes, instrumentalizar a democracia ao defender direitos fundamentais das minorias e dos vulneráveis.

Portanto, os atos individuais, sociais e estatais deverão sempre buscar consolidar as características democráticas acima expostas, por meio da maior participação e legitimação do povo nas instituições e nas decisões do Poder Público. Para isso, imprescindível que se leve em consideração a ideia de dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana poderá ser analisada sob diversos enfoques. O concurseiro deve se atentar para o fato de o conceito de dignidade da pessoa humana não ter um significado unívoco. Por isso, iremos analisar algumas formas de se utilizar a referida expressão.

a) Dignidade como Atributo (Direito a ter direitos)

Dignidade como um atributo inerente a todos os seres humanos. Ideia de universalidade e fundamento naturalista dos direitos fundamentais.

b) Dignidade como Valor supremo

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo, previsto no art. 1º, III, da CF, que se irradia para todo o ordenamento jurídico.

c) Dignidade como Postulado Normativo

A dignidade da pessoa humana atuará como norma de segundo grau, auxiliando na interpretação jurídica, bem como na solução de casos difíceis.

d) dignidade como Princípio

Nesse ponto, a dignidade da pessoa humana é visto como um princípio, que irá criar deveres ao Estado (três Poderes), bem como à sociedade, à família e às pessoas como um todo, que deverão respeitar a promover a dignidade da pessoa humana.

e) dignidade como Regra

De acordo com a dignidade da pessoa humano, no viés de uma regra, o homem deve ser visto e tratado como um fim em si mesmo e não como um meio para se alcançar determinada finalidade. Trata-se de uma visão Kantiana da dignidade. Como o homem é dotado de razão, ele possui uma dignidade a ele inerente que impede que seja utilizado como um meio para que sejam alcançadas outras finalidades. Assim, impede-se que o ser humano seja coisificado ou instrumentalizado.

Assim, espera-se que o Estado brasileiro, de opção democrática, em nenhum momento se avizinhe de grupos terroristas e governos ditatoriais, almejando sempre a tutela e promoção dos direitos humanos, repudiando quaisquer atos terroristas, notadamente aqueles atos nefastos que possam ferir os pilares da democracia e as bases da dignidade.

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