* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Nada de “todes”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei nº 15.263/25, que proíbe o uso de linguagem neutra na elaboração de textos de órgãos e entidades da administração pública de todos os entes federativos.
A lei instituiu a Política Nacional de Linguagem Simples para o governo.
A norma estabelece um conjunto de regras e técnicas para que os órgãos públicos tornem a comunicação com a sociedade mais clara, objetiva e compreensível.
A nova legislação se aplica a todos os Poderes:
- Da União;
- Dos estados;
- Do DF; e
- Dos municípios.
Objetivos da nova Política Nacional de Linguagem Simples:
I - Garantir o uso pela administração pública da linguagem simples em sua comunicação com o cidadão;
II - Possibilitar que os cidadãos consigam encontrar, entender e usar as informações publicadas pelos órgãos e entidades da administração pública;
III - Reduzir a necessidade de intermediários na comunicação entre o poder público e o cidadão;
IV - Reduzir os custos administrativos e o tempo gasto com atividades de atendimento ao cidadão;
V - Promover a transparência ativa e o acesso à informação pública de forma clara;
VI - Facilitar a participação popular e o controle social da gestão pública;
VII – Facilitar a compreensão da comunicação pública pelas pessoas com deficiência.
São princípios da Política Nacional de Linguagem Simples:
I - Foco no cidadão;
II - Transparência;
III - Facilitação do acesso dos cidadãos aos serviços públicos;
IV - Facilitação da participação popular e do controle social pelo cidadão;
V - Facilitação da comunicação entre o poder público e o cidadão;
VI - Facilitação do exercício do direito dos cidadãos.

A administração pública, agora, está proibida de usar novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas, ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Portanto, nada de “todes” ou “todxs”.
Essas variações não fazem parte das normas oficiais da língua portuguesa. No entanto, vêm sendo utilizadas como pronomes neutros para se dirigir a pessoas não binárias — que não se identificam exclusivamente com o gênero masculino ou com o gênero feminino.
Jurisprudência do STF
O STF já invalidou lei municipal de Votorantim/SP, que proibiu o uso de linguagem neutra em escolas.
O artigo 2º, da referida lei municipal, assim rezava:
Art. 2º É vedado a todas as instituições de ensino no município de Votorantim, independentemente do nível de atuação e da natureza pública ou privada, bem como, a bancas examinadoras de seleções e concursos públicos, prever ou inovar, em seus currículos escolares e em editais, novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas e previstas nas diretrizes e bases da educação nacional – que preveem apenas as flexões de gênero masculino e feminino.
Parágrafo único. Nos ambientes formais de ensino e educação, é proibido o emprego de linguagem que, corrompendo as regras gramaticais, pretendam se referir a “gênero neutro”, inexistente na língua portuguesa e não contemplado nas diretrizes e bases da educação nacional.
O caso chegou à Suprema Corte através da ADPF 1.166, proposta pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela ABRAFH – Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas. Na ocasião, questionou-se a constitucionalidade da lei nº 2.972/23, do município de Votorantim/SP.
| A norma municipal proíbe o uso de linguagem neutra em instituições de ensino locais, restringindo o ensino da língua portuguesa às regras gramaticais formais. |
O relator, ministro Gilmar Mendes, destacou, em seu voto, que, segundo a Constituição Federal, compete exclusivamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação (art. 22, XXIV), limitando a atuação de Estados e municípios a adaptações locais que não contravenham as normas gerais.
“Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conforme estabelecido no art. 22, XXIV, da Constituição Federal [...] Apesar dos Estados e Municípios poderem atuar legislativamente no campo da educação, na sua forma complementar, com o objetivo de adaptação às peculiaridades locais [...] essa competência não lhes permite contrariar ou desrespeitar normas gerais fixadas pela União, bem como invadir a seara destinada à edição de diretrizes e bases de educação, cuja competência privativa é da União (CF, art. 22, XXIV).”
