Estados e municípios devem seguir modelo federal de transparência nas emendas parlamentares

Estados e municípios devem seguir modelo federal de transparência nas emendas parlamentares

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão de Flávio Dino

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os estados, o Distrito Federal e os municípios sigam o modelo federal de transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares consolidadas a partir de determinações da Corte.

A decisão ocorreu no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade do chamado “orçamento secreto” e determinou a adoção de medidas para garantir a transparência e a rastreabilidade dos recursos federais provenientes de emendas parlamentares.

Importante destacar que muitas das determinações já foram consolidadas com a edição da Lei Complementar (LC) 210/2024. Tal LC dispõe sobre a proposição e a execução de emendas parlamentares na lei orçamentária anual.

Caberá aos tribunais de contas e aos Ministérios Públicos estaduais a adoção de disposições para garantir que a execução das emendas, no âmbito dos entes federativos, siga esse parâmetro a partir do orçamento de 2026.

Análise jurídica

O orçamento secreto foi um esquema de destinação de verbas públicas que utilizava as chamadas emendas de relator (RP9) para permitir que parlamentares direcionassem recursos para projetos específicos, com pouca transparência sobre o autor da solicitação e a aplicação dos fundos.

Orçamento secreto: o esquema de barganha política por meio do qual o Executivo favorece os integrantes de sua base parlamentar mediante a liberação de emendas orçamentárias em troca de apoio legislativo no Congresso Nacional, valendo-se do instrumento das emendas do relator para ocultar a identidade dos parlamentares envolvidos e a quantia (cota ou quinhão) que lhe cabe na partilha informal do orçamento.

O STF considerou tal prática inconstitucional devido à falta de publicidade, impessoalidade e moralidade. Contudo, surgiram novas formas de distribuição de verbas com críticas de transparência (ADPFs 850, 851, 854 e 1014).

Portanto, a principal característica do orçamento secreto era a impossibilidade de identificar publicamente o parlamentar que solicitava a verba, dificultando o acompanhamento da aplicação dos recursos públicos.

Como funcionava? O relator-geral do orçamento centralizava e distribuía o dinheiro para os ministérios executarem, com o apoio da cúpula do Congresso. A negociação de verbas para obras, equipamentos e serviços de saúde era prática comum.

Em 2022, o uso desse tipo de emenda chegou ao montante de R$ 16,5 bilhões, e R$ 19,4 bilhões haviam sido reservados para este fim no orçamento de 2023.

Emendas parlamentares

As emendas parlamentares são uma reserva dentro do Orçamento usadas conforme indicação de deputados e senadores. Esse é o dinheiro que os parlamentares enviam às suas bases eleitorais. A execução do dinheiro é de competência do Poder Executivo, responsável por encaminhar os recursos destinados pelos parlamentares.

Existem vários tipos de emendas parlamentares. Vejamos:

💲Emendas individuais: são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a pagar. Os parlamentares têm direito a indicar a localidade em que esse dinheiro será usado e seu nome aparece como padrinho da verba.

💲Emendas de comissão: não são impositivas. Os colegiados temáticos no Congresso, tanto da Câmara, quanto do Senado, indicam os recursos. Essa modalidade foi turbinada após o STF derrubar as emendas de relator.

💲Emendas de bancada: são emendas impositivas desde 2019. Os recursos reservados para essas emendas são aplicados conforme indicação de bancadas de cada estado no Congresso.

💲Emendas de relator: declaradas inconstitucionais em 2022 pelo STF. A decisão considerou o mecanismo incompatível com a Constituição por falta de transparência.

Transparência e rastreabilidade

A decisão de Dino, no âmbito da ADPF 854, expande as obrigações de transparência e rastreabilidade para incluir estados, o Distrito Federal e os municípios.

Essa determinação visa impor a adoção do modelo federal de transparência e rastreabilidade já estabelecido por decisões do STF e pela Lei Complementar nº 210/2024, especialmente em relação à execução das emendas parlamentares.

transparência

A medida reforça a função do Supremo de uniformizar os padrões de legitimidade e moralidade na execução orçamentária, buscando erradicar distorções que comprometem a confiança pública e a efetividade dos direitos fundamentais.

A decisão do relator foi motivada por um pedido dos amici curiae. Eles argumentaram que, apesar dos avanços alcançados no plano federal, as emendas estaduais, distritais e municipais “padecem de profunda opacidade“.

