* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O Tribunal Penal Internacional – TPI emitiu mandado de prisão contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e outras autoridades, como o ex-ministro da Defesa israelense Yoav Gallant e Mohammed Deif, líder militar do Hamas, em virtude de crimes de guerra e contra a humanidade praticados em Gaza, no conflito que se arrasta desde outubro de 2023, quando o grupo terrorista Hamas atacou, de forma covarde, o Estado e o povo de Israel.
A ordem de prisão deverá gerar restrições de viagens do premiê israelense, à exemplo do que já acontece com o presidente russo Putin, correndo o risco de ser preso se ingressar em um dos 124 países signatários do Estatuto de Roma, que criou o TPI.
Entenda o conflito
Em 07 de outubro de 2023, o grupo terrorista Hamas realizou o pior e mais letal ataque contra o Estado e o povo de Israel. Na ocasião, o Hamas matou 1.200 pessoas e sequestrou mais de 250, incluindo crianças, mulheres e idosos (muitos desses reféns ainda estão sob o poder do grupo armado).
O Reino Unido e outros países consideram o Hamas como uma organização terrorista. Contudo, a ONU não classifica o grupo como terrorista, motivo pelo qual o Brasil, que segue as recomendações da organização internacional, também não o considera.
Em nota, o Itamaraty asseverou:
“No tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU.”
Em resposta ao ataque de 07 de outubro, Israel declarou guerra contra o Hamas, e desde então vem intensificando a investida bélica contra o grupo.
Estima-se que Israel já matou em torno de 44 mil palestinos nesse conflito e deixou mais de 100 mil feridos. Boa parte dessas vítimas seriam mulheres e crianças, o que tem gerado uma enorme pressão internacional pela paralisação do conflito, além da acusação da prática de crimes de guerra e contra a humanidade pelo governo de Israel. Isso acabou culminando com a expedição do mandado de prisão pelo Tribunal Penal Internacional.
Isso sem se falar na fome que tomou conta do território palestino, além da total destruição da infraestrutura da região, incluindo escolas, hospitais, mesquitas, estradas.
Tribunal Penal Internacional
O Tribunal Penal Internacional foi criado pelo Estatuto de Roma. É um organismo internacional permanente, com atribuição para a investigação e o julgamento de pessoas acusadas de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.
A estrutura do TPI é composta pela:
- Presidência;
- Seções Judiciais;
- Promotoria; e
- Secretariado.
Importante ressaltar que a jurisdição do Tribunal é subsidiária a dos sistemas jurídicos dos Estados Partes. Ou seja, o TPI só poderá intervir para fins de investigação e julgamento quando o Estado com jurisdição direta sobre o caso não estiver em condições ou não demonstrar disposição em intervir de forma adequada.
O Brasil assinou o Estatuto de Roma em 7 de fevereiro de 2000, tendo-o ratificado em 20 de junho de 2002. Desde então, o referido tratado integra a legislação brasileira.
O TPI pode atuar, portanto, nos crimes de sua competência cometidos por um nacional ou no território de um país que tenha aceitado a jurisdição do tribunal ao assinar e ratificar o Estatuto de Roma.
Atualmente, mais de 120 países são signatários do Estatuto de Roma, inclusive o Brasil. Porém, países como Israel, Estados Unidos, Rússia, China e Índia não assinaram ou não ratificaram o acordo, não sendo obrigados a seguirem suas determinações.
Implicações do mandado de prisão internacional
Diante desse contexto, e sabendo do alcance de jurisdição do Tribunal Penal Internacional, cabe à pergunta: qual a implicação, na prática, desse mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense?
Em tese, caso o premiê israelense ingresse em algum país signatário do Estatuto de Roma e, que, portanto, aceita a jurisdição do TPI, ele deverá ser preso em decorrência do mandado de prisão em aberto.
Nos países que não aceitam a jurisdição do Tribunal Internacional, como é o caso dos EUA e de Israel, não há maiores implicações, haja vista que as decisões do Tribunal não possuem aplicabilidade nestes territórios.
Não podemos deixar de pontuar que o simples fato da expedição do mandado de prisão contra Benjamin Netanyahu já serve como um indicativo de que os excessos da guerra não serão tolerados pela comunidade internacional. Isso demonstra uma força simbólica relevante no sentido de reprovar o modo como Israel executa sua contraofensiva.
Portanto, a chance de vermos o premiê israelense sentado no banco dos réus em Haia é bem pequena. Até porque a maior potência mundial, os Estados Unidos, confere respaldo e apoio às ações de Israel, inclusive enviando dinheiro e armamento necessários para manter os ataques contra Gaza.
A nossa Constituição Federal, em seu art. 4º, elenca como princípios regentes da República Federativa do Brasil nas relações internacionais a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos e o repúdio ao terrorismo.
CF/88 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: ... VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
O Decreto nº 4.388/2002 promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Decreto nº 4.388/2002 Art. 1º O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém. Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Há divergência entre os países quanto à efetiva eficácia do mandado de prisão emitido contra o primeiro-ministro israelense. Há quem defensa sua imediata execução, bem como quem defensa sua inaplicabilidade ante a não submissão de Israel ao Tribunal Penal Internacional.
Repúdio da comunidade internacional
Independente do desfecho prático, a ordem de prisão, que repercutirá por anos, já cumpriu seu papel de reforçar o repúdio da comunidade internacional aos excessos praticados pelo estado israelense dentro de seu legítimo direito de defesa. Esses excessos podem ser exemplificados a seguir:
- Negativa da abertura de corredores humanitários;
- Ataques a escolas e hospitais;
- Mortes de civis inocentes, em especial mulheres e crianças;
- Destruição da infraestrutura urbana de Gaza.
Assim, o tema é extremamente controverso. Envolve o legítimo direito de Israel de se defender dos ataques terroristas, que se utilizam, muitas vezes, da população civil inocente como escudo nesse conflito armado, em contraposição com excessos praticados e que acabam por ferir a dignidade humana das vítimas inocentes do conflito (povo palestino).
Ótimo tema para provas de direito internacional e direitos humanos.
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