Moraes decreta prisão de Bolsonaro

Moraes decreta prisão de Bolsonaro

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Bolsonaro é preso pela Polícia Federal

A Polícia Federal solicitou e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Importante ressaltar que a prisão, neste momento, não tem relação com o cumprimento de pena por tentativa de golpe de Estado (27 anos e 3 meses), mas se trata de uma medida cautelar.

Mas o que foi que motivou a prisão de Bolsonaro?

De acordo com a decisão de Moraes, a prisão foi determinada por 2 motivos:

1º) A convocação de uma vigília em frente ao condomínio do ex-presidente, na noite de sexta-feira (21/11/25), pelo seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (a vigília seria um ato político desestabilizador travestido de oração);

2º) Tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica. Bolsonaro admitiu que utilizou um ferro de solda para danificar a tornozeleira eletrônica

A prisão de Bolsonaro foi motivada pela manutenção da ordem pública e pelo risco elevado de fuga, evidenciada pela vigília convocada pelo filho e pela tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica.

Segundo Moraes, a convocação da vigília “indica a possível tentativa de utilização de apoiadores” de Bolsonaro para “obstruir a fiscalização das medidas cautelares e da prisão domiciliar”.

O ministro fundamentou sua decisão:

“Rememoro que o réu, conforme apurado nestes autos, planejou, durante a investigação que posteriormente resultou na sua condenação, a fuga para a embaixada da Argentina, por meio de solicitação de asilo político...

A informação constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga, facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada por seu filho.”
Bolsonaro

O curioso é que Bolsonaro é preso exatamente no dia 22, que é o número eleitoral do ex-presidente, o que revoltou grande parte dos seus aliados, que acusam o ministro de perseguição e sadismo.

Outro fundamento utilizado pelo ministro Moraes foi o de que outros três deputados, aliados de Bolsonaro, já haviam conseguido fugir do país: Alexandre Ramagem, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, o que reforçaria o risco de fuga do ex-presidente.

Importante lembrar que Bolsonaro estava em prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto, em decorrência do descumprimento de medidas cautelares impostas ao ex-presidente.

A defesa do ex-presidente afirmaque Bolsonaro tem “quadro clínico grave”, sofre de “múltiplas comorbidades” e que uma eventual transferência para o sistema prisional representaria “risco concreto à vida”.

Mas não adiantou: Bolsonaro foi detido por volta das 6h, não resistiu à prisão e foi levado para a Superintendência da PF no Distrito Federal, onde ficará em uma “Sala de Estado”.

Análise jurídica

O §6º do artigo 282, do CPP,indica que a prisão preventiva deve ser tratada como “Ultima Ratio”, reforçando o caráter excepcional da prisão cautelar:

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

A prisão preventiva é uma medida cautelar pessoal, assim como a prisão em flagrante (artigos 301 e seguintes do CPP) e a prisão temporária (Lei 7.960/89). Sua natureza é provisória e instrumental, não se prestando a antecipar uma punição.

A prisão cautelar não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, já que a própria Constituição a admite, em seu artigo 5º, LXI.

CF/88

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

A decretação da prisão preventiva não pode se dar de ofício, já que o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) trouxe a previsão da necessidade de requerimento do MP, do querelante ou do assistente, ou por representante da autoridade policial, salvo a exceção do artigo 316, do CPP.

Temos, ainda, que observar um juízo de cautelaridade, ou seja, a análise da necessidade e adequação da medida diante de riscos processuais concretos — como fuga, obstrução da justiça ou reiteração criminosa.

Requisitos da prisão preventiva[1]

Fumus comissi delicti

Conforme o artigo 312 do CPP, exige-se prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Periculum libertatis

Esse risco, também previsto no artigo 312, relaciona-se ao temor de evasão do investigado.

Bolsonaro

No caso concreto, a vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro, aliada à tentativa de rompimento de tornozeleira eletrônica, justificaram a medida.

A postagem do ato teve o seguinte conteúdo:

“Vamos invocar o Senhor dos Exércitos! A oração é a verdadeira armadura do cristão. É por meio dela que vamos vencer as injustiças, as lutas e todas as perseguições. Tenho um convite especial para você: assista ao vídeo até o final! VIGÍLIA PELA SAÚDE DE BOLSONARO E PELA LIBERDADE NO BRASIL! Sábado, 22 de novembro, 19h, no balão do Jardim Botânico, na altura do condomínio Solar de Brasília 2.”

“Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular aí do sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com a gente. Nesse primeiro momento, a gente vai buscar o Senhor dos Exércitos. Eu te convido para uma vigília que começa nesse sábado, dia 22 de novembro, a partir das sete da noite, aqui no balão do Jardim Botânico, na altura do condomínio do meu pai, o Solar de Brasília 2, pra orarmos pela saúde dele e pela volta da democracia no nosso país. Vamos pedir a Deus que aplique a sua justiça aos que perseguem tanta gente inocente e ajudam os verdadeiros bandidos a se manterem no poder. Não tem mal que dure para sempre e Deus fala na bíblia que a escuridão mais forte é exatamente a que precede a chegada da luz. E, se o momento é o mais difícil para a gente, pode ter certeza que Deus está no comando de tudo e muito em breve a luz vai vencer as trevas. Então, a luz nascerá nas trevas e a tua escuridão será como o meio-dia, Isaías 58:10. Te espero lá, porque a gente não vai desistir do Brasil de jeito nenhum”.

Moraes ressaltou que Flávio Bolsonaro “faz uso do mesmo modus operandi, empregado pela organização criminosa que tentou um golpe de Estado no ano de 2022, utilizando a metodologia da milicia digital para disseminar por múltiplos canais mensagens de ataque e ódio contra as instituições”.

Para os defensores do ato, a vigília tinha como único objetivo ajudar Bolsonaro em oração, sendo a prisão, portanto, um verdadeiro absurdo.

Contemporaneidade

Os fatos investigados são recentese, portanto, satisfazem o critério de atualidade exigido pelas decisões do STF sobre prisões cautelares.

Art. 312...

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Proporcionalidade

A medida extrema da prisão deve ser proporcional à gravidade das acusações. A proporcionalidade extrai-se a partir da quantidade de pena abstratamente cominada à infração ou infrações em tese praticadas.

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

Insuficiência de cautelares diversas

A adoção de prisão preventiva exige a ineficácia de medidas alternativas, como retenção de passaporte ou comparecimento periódico.

Art. 282

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

As medidas cautelares diversas da prisão são (artigo 319, do CPP):

  • I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;    
  • II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;         
  • III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;         
  • IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;           
  • V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;        
  • VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;          
  • VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;             
  • VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;             
  • IX – monitoração eletrônica.    

A monitoração eletrônica tem por objetivo inibir a fuga ou o descumprimento das medidas impostas ao réu, e pode ser executada através de:

  • Pulseira;
  • Tornozeleira;
  • Cinto; e
  • Microchip

Como houve, segundo o ministro Moraes, tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, foi necessário escalar para a medida de prisão preventiva. 

Cláusula rebus sic stantibus

A medida prisional sujeita-se à cláusula rebus sic stantibus. Uma vez alterada a situação fática que ensejou o decreto prisional, a medida pode/deve ser reavaliada.

Assim, a revogação posterior da prisão atende ao artigo 316 do CPP, que permite reavaliar medidas cautelares conforme a evolução fática da investigação. A reversão indica que a situação naquele momento não justificava a restrição da liberdade.

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Outras medidas

Além da prisão preventiva, Moraes determinou:

(a) a realização de AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA de JAIR MESSIAS BOLSONARO… por videoconferência, no dia 23/11/2025, às 12h, na Superintendência Regional da Polícia Federal no Distrito Federal.

(b) a disponibilização de atendimento médico em tempo integral ao réu JAIR MESSIAS BOLSONARO, em regime de plantão;

(c) que todas as visitas deverão ser previamente autorizadas por este SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, salvo dos advogados regularmente constituídos e com procuração nos autos, bem como da equipe médica que acompanha o tratamento de saúde do réu;

(d) o cancelamento de todas as autorizações de visitas deferidas ao réu JAIR MESSIAS BOLSONARO nos autos da AP 2.668/DF.

A defesa de Bolsonaro pediu a prisão domiciliar humanitária do ex-presidente antes mesmo da decretação da preventiva, mas o pedido restou prejudicado em decorrência da decretação da prisão preventiva.

A prisão domiciliar humanitária é uma faculdade do juiz, e serve para substituir a prisão preventiva. Ela não pode ser utilizada em substituição à prisão temporária nem à prisão em flagrante delito, e é aplicada quando o agente for:

I – Maior de 80 (oitenta) anos;

II – Extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III – Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV – Gestante;

V – Mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI – Homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.


[1]https://cj.estrategia.com/portal/prisao-preventiva-mauro-cid-fundamentos/


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