* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O Pleno do Conselho Federal da OAB deliberou, por unanimidade, pela criação de uma súmula que impede o registro na Ordem de candidatos com condenação transitada em julgado por crimes de racismo.
A relatora do caso, conselheira federal Shynaide Mafra Holanda Maia, apontou que a prática de racismo demonstra ausência de idoneidade moral, requisito indispensável para o exercício da advocacia, conforme estabelecido no artigo 8º, VI, do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94).
Lei nº 8.906/94
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - aprovação em Exame de Ordem;
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;
VII - prestar compromisso perante o conselho.
O Estatuto da OAB já prevê que aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial, não cumpre o requisito da idoneidade moral.
A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar.
O Conselho Federal da OAB vem editando várias súmulas relativas ao requisito da idoneidade moral para ingresso na Ordem. Vejamos:
Súmula 9/19 -> Referente à violência contra a mulher
INIDONEIDADE MORAL. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. ANÁLISE DOCONSELHO SECCIONAL DA OAB. Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática de violência contra a mulher, assim definida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.
Súmula 10/19 -> Referente à violência contra crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência
INIDONEIDADE MORAL. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES,IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA OU MENTAL. ANÁLISE DOCONSELHO SECCIONAL DA OAB. Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática de violência contra crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental constitui fator apto a demonstrara ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB,independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.
Súmula 11/19 -> Referente à violência contra pessoas LGBTI+
A prática de violência física, sexual, psicológica, material e moral contra pessoa LGBTI configura fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em direito na OAB, independentemente da tipificação penal, existência de processo judicial ou condenação, assegurado ao conselho seccional a análise de cada caso concreto.
A nova súmula tem a seguinte redação:
IDONEIDADE MORAL. CRIME DE ILÍCITO RACIAL. ANÁLISE DO CONSELHO SECCIONAL DA OAB. Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Idoneidade moral. A prática do crime ilícito racial, nos termos da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD) e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, bem como no artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal e na legislação penal vigente, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise do cada caso concreto.
Importante destacar que, conforme jurisprudência consolidada do STF e do STJ, as condutas relacionadas aos crimes raciais são detentoras de uma gravidade peculiar, impedindo, por exemplo, acordos como o ANPP – acordo de não persecução penal.
Análise jurídica
Existe uma diferença entre o crime de injúria racial, e o crime de injúria simples. Se liga só!
Injúria racial
A diferença entre injúria simples e injúria racial é que a injúria simples é uma ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém, por meio de palavras, gestos ou outros meios que expressem desprezo, menosprezo ou desrespeito, enquanto a injúria racial é uma ofensa à honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.
A injúria racial é considerada um crime contra a igualdade, e não mais contra a honra de uma pessoa. Desde janeiro de 2023 (Lei nº 14.532/2023), no Brasil, o racismo e a injúria racial recebem tratamento legal similar.
A Lei nº 7.716/89 define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Assim, o artigo 2º-A trata da injúria racial:
Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.
...
Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.
Injúria simples
Já o artigo 140, do Código Penal, trata da injúria simples:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Racismo
A Lei nº 7.716/89 é conhecida como a Lei do Crime Racial, pois ela define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Já a Lei nº 14.532/2023 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, alterando a Lei do Crime Racial e o Código Penal para tipificar como racismo a injúria racial. A mudança aprofunda a ação de combate ao racismo, criando elementos para interpretação dos contextos e evidenciando algumas modalidades de racismo que não eram evidentes.
O Brasil sofre desde a sua fundação com o racismo, em especial no período de vigência da escravidão, que foi abolida oficialmente em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Mas os efeitos nefastos da discriminação racial em nosso país se arrastam até hoje, o que motiva e reforça a necessidade da luta contra essa prática que insiste em nos envergonhar, e que acaba se consolidando como um racismo estrutural.
Racismo estrutural
O que é o racismo estrutural? Então vejamos:
O racismo estrutural consiste em uma cultura enraizada de discriminação racial por toda a sociedade, relegando os negros a uma situação de inferioridade social, econômica, política. Ou seja, é o racismo que está impregnado em todas as estruturas da sociedade, tais como instituições, consciente coletivo, arte, academia, esporte. O racismo estrutural não se manifesta, necessariamente, através de atos isolados de discriminação ou de preconceito, mas decorre de um processo histórico discriminatório que é alimentado pela falta de políticas públicas voltadas a inclusão de pessoas negras no protagonismo social.
Essa luta contra o racismo se intensificou após a Constituição Federal de 1988, quando houve a inclusão do crime de racismo como inafiançável e imprescritível.
CF/88
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
...
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
...
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
O tema não poderia ser mais atual, e é uma ótima pedida para provas discursivas de direito constitucional, direitos humanos e direito penal. Fique atento!
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