Mais uma morte em teste de aptidão física em concurso policial. De quem é a responsabilidade?

Mais uma morte em teste de aptidão física em concurso policial. De quem é a responsabilidade?

Olá, corujas!

Sou o professor Rodolfo Penna, procurador do Estado de São Paulo e professor de Direito Administrativo do Estratégia Carreiras Jurídicas e trouxe um assunto recente para reflexão.

Confira abaixo:

Infelizmente, temos visto, com certa frequência, falecimento de candidatos em TAF de concursos públicos. Desta vez, o mundo dos concursos públicos ficou comovido com a triste notícia de que um candidato de 25 anos morreu após teste de aptidão física em concurso da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul.

Na notícia que rodou o país, demonstra-se que o candidato passou mal e desmaiou durante o TAF do concurso para Soldado da PM MS, foi socorrido, mas não resistiu, vindo a falecer na última sexta-feira (04/08).

O grande problema é que não existe uma regulamentação geral sobre o assunto. Não existe uma lei geral de concursos prevendo requisitos e cuidados mínimos que a banca examinadora deve apresentar.

No vídeo, foi possível ver que tanto ele quanto outros candidatos passaram mal durante a prova, devido ao calor intenso, baixa umidade e desgaste físico.

Como prevenir esse tipo de grave acontecimento? Quem é responsável quando o pior acontece?

Normalmente, para que um candidato participe de TAF, é exigido dele um atestado médico que assegure sua aptidão física para participar do certame.

Esse atestado da capacidade física é de responsabilidade do candidato, que deve solicitá-lo ao seu médico de confiança.

Se houver violação do dever médico ao conceder um atestado que não condiz com as reais condições do paciente, o profissional da saúde deve responder nas esferas administrativas, civil e, eventualmente, penal.

No concurso para a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, foi realizado um exame de saúde de caráter eliminatório nos candidatos (item 10 do edital), verificando-se, inclusive as condições físicas do candidato para exercício das atribuições do cargo. Somente foram convocados para a faze do exame de capacidade física (TAF) aqueles candidatos aprovados no exame de saúde.

Porém, mesmo com as condições físicas em dia, o pior pode acontecer a qualquer pessoa de forma inesperada.

É, nestes casos, que a banca examinadora precisa estar preparada.

Em primeiro lugar, deve proporcionar as condições adequadas para a realização da prova: local adequado, hidratação, fiscalização, suspensão da prova diante de calor extremo etc.

Em segundo lugar, deve estar preparada para atender os candidatos em caso de alguma necessidade, mantendo equipe de saúde e equipamentos para pronto atendimento de algum acidente.

Isso fica claro, primeiro, em razão da exigência da prova física e, segundo, em virtude dos últimos acontecimentos neste tipo de prova.

O grande problema é que não existe uma regulamentação geral sobre o assunto. Não existe uma lei geral de concursos prevendo requisitos e cuidados mínimos que a banca examinadora deve apresentar.

Com isso, se o órgão contratante não regulamenta e faz as exigências adequadas, a banca fica livre para buscar maximizar seus lucros com a negligência de cuidados mínimos.

E, isso, nós temos visto em todas as fases, com concursos anulados por má organização e fraudes, provas com 15 questões anuladas por má formulação e, o mais grave, negligências em provas físicas.

É importante lembrar que o STF já decidiu que a realização de concurso público é serviço público e, por mais que a banca examinadora seja uma pessoa jurídica de direito privado, responde objetivamente pelos danos causados aos candidatos, na forma do art. 37, §6º, CF e o Estado responde subsidiariamente.

Art. 37 (…) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Vejamos como se manifestou a Corte:

3. A pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público responde de forma primária e objetiva por danos causados a terceiros, visto possuir personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios.

4. O cancelamento de provas de concurso público em virtude de indícios de fraude gera a responsabilidade direta da entidade privada organizadora do certame de restituir aos candidatos as despesas com taxa de inscrição e deslocamento para cidades diversas daquelas em que mantenham domicílio. Ao Estado, cabe somente a responsabilidade subsidiária, no caso de a instituição organizadora do certame se tornar insolvente. (…) Quanto à tese da repercussão geral, voto pela sua consolidação nos seguintes termos: “O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude”.