Mesmo sabendo que a competência legislativa para tratar da educação é concorrente entre União, Estados e DF, conforme artigo 24, IX, da CF/88, e que os Municípios possuem competência para suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, conforme artigo 30, II, da CF/88, “cabe exclusivamente à União determinar normas gerais que regulamentam esse sistema, atribuindo-lhe uniformidade mínima em âmbito nacional. Assim o é, essencialmente, para assegurar o desenvolvimento de um sistema coeso e eficaz, que atendendo às necessidades do país de maneira harmônica, respeite as diferenças regionais, e evite eventuais disparidades que comprometam o acesso e a qualidade da educação. Nesse exato sentido, a Constituição Federal fixou competir, exclusivamente, à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, seara a respeito da qual os demais entes federados não possuem competência legislativa.”, ressaltou Gilmar Mendes.
Portanto, a despeito de complementarem a legislação federal, os Estados e os Municípios não podem contrariar ou desrespeitar normas gerais fixadas pela União, bem como invadir a seara destinada à edição de diretrizes e bases de educação, cuja competência privativa é da União.
Importante acompanhar o entendimento da Suprema Corte ante a nova norma.
Linguagem neutra
Mas você sabe o que é essa linguagem neutra ou linguagem inclusiva?
A linguagem neutra ou linguagem inclusiva é uma forma de comunicação que visa incluir todas as pessoas, independentemente da sua identidade de gênero, sexualidade ou outros aspetos da sua expressão, e sua utilização é defendida por simpatizantes da comunidade LGBTQIA+.
A linguagem neutra aplica um gênero neutro em vez do feminino ou masculino, evitando termos ou expressões que possam ser discriminatórios ou reforçar estereótipos de gênero.
Aplicação prática da linguagem neutra:
- Pronomes neutros: elu/delu;
- Substantivos e adjetivos neutros: substituição de palavras com conotações de gênero, como “homem” ou “mulher”, por “pessoa” ou “indivíduo”.
- Formas neutras de tratamento: evitar usar formas de tratamento que definem um gênero exclusivo, como “prezado” ou “prezada”, que são substituídas por “prezade”.
Alguns Estados e Municípios já proibiram o uso da linguagem neutra1. São eles:
- Paraná: em janeiro de 2023, foi sancionada uma lei que proíbe a aplicação de linguagem neutra em escolas estaduais, editais, currículos escolares, concursos públicos e em comunicações do governo do estado.
- Rondônia: entrou em vigor em 2021 uma lei que proibia a linguagem neutra na grade curricular e no material de ensino público e privado, além de em editais de concursos públicos.
- Santa Catarina: Um decreto estadual de 2021, que está em vigor, proíbe o uso dessa linguagem na redação de documentos oficiais e nas instituições de ensino ou dentro de sala de aula.
- Manaus: a prefeitura de Manaus decretou a lei em abril de 2022, que proíbe a utilização da linguagem neutra no ensino da matéria da Língua Portuguesa nas escolas.
- Porto Alegre: foi sancionada uma lei em junho de 2022, que proíbe o uso da linguagem neutra em escolas e na administração pública.
Julgados do STF

O STF, à princípio, tem considerado inconstitucionais leis que proíbem o uso de linguagem neutra, sob o fundamento de que a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional é da União, além de violação a garantia da liberdade de expressão, a proibição da censura e um dos objetivos fundamentais da República, relacionado à promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
O Ministro Flávio Dino arrematou, na ADI 7644:
“…a língua é viva e está sempre aberta a novas possibilidades. Por isso, não se descarta a possibilidade de utilização da linguagem neutra. A seu ver, trata-se de um processo cultural decorrente de mudanças sociais que, posteriormente, podem ser incorporadas ao sistema jurídico. “A gestão democrática da educação nacional exige, inclusive para adoção ou não da linguagem neutra, o amplo debate do tema entre a sociedade civil e órgãos estatais, sobretudo se envolver mudanças em normas vigentes”
Vejamos alguns julgados do STF nesse sentido:
| Águas Lindas de Goiás (GO) → ADPF 1150 Ibirité (MG) → ADPF 1155 Amazonas (AM) → ADI 7644 Rondônia (RO) → ADI 7019 Paraná (PR) → ADI 7564 (Ainda não há decisão) |
Ótimo tema para provas de direito constitucional!
- https://www.handtalk.me/br/blog/linguagem-neutra-e-acessibilidade/ ↩︎
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