* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal, julgando o TEMA 1.286 (RE 1.198.269), validou exigência de carrinhos adaptados para crianças PcD em mercados.
A lei estadual paulista nº 16.674/2018 impôs a supermercados e estabelecimentos congêneres o dever de disponibilizar 5% dos carrinhos de compras adaptados ao transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.
O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a validade da norma estadual. Isso fez com que a Associação Paulista de Supermercados – APAS recorresse ao Supremo.
FUNDAMENTOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO |
Violação à livre-iniciativa, por impor ônus econômico ao setor; |
Afronta ao princípio da isonomia, já que a exigência não abrangia todo o comércio varejista |
Desnecessidade da lei, por existirem normas federais que já tratam da acessibilidade |
Mesmo com a revogação da lei estadual impugnada pela lei estadual 17.832/23, durante o trâmite processual, o STF entendeu que o conteúdo normativo foi preservado no novo diploma legal, razão pela qual manteve o julgamento do mérito e a fixação da tese com repercussão geral, uma vez que outros estados e municípios já editaram leis semelhantes.
Lei estadual nº 17.832/23 Seção V Dos carrinhos de compras dos supermercados e congêneres Artigo 104 - Os hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres devem disponibilizar carrinhos de compras adaptados com assentos para receber crianças com deficiência ou mobilidade reduzida, na proporção de 5% (cinco por cento) do total de carrinhos oferecido aos clientes. Artigo 105 - Os órgãos de defesa do consumidor competentes promoverão a fiscalização das disposições contidas nesta seção, bem como a aplicação das penalidades cabíveis.
Fundamentos
FUNDAMENTOS DA DECISÃO NO TEMA 1.286 |
Constitucionalidade formal: • A Constituição Federal prevê como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. • Ademais, é da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal a edição de leis sobre a proteção integral das pessoas portadoras de deficiência, a defesa da saúde e também sobre consumo, conforme art. 24, V, XIV, da Constituição. |
Mérito: • Ausência de violação ao princípio da livre-iniciativa: de fato, a obrigação de adaptação de carrinhos de supermercados cria um ônus para esses estabelecimentos comerciais, mas é um ônus voltado à promoção às pessoas com deficiência, se alinhando à implementação dos objetivos fundamentais da República descritos na Constituição Federal (art. 3º, I, III e IV), bem como à salvaguarda da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), notadamente dos portadores de deficiência. • Ausência de violação ao princípio da isonomia: a diferenciação é legítima e não arbitrária. A discriminação realizada pelo legislador estadual possui justificativa legítima – considerando que se trata de estabelecimentos comerciais em que os consumidores e suas famílias passam uma quantidade de tempo considerável. • Ausência de violação aos princípios da proporcionalidade: a norma atende aos critérios de: – Adequação: por possibilitar efetivamente o transporte de crianças com deficiência em supermercado; – Necessidade: ao complementar leis federais como a lei 10.098/00; – Proporcionalidade: já que a exigência recai sobre apenas 5% dos carrinhos, número compatível com outras normas legais voltadas à acessibilidade. |
Jurisprudência e tese adotada
O relator, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que a decisão está alinhada com a jurisprudência da Corte, que tem validado outras leis estaduais com objetivos similares de inclusão e acessibilidade, a saber:
- ADIn 2.572 (cadeiras para pessoas obesas): considerada constitucional Lei do Estado do Paraná que reservou 3% de lugares disponíveis em salas de projeções, teatros, espaços culturais e transporte público para pessoas obesas.
- ADIn 6.989 (etiquetas acessíveis em roupas): considerou constitucional Lei do Estado do Piauí que cria obrigatoriedade de adoção de etiquetas em peças de vestuário em braile ou outro meio acessível que atenda às pessoas com deficiência.
- ADIn 903 (adaptação de transporte coletivo): considerou constitucional Lei do Estado de Minas Gerais que dispõe sobre adaptação dos veículos de transporte coletivo com a finalidade de assegurar seu acesso por pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção.
Ao final, foi aprovada a seguinte tese no TEMA 1.286, do STF:
TEMA 1.286, do STF: “É constitucional lei estadual que impõe a obrigatoriedade de adaptação de percentual de carrinhos de compras para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.”
Conheça um pouco sobre PcD
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define PcD da seguinte forma:
“Pessoas com Deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Evolução da nomenclatura
1º) PPD (Pessoa Portadora de Deficiência) -> O termo Pessoa Portadora de Deficiência ou PPD foi utilizado no passado, inclusive no texto da Constituição de 1988. Acabou caindo em desuso devido ao grande enfoque na deficiência das pessoas.
A utilização desse termo induz a enxergarmos a deficiência como a única característica que define a pessoa. Dessa forma, não se leva em consideração outros aspectos, como habilidades, virtudes e competências pessoais e profissionais daquele indivíduo.
2º) PNE (Pessoa com Necessidades Especiais) -> Esse termo substituiu a sigla PPD, nos anos 90, mas continuou problemática. Também acabava enfatizando a deficiência, colocando a pessoa em posição de dependência, como se ela não conseguisse fazer as tarefas básicas do dia a dia.
3º) PcD (Pessoa com Deficiência) à É o termo utilizado atualmente na legislação nacional e internacional. É o termo mais adequado para usar, já que foca na pessoa e não na sua deficiência.
Como bem ressaltado pelo ministro Gilmar Mendes, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi o primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, o qual foi internalizado por meio do Decreto Presidencial 6.949/2009.
Assim, a Convenção ingressou em nosso ordenamento jurídico com força de emenda constitucional.
Por meio de referida convenção, os Estados se comprometeram a adotar medidas legislativas, administrativas e de quaisquer outras naturezas para implementação dos direitos nela reconhecidos. Além disso, devem rechaçar, combater e erradicar, em plenitude, todas as formas, diretas e indiretas, de discriminação das pessoas com deficiência.
Andou bem o Supremo ao validar a lei paulista sobre os carrinhos adaptados. Isso porque corrobora-se o esforço estatal voltado a garantir mobilidade pessoal e acessibilidade das pessoas com deficiência.
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