(RE 662405, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-201 DIVULG 12-08-2020 PUBLIC 13-08-2020) – Grifamos.

Em caso de omissão, a jurisprudência da Corte Suprema faz uma distinção entre os casos de omissão genérica e omissão específica.

A responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão é objetiva, desde que comprovada a omissão específica, isto é, o descumprimento de um dever específico de agir, como, por exemplo, o dever de preservar a integridade física e psíquica dos detentos sob sua custódia (art. 5º, XLIX). Neste caso, o STF decidiu que o Estado deve indenizar a família por morte do detento. Vale lembrar, todavia, que a responsabilidade civil objetiva do Estado é fundamentada na teoria do risco administrativo, admitindo-se a exclusão da responsabilidade no caso de demonstração de que não tinha como evitar o evento (REsp 1.708.325-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022).

Nos casos de omissão genérica por descumprimento de um dever genérico, como é o caso do dever de fornecer segurança pública, a Corte Suprema assentou o entendimento de que se trata de responsabilidade subjetiva, com fundamento na teoria da culpa anônima.

Por exemplo, se um indivíduo é assaltado no ponto de ônibus, em regra, não há um dever específico de o Estado estar naquele local, naquele momento, e evitar o dano. O poder público possui apenas o dever genérico de fornecer segurança pública, mas não é possível, por inviabilidade fática, estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

Neste caso em específico, a responsabilidade civil do Estado, para o STF, é subjetiva com base na culpa anônima. Assim, caberia ao indivíduo prejudicado comprovar que o ente público, tendo sido reiteradamente informado acerca das atividades criminosas que ocorrem no local, não agiu, agiu com atraso ou agiu insuficientemente.

No caso de negligência com cuidados mínimos em provas físicas, comprovado que não há estrutura de assistência médica no local ou outra forma de negligência, resta evidente a responsabilidade da banca examinadora em ressarcir os danos causados aos candidatos que sofreram lesões físicas ou à família dos candidatos que faleceram em teste de aptidão física.

Esse é o entendimento do E. TRF da 1ª região:

5. Verifica-se, da análise do contexto, que faltou as condições estruturais para o desenvolvimento do certame, ou seja, omissão quanto aquele conjunto de medidas de preparação antecipada do local de testes de aptidão física, com o intuito de prevenir um mal maior, tal como eventual mal-estar causado pela prática de exercícios à exaustão.

6. Cabe ressaltar que grandes esforços foram demandados dos candidatos, pois a nota 10 (dez) seria atribuída para que bem atingisse o menor tempo do percurso com a bomba costal, conforme item 5.4.2.2. Destaquem-se os seguintes aspectos: a. Não obstante a exigência de apresentação de atestado médico previamente, para posterior realização do teste físico, tal requisito não exime o IBAMA de sua obrigação para o devido acompanhamento dos testes no momento de sua realização, diante do caráter notadamente esgotante da prova física. b. Não há qualquer notícia nos autos que, antes de se iniciar os testes, foi realizado simples exames para avaliar a pressão arterial ou frequência cardíaca dos candidatos. c. Não há, nos autos, comprovação da disponibilização no momento de realização dos testes de esforços, tão esgotantes, qualquer ambulância ou equipe de saúde mínima para acompanhamento das avaliações, o que caracteriza a omissão por ausência de disposição prévia dos meios necessários para a consecução do teste de aptidão física. Cabe advertir que a ambulância foi acionada somente após o Sr GENIVALDO GOMES DA SILVA ter passado mal, quando já se encontrava a caminho para hospital, em uma motocicleta.

7. Assim, ficou caracterizada a responsabilidade civil do IBAMA, ante a omissão, pois está provada nos autos a omissão quanto ao dever de cuidado na condução do teste de aptidão física, bem como demonstrado o nexo de causalidade entre a referida omissão e causa da morte do candidato. AC 0002081-79.2014.4.01.4004, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 01/03/2021 PAG.

De toda forma, é urgente a necessidade de elaboração de uma lei geral de concursos públicos adequada para evitar todos os abusos que vêm sendo praticados pelas bancas examinadoras, bem como para estabelecer parâmetros e cuidados mínimos que devem ser observados em testes de aptidão física, de forma a evitar eventos infelizes como o noticiado.

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