* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Mark Zuckerberg, fundador da Meta, que é dona do Facebook e Instagram, causou polêmica ao anunciar que está encerrando o seu programa de verificação de fatos, começando pelos Estados Unidos.
O anúncio é visto como um forte aceno ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que nunca escondeu seu descontentamento com o sistema de checagem de fatos das Big Techs.
O sistema de verificação de fatos é o conjunto de medidas e ações, executado pelos verificadores, voltado para a conferência da fonte e da veracidade das informações publicadas e compartilhadas, com o objetivo de impedir a difusão de fake news (notícias ou informações falsas, ou retirados do contexto ou então violadoras de direitos da personalidade).
Mudanças
Ao invés de continuar com o sistema de verificação, a Meta informou que adotará as “notas de comunidade”. Nesse método os próprios usuários fazem correções — um recurso similar ao implementado pelo X, de Elon Musk.
A justificativa para a mudança repentina e abrupta é que, segundo Zuckerberg, os verificadores “têm sido muito tendenciosos politicamente e destruíram mais confiança do que criaram”.
Com a alteração, Mark espera que a plataforma perceba menos coisas ruins. Mas, em compensação, também vai cair a quantidade de posts e contas de pessoas inocentes que, acidentalmente, são derrubadas.
Além disso, o presidente da Meta destacou que pretende pressionar governos que, segundo ele, perseguem empresas americanas para implementar mais censura.
Mark criticou, ainda, o que chamou de “leis que institucionalizam a censura” na Europa e “tribunais secretos” de países latino-americanos que ordenam “retirar coisas silenciosamente” (uma referência ao STF?).
Zuckerberg não parou por aí: ele também alterou a política contra discurso de ódio do Instagram, Facebook e Threads, permitindo que orientação sexual e gênero sejam associados a doenças mentais.
Assim, podemos resumir as principais mudanças levadas a efeito pela Meta da seguinte forma1:
- A Meta deixa de ter os parceiros de verificação de fatos (“fact checking“) que auxiliam na moderação de postagens, além da equipe interna dedicada a essa função;
- Em vez de pegar qualquer violação à política do Instagram e do Facebook, os filtros de verificação passarão a focar em combater violações legais e de alta gravidade;
- Para casos de menor gravidade, as plataformas dependerão de denúncias feitas por usuários, antes de a empresa tomar qualquer ação;
- Em casos de conteúdos considerados como de “menor gravidade”, os próprios usuários poderão adicionar correções aos posts, como complemento ao conteúdo, de forma semelhante às “notas da comunidade” do X;
- Instagram e Facebook voltarão a recomendar mais conteúdo de política;
- A equipe de “confiança, segurança e moderação de conteúdo” deixará a Califórnia. Já a equipe de revisão dos conteúdos postados nos EUA terá centralização no Texas (EUA).
Análise jurídica
A grande questão jurídica que está em jogo é a liberdade de expressão no contexto da responsabilidade decorrente de conteúdos postados (controle do ambiente digital).
LIBERDADE DE EXPRESSÃO x VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição Federal protege o direito à liberdade de expressão.
CF/88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; ... X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. ... § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea. Contudo, não se pode exercê-la de maneira a ofender a dignidade humana de outrem ou de grupos minoritários.
Com efeito, Dino ressaltou, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.513.428, que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos, cabendo intervenção da Justiça em situações de evidente abuso:
“Entendo que as obras jurídicas adversadas não estão albergadas pelo manto da liberdade de expressão, pois, ao atribuírem às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+ características depreciativas, fazendo um juízo de valor negativo e utilizando-se de expressões misóginas e homotransfóbicas, afrontam o direito à igualdade e violam o postulado da dignidade da pessoa humana, endossando o cenário de violência, ódio e preconceito contra esses grupos vulneráveis".
E como fica a responsabilidade das Big Techs por conteúdos ofensivos postados e não retirados pela plataforma?
Existe um inquérito civil que tramita desde 2021 para apurar a responsabilidade das Big Techs nos conteúdos postados e que tem a Meta como um dos alvos.
O Ministério Público Federal quer saber se a Meta no Brasil vai seguir as mudanças da matriz americana. Para isso, já oficiou à empresa para que preste os devidos esclarecimentos.
Temas no STF
Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) dois temas de repercussão geral sobre o assunto:
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Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
A AGU defende que há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado.
Esse dever de precaução inerente às plataformas digitais aplica-se quando forem identificadas violações a direitos muito caros à sociedade, tais como os direitos da criança e adolescente, direitos referentes à integridade das eleições, defesa do consumidor, além da prática de ilícitos penais e propagação de fake news.
Em trecho de documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, a AGU destacou:
“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”.
Nunca é demais recordar que em 2023 a queda de braço entre o STF e o X (antigo Twitter) levou à suspensão da plataforma por um mês, além do bloqueio de contas da Starlink, também fundada por Musk, que é dono do X, a fim de garantir o pagamento de multas impostas à rede social.
Conclusão
A discussão é espinhosa: liberdade de expressão, violação a direitos fundamentais, censura e responsabilidade no ambiente digital. Mas não podemos nos esquivar em achar uma solução que, sem impor qualquer tipo de censura ou restrição à liberdade de expressão, garanta, da forma mais ampla possível, os direitos fundamentais que perfazem a própria dignidade da pessoa humana.
Tema extremamente pertinente para provas de direito constitucional, direito civil e direito processual civil. Por isso, importante acompanhar o desenrolar dos fatos para ver quem levará a melhor nessa disputa de forças.
- HELDER, Darlan; SALATI, Paula, SOUZA, Vivian. Meta, dona de Instagram e Facebook, encerrará sistema de checagem de fatos para adotar ‘notas de comunidade’ como no X. Disponível em: <https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2025/01/07/meta-sistema-de-checagem-de-fatos-e-notas-de-comunidade-como-no-x.ghtml>. ↩︎
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