A participação do ministro Barroso em eventos patrocinados por empresas com processos no STF reacende o debate sobre imparcialidade, ética na magistratura e independência judicial. Entenda os impactos jurídicos desse tema.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o caso
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, participou, apenas no mês de maio, de seis eventos organizados ou financiados por empresários com interesses em processos que correm no tribunal.
Esse fato reacendeu a discussão acerca da proximidade de magistrados com partes envolvidas ou interessadas em ações no Judiciário.
A corte tem defendido a presença dos ministros nos eventos sob o argumento de que é salutar manter um diálogo constante com todos os atores sociais.
Em nota, o STF afirmou que Barroso conversa com advogados, indígenas, empresários rurais, jornalistas e outros segmentos da sociedade.
“Em eventos de empresários, por exemplo, há inclusive interesses contrários por parte deles em relação ao STF. Dialogar com as partes de um processo não gera conflito de interesses.”
O ministro Barroso rebateu as críticas:
“No Brasil existem duas grandes categorias de pessoas: as que fazem alguma coisa e as que têm razão. Portanto, a gente tem que continuar fazendo e deixar parado as que têm razão e precisam vender jornal falando bobagem.”
Um dos principais focos de discussão foi a participação do ministro Barroso em um jantar beneficente promovido pelo CEO do iFood, Diego Barreto, em maio.
Um dos vídeos gravados no evento mostra o presidente do STF cantando ao microfone ao lado do empresário, em um dos momentos de descontração do jantar.
O evento foi por uma boa causa: arrecadação de recursos da iniciativa privada em apoio a programa do Conselho Nacional de Justiça de ação afirmativa para ingresso na magistratura, por meio do qual são oferecidas bolsas a candidatos negros e indígenas.
Diego Barreto, CEO do iFood, afirmou, em nota, que o jantar beneficente foi uma iniciativa pessoal, organizada a pedido dos líderes do Programa de Ação Afirmativa para Ingresso na Magistratura, criado em 2024 pelo CNJ e a Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, e conta com o apoio de diversas empresas.
O iFood é um dos interessados em uma ação no Supremo que discute a existência de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e a empresa administradora da plataforma digital.
Outro evento do qual Barroso participou, e que ocorreu em Nova York, organizado pelo jornal Valor Econômico, tinha como patrocinador master a JBS, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. A empresa, maior processadora de carne do mundo, tem diversas ações no Supremo sobre os mais variados temas.
Em um dos processos no Supremo, o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento da multa de R$10,3 bilhões aplicada à empresa no acordo de leniência firmado com a CGU (Controladoria-Geral da União) no âmbito da Operação Greenfield, de 2017.
Análise Jurídica
À princípio, não há como apontar ilegalidade ou irregularidade por parte do ministro Barroso ou de qualquer outro ministro da Suprema Corte.
O grande questionamento, digno de reflexão, e que tem repercussão jurídica, é acerca da imparcialidade do julgador.

A imparcialidade do magistrado é um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas para que possa exercer a função jurisdicional de forma justa, sem beneficiar ou prejudicar qualquer das partes.
Como bem apontado por Benigno Núñez Novo ¹:
“A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção”
O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal, que veda o juízo ou tribunal de exceção, bem como garante que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento (artigo 5º, XXXVII c/c artigo 5º, LIII).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; ... LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; (CF/88)
A previsão do impedimento e da suspeição do magistrado têm por objetivo exatamente garantir a imparcialidade do julgador, que é tão importante no processo a ponto das causas de impedimento e suspeição poderem ser alegadas ex officio, pelo juiz.
O artigo 95, da Constituição Federal, em seu parágrafo único, veda aos juízes “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei”, vedação essa que visa garantir a imparcialidade do magistrado.
Imparcialidade judicial e os limites éticos nas relações sociais do magistrado
O Código de Ética da Magistratura dedica um capítulo, o terceiro, à questão da imparcialidade (artigos 8ºe 9º):
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação. Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado: I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado; II – o tratamento diferenciado resultante de lei. (Código de Ética da Magistratura)
Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei.
Portanto, encontros entre juízes, desembargadores, advogados e empresários em resorts, restaurantes, hotéis, tem um enorme potencial de afetar a imparcialidade do julgador e, portanto, colocar sob olhares de desconfiança a condução do processo.
Basta imaginar um juiz tendo que julgar uma causa bilionária, onde o interessado é aquele que lhe convidou para um resort no mês anterior. Será que, mesmo inconscientemente, o juiz conseguirá julgar a causa com imparcialidade? É de se refletir, sem pretender fazer pré-julgamentos ou ilações infundadas.
O Código de Ética da Magistratura ainda assevera, em seus artigos 15 a 19, que o magistrado deve zelar pela sua integridade pessoal e profissional, e essa integridade de conduta fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura, e é dever do magistrado, também, recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.
Enfim, mesmo não havendo comprovação de qualquer irregularidade nos encontros narrados mais acima, os membros do Judiciário devem reforçar a vigilância para evitarem situações que possam pôr em xeque a independência e a impessoalidade do magistrado, evitando qualquer desconfiança ou especulações sobre o correto exercício da jurisdição.
Tema interessante para provas da magistratura e do ministério público!
Referências:
¹ https://www.jusbrasil.com.br/artigos/imparcialidade-do-juiz/721887658
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