Com base na Nota Técnica “Índice de Transparência e Governança Pública – Poder Executivo (Estados e Distrito Federal)” de abril de 2025, apenas três dos 27 estados divulgavam informações completas sobre as emendas.

Constatou-se a falta de informações básicas: 14 estados não informam o ente beneficiário da emenda, 17 não informam a localidade do gasto, 12 não detalham o histórico de execução e 6 não informam o objeto da emenda.

O estudo “Índice de Transparência e Governança Pública Municipal” (outubro de 2025), que avaliou 329 prefeituras em 11 estados, revelou que 37% (122 municípios) não divulgam quaisquer informações sobre emendas parlamentares recebidas (federais ou estaduais).

Dino enfatizou que é inaceitável que, enquanto o orçamento federal busca conformidade com a Constituição, representantes políticos reproduzam práticas ímprobas em Estados e Municípios, o que “corrói as bases do pacto federativo” e demonstra desprezo pelos cidadãos.

Fundamentos legais para a extensão

O Ministro Flávio Dino explicou que a extensão do modelo federal é obrigatória devido ao princípio da simetria e à natureza vinculante das normas orçamentárias federais:

1. Observância obrigatória de normas federais: as normas federais sobre o processo legislativo orçamentário são de reprodução obrigatória pelos constituintes estaduais, distritais e municipais.

2. Dever constitucional de rastreabilidade: o art. 163-A da Constituição Federal estabelece um comando expresso e vinculante para a União, Estados, DF e Municípios. O dispositivo exige a disponibilização de dados contábeis, orçamentários e fiscais para garantir a rastreabilidade, comparabilidade e publicidade.

3. Interpretação vinculante: não basta reproduzir meramente o texto constitucional; é indispensável que os entes subnacionais adotem a mesma densidade normativa (o mesmo padrão de concretização) estabelecido no âmbito federal, especialmente quanto aos mecanismos de transparência ativa e registro da origem e destinação dos recursos.

Limitar a transparência apenas ao plano federal resultaria em um paradoxo, onde o sistema constitucional exigiria transparência no topo, mas toleraria a obscuridade na base, prejudicando o planejamento e a execução integrada das políticas públicas (como saúde e educação).

Medidas de transparência

O modelo federal, que deve se estender aos entes subnacionais, inclui medidas concretas implementadas no âmbito da ADPF 854.

Os amici curiae requereram especificamente a extensão das seguintes exigências:

  • Planos de trabalho prévios: exigência de apresentação prévia de plano de trabalho com detalhamento (objeto, finalidade, estimativa de recursos, cronograma) e aprovação pelo Poder Executivo local, de acordo com critérios da Lei Complementar nº 210/2024.
  • Emendas na saúde: necessidade de aprovação das emendas destinadas à saúde pelas instâncias de governança do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, garante-se racionalidade e alinhamento com as políticas públicas nacionais.
  • Contas específicas: exigência de abertura de contas específicas, por emenda, para o recebimento de recursos. Assim, elimina-se as antigas “contas de passagem” e veda-se saques na boca do caixa.
  • Transparência para o Terceiro Setor: exigências específicas de transparência para ONGs e demais entidades que recebem recursos de emendas.

O Ministro destacou a importância de campanhas publicitárias de bancos e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) para divulgar os portais de transparência.

Determinações e prazos

Com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a decisão estabeleceu:

✔️ Audiência de Acompanhamento: haverá uma nova audiência no STF em março de 2026 para a apresentação dos primeiros resultados das medidas de conformidade das emendas subnacionais.

☑️ Adoção do Modelo: os Tribunais de Contas dos Estados, do DF e dos Municípios (e seus respectivos Ministérios Públicos de Contas e Procuradorias-Gerais de Justiça) devem adotar as providências para fiscalizar e promover a conformidade dos processos legislativos orçamentários e da execução das emendas parlamentares ao modelo federal de transparência e rastreabilidade, assegurando sua plena observância a partir de 1º de janeiro de 2026.

✔️ Início da Execução: a execução orçamentária e financeira das emendas parlamentares estaduais, distritais e municipais relativas ao exercício de 2026 somente poderá iniciar após os governos (estaduais, distrital e prefeituras) demonstrarem aos respectivos Tribunais de Contas que estão cumprindo o art. 163-A da Constituição Federal.

☑️ Apoio Federal: o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos devem prestar auxílio técnico e institucional aos entes subnacionais (por meio de manuais, treinamentos e compartilhamento de soluções tecnológicas) para viabilizar a implementação do modelo.

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